Ex-paramilitar Mancuso volta à Colômbia após 16 anos preso nos EUA

O ex-chefe paramilitar Salvatore Mancuso foi preso nesta terça-feira (27) na Colômbia, após passar 16 anos detido nos Estados Unidos e se comprometer a contar a verdade sobre os sangrentos esquadrões de extrema direita e seus vínculos com políticos.

"Vai permanecer no pavilhão de extraditáveis, que se encontra em [a prisão] La Picota, em uma cela independente, isolado, não vai ter comunicação com outros internos e tampouco com funcionários da guarda", disse o diretor da autoridade carcerária Inpec.

Durante a tarde, dois helicópteros partiram do aeroporto de Bogotá para La Picota. Passadas as 19h30 locais (21h30 em Brasília), o Inpec confirmou à AFP que Mancuso já estava recluso nessa penitenciária.

Considerado um dos senhores da guerra mais poderosos dos anos 1990 e início do século XXI, o ítalo-colombiano chegou ao país mais cedo, deportado em um avião, e foi recebido pela autoridade migratória na qualidade de "gestor de paz" por decisão do governo de Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda da história do país.

Em imagens difundidas pela autoridade migratória, Mancuso saiu da aeronave algemado e vestindo um colete à prova de balas, mas sorridente.

Em seguida, foi entregue à polícia e entrou em um veículo da instituição escoltado por uma dezena de policiais com escudos, segundo imagens divulgadas pela Interpol.

Conhecido pelo apelido de "El Mono", Mancuso ainda tem contas pendentes com a Justiça colombiana por centenas de deslocamentos forçados, desaparecimentos e homicídios cometidos pelas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), a associação de esquadrões que lutaram contra as guerrilhas de esquerda.

O governo Petro o designou como "gestor de paz" em meados de 2023, em meio a conversas que o Executivo realiza com vários grupos armados, entre eles herdeiros do paramilitarismo como o Clã do Golfo, também conhecido como Autodefesas Gaitanistas da Colômbia. Naquela altura, o Ministério da Justiça assegurou que a designação implicava sua libertação.

A defesa de Mancuso disse que seu cliente correria um "risco extraordinário" no sistema penitenciário da Colômbia.

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- 'Exílio e submissão' -

Durante a sua prisão por acusações de narcotráfico nos Estados Unidos, Mancuso tentou organizar sua deportação para a Itália, onde seu pai nasceu. Mas o governo da Colômbia o pediu em extradição por considerar que seu testemunho é "imprescindível" para esclarecer centenas de crimes. 

"Após mais de 15 anos de exílio e submissão nas mais duras condições de privação de liberdade, retorno à Colômbia, minha terra natal", disse o ex-comandante das AUC em um comunicado.

"Retornar, apesar das condições restritivas impostas pela Justiça colombiana, à qual acato e respeito, e das difíceis e complexas circunstâncias de segurança que envolvem minha presença na Colômbia, é uma forma de renascer", acrescentou.

Depois de assinar um acordo de paz em 2006 com o então presidente Álvaro Uribe (2002-2010), o chefe das AUC no norte e no nordeste da Colômbia foi extraditado de maneira surpreendente em 2008, sem apresentar sua versão sobre detalhes da guerra nem oferecer reparação às vítimas, como estipulava o acordo. 

Em seu comunicado, Mancuso se coloca "à disposição da Justiça" para "concluir definitivamente" sua desmobilização e explica sua função como mediador em futuros diálogos para desativar o conflito. 

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"Estou à disposição tanto do governo nacional quanto das organizações armadas que buscam um diálogo com ele, como as Autodefesas Gaitanistas da Colômbia e as Autodefesas Conquistadores da Serra, para acompanhar as conversas de paz que sejam necessárias, não importa o quão complexas elas sejam", assegurou.

- Segredos -

Na prisão, Mancuso revelou relações sensíveis do paramilitarismo com políticos. Em novembro, durante um depoimento por videoconferência diante de um tribunal colombiano, disse que Uribe foi cúmplice do massacre de 15 camponeses na localidade de El Aro, em 1997, quando o político de direita era governador do departamento de Antioquia. O ex-mandatário, por sua vez, nega essa acusação. 

Criado no seio de uma família rica, Mancuso disse que sua extradição aos Estados Unidos foi ordenada para evitar revelações sobre quem patrocinou os paramilitares. 

Na véspera de sua chegada, Rodrigo Londoño, ex-comandante da extinta guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e antigo inimigo mortal de Mancuso, o convidou para "reconciliar o país e trazer à luz todas as responsabilidades do conflito armado", em mensagem na rede social X.

Os paramilitares semearam terror com massacres e perseguiram aqueles que, segundo eles, tinham laços com organizações de esquerda. Entre as vítimas de 'El Mono' estão sindicalistas, lideranças indígenas, defensores dos direitos humanos e prefeitos que se opuseram às AUC.

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Ao longo de seis décadas, o conflito armado da Colômbia opôs guerrilhas, narcotraficantes, paramilitares e agentes estatais, com um balanço de mais de nove milhões de vítimas, a maioria deslocados.

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© Agence France-Presse

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