Índice de conflitos no campo bate recorde no governo Lula, mostra relatório

Durante o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o País registrou 2.203 ocorrências relacionadas a conflitos no campo. Trata-se do maior índice anual registrado pelo relatório Conflitos no Campo, organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde 1985. A edição de 2023 foi divulgada pela entidade nesta segunda-feira, 22.

As ocorrências englobam conflitos relacionados a posse de terras, questões trabalhistas e acesso a recursos hídricos. Segundo a CPT, em 2023, 950.847 pessoas foram diretamente afetadas pelos embates no campo. A área envolvida nos conflitos passa dos 59 milhões de hectares, de acordo com o relatório.

Os Estados da região Norte concentram a maior parte dos conflitos, somando 810 ocorrências. As unidades da federação com os maiores registros são Bahia, com 249 casos, Pará, com 227, e Maranhão, com 206.

O relatório também apresenta um mapeamento dos agentes e das vítimas da violência no campo. Segundo a comissão, os alvos mais frequentes em 2023 foram povos e comunidades tradicionais, com 1.394 vítimas, sem-terra, com 388 casos, e trabalhadores rurais, alvos de violência em 254 episódios.

Já os agentes causadores de ações violentas mais frequentes foram fazendeiros, com 557 ocorrências, forças militares ou do poder público, com 440, e empresários, em 361 casos.

Trabalho análogo à escravidão bate recorde

O número de pessoas resgatadas em condição de trabalho análoga à escravidão foi o maior dos últimos dez anos, segundo a CPT. O relatório compilou que, em 2023, 2.663 pessoas foram resgatadas nessa circunstância. O Estado com o maior número de ocorrências do gênero foi Goiás, com 699 pessoas resgatadas, seguido por Minas Gerais, com 472, e Rio Grande do Sul, com 323.

No total, houve resgate de trabalhadores em condição análoga à escravidão em 207 municípios de 23 Estados do País. A produção de cana-de-açúcar foi a atividade com a maior incidência de resgates, com 618 ocorrências, seguida por lavouras permanentes, com 598, e lavouras temporárias, com 477.

Conflito se acirra sob governo progressista, dizem autores

Os autores do relatório ressaltam que o conflito no campo se acirra mesmo sob um governo que mantém canais de diálogo com movimentos sociais ligados à questão agrária, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

"Não há um enfrentamento da questão agrária brasileira por parte dos governos progressistas", dizem os organizadores. "Os números das violências contra pessoas nos governos progressistas estiveram bem próximos a variação média do período dos últimos 10 anos", diz o relatório.

A questão agrária esteve na pauta do Congresso em 2023. Além da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST, que pretendia investigar as invasões do movimento, mas terminou sem relatório final, houve a aprovação da Lei do Marco Temporal.

O marco temporal é uma interpretação de um artigo da Constituição Federal. Esse entendimento prevê que uma terra indígena só pode ser demarcada com a comprovação de que os povos originários estavam no local requerido na data de promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.

A Câmara aprovou o marco temporal em maio de 2023. Em setembro, o STF derrubou a tese e invalidou o argumento da linha de corte temporal. Mesmo assim, seis dias depois da decisão da Suprema Corte, o texto foi aprovado no Senado. Ao sancionar a lei, em outubro, Lula vetou o trecho que causaria o impasse jurídico, mas o Congresso derrubou o veto em dezembro.

Nesta segunda, 22, o ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu todos os processos judiciais - em curso em qualquer instância do Judiciário - que tratem da Lei do Marco Temporal.