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Argélia celebra 60 anos de independência com as feridas da colonização ainda abertas

02/07/2022 08h51

Argel, 2 Jul 2022 (AFP) - A Argélia comemora o 60º aniversário de sua independência na terça-feira (5), mas as atrocidades cometidas ao longo de mais de um século continuam a prejudicar as relações diplomáticas com a França.

Após quase oito anos de guerra entre os insurgentes argelinos e o exército francês, os confrontos cessaram em 18 de março de 1962 com os acordos históricos de Evian e abriram caminho para a proclamação da independência argelina em 5 de julho daquele ano, aprovada dias depois com 99,72% dos votos em um referendo de autodeterminação.

Para este 60º aniversário, as autoridades planejam uma comemoração em grande estilo, coroada por um imponente desfile militar na capital, o primeiro em mais de três décadas.

As comemorações incluirão um grande espetáculo épico que "lembrará a milenar história da Argélia", segundo o programa divulgado pelo ministro dos ex-combatentes, Laid Rebiga.

A independência foi alcançada após sete anos e meio de guerra que causou centenas de milhares de mortes. A Argélia foi a única ex-colônia francesa na África na década de 1960 a usar armas para se libertar da França.

- "Campo de batalha da memória" -Mas 60 anos após o fim da colonização, as feridas ainda estão abertas na Argélia, diante de uma França que exclui qualquer "arrependimento" ou "desculpa" por esses acontecimentos, embora tenha feito uma série de gestos simbólicos para diminuir a tensão.

"Sessenta anos após a independência, não é hora de esfriar essa história?", questiona o historiador Amar Mohand-Amer.

As relações bilaterais atingiram o fundo do poço em outubro, quando o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que a Argélia foi construída após sua independência com uma "renda de memória" alimentada pelo "sistema político-militar".

Estas declarações provocaram a irritação das autoridades argelinas. Mas desde então, a situação vem melhorando e Macron e seu colega argelino, Abdelmadjid Tebboune, expressaram sua vontade de "aprofundar" as relações, em uma entrevista em meados de junho.

No final de abril, o líder argelino parabenizou Macron por sua "brilhante" reeleição e o convidou para ir à Argélia.

"O rápido retorno à normalidade, após a grave crise dos últimos meses (...) está relacionado às tensões regionais, especialmente na Líbia, que não devem ser ocultadas ou minimizadas", explica Mohand-Amer.

"A geopolítica regional muito instável exige posições fortes no médio e longo prazo e a consolidação das relações políticas e econômicas entre os dois países", acrescenta o historiador.

Segundo o presidente do partido de oposição argelino, Athmane Mazouz, "as relações entre o sistema de poder na Argélia e a França oficial são pautadas por crises e pseudo-encontros desde a independência do país".

"Hoje, ninguém pode falar em refundação. Ninguém desconhece a instrumentalização dessa relação, de um lado e de outro", diz.

Mohand-Amer teme que a política de reconciliação da memória de Macron esteja em perigo após os recentes sucessos eleitorais da extrema-direita francesa, cuja líder, Marine Le Pen, reafirmou em março que "a colonização contribuiu para o desenvolvimento da Argélia".

"A extrema-direita francesa transformará este mandato em um campo de batalha da memória, onde o revisionismo e a falsificação da história serão onipresentes", adverte.

abh/es/pc/mr