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Ciclo de violência indica dinâmica de retaliação entre PM e PCC

18/10/2012 14h58

Os recentes assassinatos de policiais militares atribuídos à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), seguidos de outras mortes na mesma região dos ataques, sinalizam um ciclo cada vez mais intenso de retaliação e derramamento de sangue nas ruas de São Paulo, segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil.

Os sinais de uma onda de crimes de vingança se destacam no mesmo momento em que as estatísticas de criminalidade no Estado se elevam. Neste ano, mais de 80 policiais militares, da ativa e da reserva, foram assassinados. O número geral de homicídios entre janeiro e agosto também já é 7,6% mais alto que o do mesmo período do ano anterior.

Nos últimos 15 dias, os conflitos se intensificaram ainda mais, com os assassinatos de quatro PMs e 21 cidadãos em quatro diferentes cidades. A maioria dos policiais sofreu emboscadas durante seus horários de folga.

As investigações sobre esses últimos crimes ainda não comprovaram que os PMs foram mortos por ordem do PCC. No entanto, em casos anteriores, como o do assassinato do policial Edison Avelino de Sales, no Guarujá, em maio de 2012, o Ministério Público diz ter provas dessa relação.

"Sales foi morto por membros do PCC por ser combativo e aguerrido", diz o promotor público Cássio Conserino, de Santos, em entrevista à BBC Brasil.

Seguindo um mórbido padrão, em três dos quatro casos mais recentes de assassinatos de policiais, diversas pessoas, no mesmo local, foram mortas em seguida por homens mascarados.

"É impossível negar que há uma linha ligando as mortes de civis e as de policiais militares", afirma o procurador Márcio Christino, especialista em investigações sobre o PCC. "Os casos estão relacionados."

Uma das hipóteses investigadas pela polícia é de que os homicídios tenham sido praticados por esquadrões da morte integrados por policiais. Eles agiriam para vingar os colegas mortos.

Entretanto, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, tem afirmado que outros criminosos podem estar explorando a situação e acertando contas com rivais para que a culpa recaia sobre policiais.

Estratégia

Para Christino, os recentes assassinatos de policiais marcam uma mudança de estratégia do PCC após uma série de ataques em maio de 2006 - que deixaram quase 500 civis e 50 servidores mortos.

Segundo ele, na ocasião, as operações de grande envergadura da polícia após os ataques acabaram com a capacidade de venda de drogas e armas nas cidades onde a facção opera no oeste do Estado.

"Depois de 2006, o PCC adotou a estratégia de conflitos de baixa intensidade", diz Christino, "sem a característica espetacular e midiática de antes, atingindo agora apenas seu oponente mais efetivo, a Polícia Militar". Ele acrescenta ser pouco provável que ataques da escala dos ocorridos há seis anos se repitam.

Analistas sugerem, porém, que o aumento nas mortes de PMs acontece simultaneamente a um endurecimento das ações da polícia.

No fim de maio, a Rota - tropa de elite da PM designada pelo governo para combater o PCC - protagonizou uma das ações mais violentas deste ano contra a facção. Seis suspeitos de integrar o grupo criminoso e acusados de planejar resgatar um detento foram mortos pela polícia.

Um deles teria sobrevivido ao tiroteio inicial e sido supostamente executado a tiros pelos PMs no caminho para o hospital. Três membros da Rota foram presos durante as investigações sobre o episódio.

Mensagens da prisão

Segundo Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do ABC, a recente onda de violência não é uma reação dos criminosos a ações mais eficientes da polícia, como sugere o governo estadual. Seria, sim, uma resposta a operações policiais mais violentas.

Um sinal disso seria o fato de lideranças do PCC passarem a enviar mensagens - conhecidas como "salves" - para seus subordinados em liberdade, ordenando assassinatos de policiais militares.

Uma das mensagens, enviada em maio, teria partido do detento Roberto Soriano, o Betinho Tiriça, uma liderança do PCC. Segundo promotores, ele estaria ordenando vingança contra a polícia devido ao assassinato de um traficante de drogas.

"Uma das diretrizes do PCC diz que, se um policial capturar um de seus membros e executá-lo ao invés de prender, a célula do PCC da região deve se vingar matando PMs", afirma Dias.

Ela diz suspeitar que a Rota esteja usando informações captadas em escutas telefônicas não para prender, mas para fazer emboscadas e matar membros da facção. Procurada, a Secretaria da Segurança Pública preferiu não comentar o assunto.

 

Controle

O ex-secretário nacional da segurança pública Luiz Eduardo Soares, atualmente professor da Universidade Estácio de Sá, no Rio, afirma que picos de violência já ocorreram antes em São Paulo e ainda é impossível saber se o atual cenário é temporário ou representa uma escalada da violência.

"A raiz (do problema) está na ingovernabilidade das polícias civil e militar, organizadas segundo parâmetros herdados da ditadura, associada à leniência com que autoridades da segurança pública - apoiadas por autoridades políticas - tacitamente autorizam a brutalidade policial letal em nome do rigor no combate ao crime", avalia Soares.

Para ele, a tolerância com ações ilegais da polícia não reduz, mas aumenta a criminalidade e intensifica sua violência, "projetando o ciclo vicioso da brutalidade letal contra os próprios policiais".

O índice de letalidade da Rota, por exemplo, vem subindo ao longo dos anos. Entre 2007 e 2011, essa elevação foi de 78% - de 46 pessoas para 82. Neste ano, 229 suspeitos foram mortos pela PM como um todo.

Camila Nunes Dias diz que, ao não refrear a violência dos policiais, o Estado ajuda a legitimar o discurso do PCC - que afirma existir para proteger seus membros dos abusos do governo. "Foi feita em São Paulo uma opção pelo conflito armado", afirma a pesquisadora.

"Os criminosos matam um policial, e acredito que não por coincidência, naquele local são executadas outras pessoas. Isso gera mais sede de vingança dos criminosos", acrescenta. "A meu ver, a tendência é isso se agravar se não houver uma tentativa de romper com esse ciclo vicioso. Não dá para esperar que os bandidos vão interromper isso, então a iniciativa tem que partir do lado das forças da ordem."

Já o analista político Bruno Garschagen, do Instituto Millenium, avalia que não é possível afirmar que uma suposta tolerância a ações duras da polícia seja uma política do atual governo de São Paulo.

Segundo ele, as forças de segurança governamentais promovem ações de maior intensidade em determinados momentos - como após atentados ou crimes que geraram comoção pública.