Toffoli recua e anula decisão que dava acesso a dados de 600 mil pessoas
Rafael Moraes Moura
Brasília
18/11/2019 21h01
Em resposta à decisão de Toffoli, o Banco Central havia autorizado o acesso do ministro às informações, comunicando a existência de 19.441 relatórios com dados de quase 600 mil pessoas (412.484 pessoas físicas e 186.173 pessoas jurídicas), incluindo autoridades com prerrogativa de foro privilegiado.
"Diante das informações satisfatoriamente prestadas pela UIF, em atendimento ao pedido dessa Corte, em 15/11/19, torno sem efeito a decisão na parte em que foram solicitadas, em 25/10/19 cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs), expedidos nos últimos 3 (três) anos. Ressalto que esta Corte não realizou o cadastro necessário e jamais acessou os relatórios de inteligência", escreveu o presidente do STF.
A decisão foi divulgada após Toffoli se reunir no STF com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça.
Toffoli também havia determinado que a Receita Federal enviasse todas as Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) elaboradas no mesmo período. Essa parte da decisão do presidente segue em vigor no momento, mas segundo a reportagem apurou, o ministro também deve anular esse outro ponto.
Conforme revelou o Estadão/Broadcast, por determinação de Toffoli, a Receita Federal encaminhou à Corte dados fiscais sigilosos e provas obtidas em investigações contra mais de 6 mil contribuintes, nos últimos três anos. Uma ala do Supremo avalia que os abusos e excessos cometidos por agentes públicos estão na Receita, e não no Coaf.
Voto
O presidente do Supremo está costurando um voto que imponha limites ao compartilhamento de informações sigilosas pela Receita Federal e pelo antigo Coaf, mas sem comprometer o combate à corrupção no País, segundo a reportagem apurou. O tema será discutido pelo plenário do STF nesta quarta-feira, 20.
A discussão, que deve mais uma vez dividir o plenário do Supremo, interessa ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Relator do processo que discute o repasse de informações sigilosas por órgãos de controle e inteligência, Toffoli determinou em julho a suspensão de diversos procedimentos de investigação apoiados em dados fiscais e bancários compartilhados sem o aval prévio da justiça. Só no Ministério Público Federal (MPF), o saldo de casos parados chegou a 935.
Uma das preocupações dentro do governo é a de preservar a atuação do Coaf e da Receita. Para tratar do tema, Toffoli se reuniu nesta segunda-feira com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça. "Nós estamos tentando buscar uma solução que atenda a todos em relação ao que vai ser votado na quarta-feira", disse Campos Neto.
O presidente do Supremo, por sua vez, está buscando uma saída que não prejudique o combate à corrupção, mas que ao mesmo tempo garanta a proteção de dados sigilos de cidadãos. Segundo a reportagem apurou, Toffoli está levando em conta as ponderações do grupo de trabalho da Organização dos Estados para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que demonstrou preocupação com a liminar do ministro concedida em julho.
No entorno do ministro e dentro de associações de magistrados, há críticas à repercussão negativa com o despacho de Toffoli, que determinou que a Receita encaminhasse à Corte dados fiscais sigilosos e provas obtidas em investigações contra mais de 6 mil contribuintes, nos últimos três anos. Toffoli também pediu que o Banco Central lhe enviasse cópias de todos os relatórios de inteligência financeira produzidos pelo antigo Coaf.
Para esse grupo, não houve a mesma indignação quando o escândalo da "Vaza Jato" revelou o uso de informações sigilosas da Receita - sem aval da Justiça - por procuradores da Lava Jato. Além disso, aliados de Toffoli alegam que o ministro não tinha conhecimento da enorme quantidade de relatórios que acabaram encaminhados ao Supremo.
Devassa
Em resposta a um pedido de esclarecimentos feito por Toffoli, Aras informou que é "tecnicamente impossível" a PGR fazer qualquer tipo de "devassa" em movimentações bancárias alheias, "até porque sequer possui acesso a essas informações". De acordo com a PGR, ao longo dos últimos três anos, o Ministério Público recebeu 972 relatórios do Coaf, "todos enviados de forma espontânea", pelo órgão.