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Ivan Lessa: Os muitos naufrágios do Titanic

11/04/2012 04h56

Não se pode ir até a esquina, aqui na Grã-Bretanha, sem correr o perigo de, ou esbarrar num iceberg e afundar, ou levar com um barco salva-vidas na cabeça.

Com sorte, pode ser um tripulante de terceira classe ou milionário americano, no que se sai apenas com contusões generalizadas.

De qualquer forma, há no ar, como um zepelim gigantesco, paradoxal e mágico, um excesso de Titanics flutuando em espaços eruditos e populares, marcando o centenário do que foi o naufrágio do século passado e destinado a continuar mantendo o seu recorde po séculos a vir.

A 15 de abril de 1912, o Titanic, à época orgulho da indústria naval britânica, foi a pique levando consigo, segundo algumas contas, 1514 vidas, ou 1490, segundo outras.

Há Titanólogos publicando livros, dando conferências, apresentando programas de televisão, cantando na esquina velhas canções populares. A ocasião só se repetirá daqui a meio século, portanto, ao menos nestes barcos salva-vidas, ao contrário de na magnífica embarcação original, há lugar para todo mundo.

Bobeou e há um leilão de objetos do Titanic recuperados do fundo do mar. Um cruzeiro refaz a projetada viagem inaugural do Titanic. O chato do James Cameron relançou aquele horror de filme em 3D e IMAX, que é a moda destinada a sucumbir sem pedra de gelo alguma a lhe rasgar o dispendioso corpaço. Kate Winslett, por falar nisso, que me parece boa gente, já declarou que, cada vez que houve a música-tema da película que rachou com a insuportável figura Di Capriesca, sempre em moda, sente ganas de vomitar. "Good for you, girl!", digo como um passageiro de 3ª. classe condenado a sucumbir nas águas gélidas de Netuno.

Na televisão, a ITV, um dos canais independentes (quer dizer, tem anúncio à beça) gastou 11 milhões de libras numa série em 4 episódios considerada não só por este vosso criado como pela crítica bem mais especializada como pífia.

Para escrevê-la pegaram e pagaram muito bem ao ex-ator oscarizado por seu "Gosford Park", Julian Fellowes, que só se preocupou em manter os chavões de sua preferência (ricos ruins, pobres bons) e conseguiu, com seus comparsas de produção, o milagre de fazer o contrário do que é ideal hollywoodesco: tornar um filme que tenha custado 1 milhão de dólares em coisa que aparente ter saído por 100 milhões.

Há repetecos das boas versões, disfarçadas ou não, daquilo que foi chamado de "o desastre do século", a saber, A Night to Remember e Titanic simplesmente.

E fico sabendo que os italianos filmaram (Per Un Pugni di Naufragi?) e os alemães também, sob a batuta do ministro de Propaganda nazista, Joseph Goebbels, destinado a dar de cacete na plutocracia (judaica, claro, né?) americana. Claro que a TV inglesa mostrou um longo documentário do tiro que saiu pela culatra, ou melhor, do iceberg que quase afunda o moreninho amigão do peito de "seu" Adolf Hitler.

Em suma, é muito Titanic para minha saúde.

Ouço bandas distantes tocando hinos religiosos em nome de meu saco, enquanto elas e eu afundamos. Que venha e se vá, ou zarpe de vez, o dia 15 de abril, em meio a suas inúmeras lendas marítimas, que, por sinal, informam-me das teorias conspiratórias que correm (glub, glub, glub) em torno das mortes do possante e "inafundável" Titanic.

Assim como JFK e Elvis, o navio estaria em Marte, tendo lá inaugurado uma nova ordem social na qual passageiros da 1ª. classe fundaram (sem A), com os de 3ª. e a tripulação, uma sociedade utópica onde ainda corre champanhe e bandinha tocando hino protestante.

Meu negócio, para ser franco, em matéria de "catastre" é o do zepelim Hindenburgo, ocorrido em 1937. Faltam apenas 25 anos para seu centenário. Que taquem, sorry, brasa.