Ponte entre Santos e Guarujá opõe governo paulista e operadores do porto
A construção de uma ponte ligando Santos e Guarujá, cidades do litoral do Estado de São Paulo, opõe o governo paulista e operadores de terminais no Porto de Santos. A obra, anunciada em fevereiro deste ano pelo governador João Doria (PSDB), está em processo de licenciamento ambiental pela concessionária Ecovias.
Uma audiência pública apresentou o projeto ontem, em Santos. A concessionária e o governo afirmam que a ligação rodoviária vai melhorar o fluxo de tráfego na região e eliminar gargalos de acesso entre as duas cidades. Já os operadores afirmam que a ponte pode atrapalhar a entrada de navios nos terminais e prejudicar uma futura expansão do porto.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Conceição da Silva, por se tratar do maior porto da América Latina, a realização de uma obra permanente exige cautela e estudos que não foram apresentados. "A ABTP não teve essa discussão, que achamos importante. Não temos informações técnicas suficientes para dizer aos operadores que essa é a melhor alternativa."
Ele lembrou que a proposta anterior era de construção de um túnel. "Não dá para dizer o que é melhor, a ponte ou o túnel. É preciso analisar melhor o risco de cada solução. Ainda não tivemos elementos para essa análise."
Segundo ele, o operador de um terminal manifestou à associação sua preocupação com a ponte, pois vai interferir em sua área de operação. "Será que os grandes navios vão passar bem por baixo? Como fica a bacia de evolução (área de manobra das embarcações)? Também há terminais preocupados com o túnel. Em que profundidade? O solo é adequado? Haverá interferência no tráfego de navios? São questões que precisam ser discutidas com as partes envolvidas e ainda não foram. A ABTP se coloca à disposição para isso."
A construção da ponte, com 7,5 km de extensão total, custará R$ 2,9 bilhões. O valor será bancado pela Ecovias, pois o governo já se mostra disposto a prorrogar o contrato de concessão da malha administrada pela concessionária, que inclui o Sistema Anchieta-Imigrantes, principal ligação entre grande parte do interior, a capital e a Baixada Santista.
O projeto é dos anos 1970 e foi resgatado pelo então governador Márcio França (PSB), que tem sua base eleitoral na região. O novo governo paulista decidiu acelerar a obra.
Para o presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), Ricardo Arten, a decisão pela ponte segue na contramão de uma tendência mundial. "Todos os portos do mundo em posição de relevância procuram retirar e não colocar obstáculos às operações de navios."
Destacando ser a favor de uma ligação seca entre Santos e Guarujá, "desde que seja viável e não prejudique o porto", ele disse que o projeto da ponte não atende ao fim anunciado pelo governo. "Vai resolver apenas 30% da mobilidade urbana atendida pelas balsas e não vejo como pode melhorar a questão das cargas."
Conforme o executivo, a ponte contraria a lógica de que o transporte pesado deve ser retirado da cidade. "Quando se fez o Rodoanel, foi para tirar o caminhão da capital. Aqui é o contrário: quando se põe uma ponte na entrada da cidade, você atrai todo aquele tráfego de caminhões que poderia seguir pelas rodovias". Na sua avaliação, não existe problema de cargas que justifique o investimento na ponte.
Ainda segundo Arten, se hoje a ponte permite a passagem de navios maiores, isso pode não acontecer no futuro. "A altura de um navio de grande porte é muito maior que há 30 ou 40 anos, chega a 65 metros. A gente tem de pensar como será daqui a 50 ou 100 anos."
O grupo BTP seria um dos mais afetados pela construção da ponte, muito próxima de sua área de operação e que pode comprometer seus planos de expansão em direção ao cais do Saboó. Arten considera que o túnel não causaria interferência.
A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) também se posicionou publicamente contra o projeto por prejudicar os projetos futuros de expansão do porto, criando um gargalo para a entrada de navios de grande porte. Também para a Codesp, a melhor alternativa seria a construção de um túnel.
O secretário de Logística e Transportes do Estado, João Octaviano Machado Neto, defendeu o projeto. "Temos estudos da USP (Universidade de São Paulo), do pessoal de engenharia naval e do pessoal da praticagem que mostram que a ponte não vai interferir nas manobras dos navios. Todo o estuário de fundo é área de manobras e não afeta nada."
Segundo ele, a restrição aos navios de grande porte já existe e se deve ao calado do canal de acesso ao porto, que tem 15 m de profundidade.
Conforme o secretário, a ponte vai resolver problemas de mobilidade de uma margem à outra do estuário reclamadas há décadas pela população. "Ela tem uma importância enorme para a Baixada Santista, trazendo um grande impacto para a população, que hoje depende das balsas, um serviço que é sujeito a fatores climáticos. Vai resolver também o problema de acesso de cargas de uma margem para a outra."
A opção do túnel, segundo ele, esbarra no alto custo e não resolve a logística das cargas, já que é dimensionado para transporte urbano.
Machado Neto destacou que a obra será feita sem desembolso direto do Estado, deixando claro que o governo tende a ampliar o contrato com a Ecovias para que a concessionária banque o projeto. "É uma questão de ajustes no contrato para garantir o investimento privado. Será uma ampliação do prazo na forma da lei."
A Agência de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp) informou que o projeto da ponte ligando Santos ao Guarujá continua em análise.
Pedido do governo
Em nota, a Ecovias informou que desenvolveu o projeto da ponte de interligação entre as margens do Porto de Santos a pedido do governo do Estado. Conforme a concessionária, o projeto não apresenta restrições à navegação, nem à expansão do porto.
"O projeto inclui ponte e sistema viário que interligarão as rodovias Anchieta e Cônego Domênico Rangoni. Para sua elaboração, foram realizadas análises para diferentes tipos de embarcações que operam atualmente no porto, inclusive com simulações de manobras controladas e indicadas pela Praticagem de São Paulo, em simuladores instalados no tanque de provas da USP." Os testes incluíram navios de grande porte, inclusive os usados em cruzeiros.
Ontem, a empresa apresentou os principais aspectos técnicos do projeto em audiência pública realizada em Santos, como parte do processo de licenciamento ambiental.
Os técnicos da empresa defenderam o atendimento à logística do porto e o reordenamento do trânsito na região. Conforme a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), se houver necessidade, poderão ser convocadas outras audiências públicas para a discussão do projeto.
O secretário Machado Neto disse que, após ser resolvida a questão ambiental, a ideia é chamar todos os operadores para discutir em detalhes o projeto.
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