'Caótico': queimadas históricas afligem moradores do Pantanal

Medo de perder tudo e adoecer. As queimadas históricas registradas este ano no Pantanal têm provocado um misto de preocupação, indignação e revolta na população que vive neste bioma, Patrimônio Natural da Humanidade e conhecido em todo o mundo por sua rica biodiversidade.

"É caótico", explica à AFP a carioca Érica Cristina, de 44 anos e proprietária de uma lanchonete no Porto Geral, no rio Paraguai, em Corumbá, município do Mato Grosso do Sul em estado de emergência desde segunda-feira (24) pelas queimadas.

Desde a semana passada, quando um grande incêndio na margem oposta encheu de fuligem o mobiliário e a cozinha de seu pequeno estabelecimento, ela conta que precisou continuar trabalhando mesmo "respirando fumaça o dia inteiro".

Especialistas coincidem em apontar a interação entre as mudanças no clima e o aumento na ocorrência dos incêndios na região, que sofre com uma longa estiagem.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram detectados entre 1º de janeiro e 25 de junho 3.372 focos de incêndio no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, superando o recorde anterior de 2.523 queimadas, registrado no mesmo período de 2020.

"Este ano, o fogo e a seca chegaram mais cedo. A ventania, o fogo e o calor geralmente chegam em agosto, e na região não chove há uns 50 dias", explica à AFP Bruno Bellan, de 25 anos, que administra a fazenda da família, Estância Baía Verde, na zona rural de Corumbá.

A fazenda de criação de gado com 900 cabeças está a cerca de dois quilômetros de um grande foco de incêndio registrado na terça-feira em um terreno de difícil acesso, onde brigadistas do Ibama e militares da Marinha preveem realizar uma ação coordenada.

"A gente fica preocupado de o fogo entrar na fazenda, causar destruição. Com medo, o gado se perde no meio do fogo. A gente vai trazer os animais mais perto da sede [da fazenda] para tirá-los de lá. Tentamos fazer o máximo para a destruição ser a menor possível", afirmou.

- "Fora da curva" -

Na segunda-feira, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, alertou que esta é "uma das piores situações já vistas no Pantanal".

Continua após a publicidade

"Toda a bacia do Paraguai está em escassez hídrica severa. Nós não tivemos a cota de cheia, não tivemos o interstício entre o El Niño e La Niña", dois fenômenos climatológicos que incidem nas precipitações, afirmou.

"Isso faz com que uma grande quantidade de matéria orgânica em ponto de combustão esteja causando incêndios que são fora da curva em relação a tudo o que se conhece", acrescentou.

Marina tem prevista uma visita a Corumbá na próxima sexta-feira (28) em conjunto com os também ministros Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Walter Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) para avaliar a situação das queimadas na região.

No ano passado, o Pantanal foi o bioma brasileiro que mais secou, com uma redução da superfície úmida de 61% em relação à média histórica, indicou um estudo publicado nesta quarta-feira pela rede MapBiomas.

Segundo especialistas do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os incêndios no Pantanal são causados principalmente por ações humanas. Os governos estaduais decretaram a proibição de manejar fogo até o final do ano e prometeram punir os responsáveis.

- Futuro incerto -

Para Érica Cristina, que mora há 15 anos em Ladário, cidade vizinha, "as coisas só pioram com o passar dos anos".

Continua após a publicidade

"Tem muita gente perdendo casas" nos incêndios desde 2020 e "os principais problemas que os moradores enfrentam por causa das queimadas são de saúde, respiratórios, que sobrecarregam os postos médicos", conta.

Mas resiste a jogar a toalha.

"Se a gente fechar, vai viver de que?", pergunta esta mãe de três filhos. Para ela faltam providências das autoridades, mas também "falta competência, empatia com as pessoas. Não adianta falar de um Pantanal que não se preserva de verdade".

Naldinei Ivan Ojeda, militar reformado de 53 anos, natural de Corumbá, admite que pensa em deixar sua cidade natal devido aos problemas respiratórios que sofre, assim como o filho de 15 anos.

Ele critica os responsáveis pela propagação do fogo. "Não existe incêndio por acidente no Pantanal. Eu nunca, na minha experiência, vi o fogo surgir do nada aqui. Todo ano é a mesma coisa", afirma.

mvv/app/mar/aa/am

Continua após a publicidade

© Agence France-Presse

Deixe seu comentário

Só para assinantes