Escola militarizada é nova aposta para rede pública do DF
Com a mudança, estudantes deverão usar uniforme com inspiração militar e deixar brincos e piercings em casa, além de adotar o mesmo padrão para os cabelos: raspados para os alunos, coques para as alunas. "Pode parecer bobagem, mas o cabelão para mim significa muito. Assim que me reconheço." Jhonatas já pensou em pedir transferência. Mas a mãe vetou. "Ela diz que não vale a pena. Estou no 3.º ano do ensino médio. E tenho aqui amigos."
A proposta de levar militares para atuar nas escolas públicas foi apresentada logo nos primeiros dias de governo de Ibaneis Rocha (MDB). Embalado pelo discurso de campanha do presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército que promete incentivar a militarização do ensino, o governador deu a largada no Distrito Federal. Resgatou um projeto há tempos desenhado pela PM, providenciou consulta a professores e pais de alunos das escolas escolhidas e iniciou semana passada a experiência.
"Foi tudo muito rápido", resume o colega de escola de Jhonatas, Igor de Oliveira. Ele deixa clara sua indignação. "A roupa não vai mudar o meu aprendizado. Não quero aprender a marchar. Isso é tudo muito radical."
Assessor especial da Secretaria de Educação do GDF, Mauro Oliveira, garante que a comunidade foi ouvida e que a experiência não é nova. Ao todo, diz, 120 escolas públicas no País têm gestão compartilhada com militares - metade em Goiás. Com a proposta de Jair Bolsonaro, a expectativa é de que esse número se expanda rapidamente. No Ministério da Educação, uma subsecretaria foi criada justamente para incentivar a criação de escolas militares. O plano é destinar recursos para auxiliar municípios a desenvolver unidades do tipo.
Oliveira garante que, nas unidades do projeto-piloto, a votação favorável à mudança para gestão compartilhada foi expressiva. Mas a iniciativa está longe de ser unanimidade. Diretora do Sindicato dos Professores do DF, Rosilene Correa afirma que o processo de convocação dos pais para a consulta foi falho. Ela questiona ainda a escolha das escolas do projeto.
O GDF afirma que a seleção foi norteada por três critérios: o desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da população que mora em torno das escolas e o índice de violência na região. Mais vulneráveis teriam preferência.
"Mas as escolas escolhidas estão longe de ter os piores indicadores. Pelo contrário. Em três delas, os alunos tiveram um desempenho mediano nas avaliações e as instalações são adequadas", diz a diretora do sindicato.
Para ela, isso fará com que o projeto tenha como vitrine uma situação que está muito longe da realidade. "Vão dizer que é um sucesso, mas o que haverá é uma maquiagem, um argumento para seguir com o projeto."
Exclusão
Rosilene teme ainda que ocorra no GDF uma exclusão de alunos com menor poder aquisitivo e com maior dificuldade de aprendizado. No modelo proposto, associações de pais e mestres seriam formadas e por meio delas contribuições poderiam ser feitas para financiar reparos, além de compra de equipamentos para escolas.
"Imagine a pressão que será para quem não pagar. Você acha que os alunos de pais com menos recursos ficarão nessas unidades?", diz Rosilene. A ideia é que militares ofereçam também aulas extras de música ou de esportes. "Os que não tiverem uma boa atuação, um bom desempenho, serão aos poucos incentivados a deixar as unidades. Vão para escolas longe de casa", completa a diretora do sindicato. Oliveira nega. "Não haverá cobrança. As contribuições servirão para melhorias."
Disciplina volta a inspirar as particulares
Escolas de inspiração militar estão na mira também da iniciativa privada. No Distrito Federal, uma rede com dez unidades foi aberta neste ano, com a promessa de transmitir aos alunos "disciplina, civismo e conhecimento". Batizada de Colégio Marechal Duque de Caxias, a rede já tem 4 mil alunos. Do ensino infantil ao médio, estudantes têm de aprender, por exemplo, detalhes sobre a Bandeira Brasileira ou a vida de Duque de Caxias, patrono do Exército.
"O conhecimento é dado, mas sem viés ideológico", afirma o coordenador e militar da reserva, Nelson Gonçalves de Souza. O governo de 1964, completa, não é ensinado como golpe ou revolução. Mas como ciclo governado por militares. No slogan da escola, disciplina está em primeiro lugar. "Aqui o professor dá aula durante 45 minutos. Não é preciso desperdiçar tempo esperando alunos ficarem quietos." Ao entrar na sala, o professor é apresentado aos estudantes por um chefe da classe e imediatamente é saudado.
O projeto do governo do Distrito Federal (GDF) prevê uma rotina similar. Haverá revezamento para um líder de classe e alunos terão de entrar em formação e cantar o Hino Nacional. "Os policiais militares vão ajudar nossos alunos a ter uma postura mais condizente. Posso ser criticado por isso que vou dizer, mas a verdade é que nós, professores, sozinhos, não demos conta", afirma o vice-diretor do Centro Educacional 3 de Sobradinho, Geraldo Calado.
Nas escolas do projeto-piloto do GDF, carros de polícia ficam na frente do prédio. Logo na chegada, alunos são recepcionados por PMs que, assim que a aula começa, ficam transitando pelos corredores. "Não é disciplina imposta por medo. É respeito", diz o assessor especial da Secretaria de Educação do GDF, Mauro Oliveira.
Contramão
O espaço que esse modelo de ensino vem ganhando no País é classificado como equívoco pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Ulisses Araújo. "Num modelo autoritário de escola há o reforço para o sujeito obediente." Para ele, essa fórmula vai na contramão das habilidades que cada vez são mais necessárias no século 21. "O importante é ter criatividade, colaboração, pensamento crítico e capacidade para resolução de problemas." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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