Itália avança com lei que pode impedir Jair Bolsonaro de ter cidadania local
Brasília
01/11/2023 09h06Atualizada em 01/11/2023 10h47
Uma proposta de emenda em tramitação no parlamento da Itália pode fazer com que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) perca a possibilidade de ser um cidadão italiano.
Aprovada em primeiro turno nesta última quinta-feira, 26, o texto de autoria do deputado esquerdista Angelo Bonelli, integrante do parlamento do país, sugere a proibição dos vistos permanentes para pessoas condenadas por conspiração política e crimes contra o Estado.
Na Itália, o direito à cidadania é garantido por ascendência. O ex-presidente é neto de italianos e atualmente tem a possibilidade legal de se tornar ítalo-brasileiro. Em janeiro, quando estava nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que "pela legislação", seria cidadão do país europeu.
"Minha família é de Pádua (província na Itália). Pela legislação, eu sou italiano. Tenho avós nascidos na Itália. A legislação de vocês diz que eu sou italiano", disse em declaração dada a jornalista do jornal italiano Corriere Della Sera, em Orlando (EUA).
Após a declaração de Bolsonaro, Bonelli, que é filiado ao partido Verdi e Esquerda, pediu para que o governo italiano não concedesse a cidadania ao ex-presidente e seus filhos, chamando-os de "golpistas". "Sem cidadania para os filhos de Bolsonaro e para o ex-presidente. Sem cidadania para os golpistas", afirmou.
Bonelli também pressionou o chanceler da Itália, Antonio Tajani, a informar se o ex-presidente havia entrado com um pedido de nacionalidade no país. O Estadão procurou a assessoria do ex-chefe do Estado para questionar se ele havia feito uma solicitação neste ano, mas não obteve retorno.
A emenda do deputado está incluída em um projeto de lei italiano que endurece as penas de crimes contra a mulher. A proposta estabelece que estrangeiros condenados por violência de gênero devem ter a cidadania negada, e inclui também os crimes de conspiração política e crimes contra o Estado.
"O governo se compromete em avaliar a oportunidade de rejeitar o pedido de cidadania italiana, fazendo as alterações legislativas apropriadas da lei 91 de 5 de fevereiro de 1992, para os condenados, inclusive no Exterior, por crimes de violência doméstica, violência contra a mulher, crimes de terrorismo, por crimes de violência sexual e pedofilia, por crimes de crime organizado, por crimes de tráfico de drogas, por crimes visando conspiração política e contra o Estado", determina a lei.
A proposta foi aprovada em primeiro turno por 191 votos a favor e seis contrários. Para entrar em vigor, ela precisa ainda passar por um segundo turno, que não tem previsão de ser realizado. Considerando o placar da última quinta-feira, a expectativa é que o projeto avance e entre em vigor.
Durante a sessão no parlamento italiano, o deputado deixou claro que a emenda se inspirava no ex-presidente brasileiro. "Quando estava pensando no texto da emenda, o caso Bolsonaro me veio à mente. A Itália não pode permitir que pessoas que tenham conspirado contra o Estado possam ter a cidadania reconhecida. Isso não faz bem para nossa democracia", afirmou.
Bolsonaro não foi condenado pelos crimes previstos pela emenda de Bonelli. Atualmente, o ex-presidente é investigado pela Polícia Federal (PF) por supostamente arquitetar um golpe de Estado. No último dia 18, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro aprovou um relatório que pediu o indiciamento de Bolsonaro por associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Caso o ex-presidente permaneça sem débitos com a Justiça por crimes contra o Estado e solicite a sua cidadania italiana, ele não será impedido. O mesmo acontecerá se ele for condenado mas sem o vigor da proposta.
Ser um ex-chefe de Estado não concede imunidade
De acordo com Ana Flávia Velloso, especialista em direito internacional pela Universidade de Brasília (UnB), caso seja futuramente condenado com a emenda de Bonelli em vigor, a condição de ser um ex-chefe de Estado não o isentaria do impedimento de ter uma nacionalidade italiana.
"As imunidades alcançam o chefe de Estado e não o ex-chefe de Estado. Além disso, essas imunidades não tem a ver com a questão da nacionalidade. As leis relativas à nacionalidade são da soberania exclusiva do Estado. Cada Estado decide quem são os seus nacionais, criando os seus próprios critérios", afirma.
Segundo a especialista, caso exista um cenário que prejudique o ex-presidente, Bolsonaro será impedido de obter a sua cidadania italiana por órgãos responsáveis pela entrega de nacionalidades.
Bolsonaro foi agraciado com cidadania honorária em vila italiana
Em outubro de 2021, quando ainda era presidente da República, Bolsonaro foi agraciado com o título de cidadão honorário da pequena vila de Anguillara Veneta, onde moraram os seus antepassados.
A concessão do título a Bolsonaro dividiu opiniões no país. A responsável por conceder a honraria foi a prefeita da cidade, Alessandra Buoso, que é filiada a um partido de extrema-direita do país. Nas ruas da vila, moradores fizeram protestos contra o ex-presidente, mencionando a sua postura durante a pandemia de covid-19.
A especialista em direito internacional explica que a homenagem não possui fundamentos jurídicos que se equivalem a uma concessão de nacionalidade. Desta forma, o fato de ser um cidadão honorário da vila não garante direitos que podem o transformar em um cidadão italiano.