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'É a única forma de ter um pouco de paz': o caso da Venezuela no TPI

12/04/2023 11h49

Mortes em protestos, tortura, execuções extrajudiciais... A investigação no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade na Venezuela atravessa um momento crucial: o procurador Karim Khan alega que existe una "base razoável" para crer que houve violações "sistemáticas" de direitos humanos. Em 20 de abril, vence o prazo para analisar os depoimentos das testemunhas em Haia.

O governo do presidente Nicolás Maduro acusa Khan de ter uma "visão claramente preconceituosa" e o sistema de justiça garante que responde aos excessos das forças de ordem. O procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab, afirma que seu gabinete fez cerca de 1.500 denúncias de violações aos direitos humanos desde 2017.

No entanto, familiares de vítimas entrevistados pela AFP veem na Justiça internacional "a única forma de ter um pouco de paz".

- "Mamãe, protestar não é crime" -

O universitário Juan Pablo Pernalete morreu em 26 de abril de 2017 em Caracas, atingido no peito por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada por um militar durante as manifestações contra Maduro, que deixaram mais de 100 mortos e deram origem às investigações do TPI. 

"Juan Pablo sempre ia aos protestos (...). Eu lhe dizia: 'Juan Pablo, tenho medo, estão matando jovens'. Ele respondia: 'Mamãe, protestar não é crime'", relata à AFP Elvira de Pernalete em sua casa, entre medalhas de seu filho que jogava basquete.

Autoridades garantiram que o jovem morreu nas mãos de outros manifestantes que usaram uma arma para matar gado.

"Já haviam assassinado Juan Pablo, agora queriam também assassinar sua memória", disse sua mãe.

O Estado finalmente reconheceu em 2021 que a morte se deu devido a uma bomba de gás lacrimogêneo e 13 militares foram acusados de homicídio com intenção de lesionar, não de matar.

Hoje, disse Elvira, 11 estão livres e outros dois, foragidos.

"O promotor foi trocado quinze vezes e cada um nos dizia que deveria recomeçar o caso", conta.

A audiência preliminar foi adiada 10 vezes, então Elvira e o marido apresentaram uma queixa particular, não aceita em 2022.

"Nesse dia, vimos o assassino de nosso filho, foi muito doloroso".

A família apelou, sem resposta. 

- "Provas de tortura" -

O vereador opositor Fernando Albán morreu aos 56 anos, três dias depois de ser preso em 2018, acusado de envolvimento em um atentando com drones carregados com explosivos contra Maduro.

A versão oficial indica "suicídio". Segundo as autoridades, o político se atirou de uma janela do 10º andar do edifício do Serviço de Inteligência (Sebin), em Caracas, após pedir para ir ao banheiro. 

Familiares e ativistas alegam que ele foi lançado para ocultar provas de torturas.

"Todos seus direitos foram violados: foi alvo de uma prisão arbitrária (...), desaparecimento forçado (...), tortura e morte sob custódia", conta sua viúva, Meudy Osío, em Nova York, onde vive com seus dois filhos.

"Acusaram dois agentes (do Sebin) de algo como descumprimento de dever de custódia; um delito administrativo (...)", mas quando o TPI iniciou suas investigações,  "mudaram o crime destas duas pessoas para homicídio culposo", expressa.

Estes funcionários foram condenados em 2021 a cinco anos e dez meses de prisão por "homicídio culposo" e outros crimes, mas ficaram livres após uma apelação, disse Meudy.

- "À queima-roupa" -

Anrry Chinchilla morreu em 26 de abril de 2019 em um bairro popular de Caracas, durante um operação contra o crime da Faes, força policial dissolvida após centenas de denúncias de execuções extrajudiciais. Ele tinha 30 anos. 

Gregorio, pai de Anrry, conta que a irmã do jovem viu o crime da janela.

"O tiraram do quarto, o fizeram ir para o corredor e se ajoelhar (...) coloraram um lençol no varal para evitar que fossem vistos (...) então ela conta que ouviu os últimos três tiros", conta Gregorio.

Disse que um policial reconheceu a um vizinho que a busca por Anrry foi um "erro". "Não tinha antecedentes criminais". 

Quando a família denunciou à polícia científica uma "execução extrajudicial", Gregorio conta que agentes do Faes passaram a aparecer com frequência em seu bairro para intimidá-la.

O caso judicial, denuncia, ficou "em ponto morto" por dois anos, e foi retomado apenas após a mudança de promotor.

erc-af/jt/lbc/mbj/gm/jc

© Agence France-Presse