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Malvinas-Falklands têm primeiro dia de votação

10/03/2013 22h24

Terminou neste domingo(10) o primeiro dia de votação sobre a soberania das ilhas Malvinas/Falklands. Grande parte dos eleitores compareceu às urnas ostentando bandeiras e símbolos britânicos.

A votação se estenderá por toda a segunda-feira. Os habitantes decidem se as ilhas continuarão sendo um território ultramarino britânico ou se passarão a ser controladas pela Argentina.

A expectativa de analistas é que a maioria vote a favor do Reino Unido. Porém, mesmo que a tendência se confirmar, a disputa deve continuar.

Isso porque a Argentina já afirmou que a vontade da população local não é determinante para questão e, por isso, a votação não teria sentido.

As duas nações não chegam a um acordo definitivo sobre o staus das ilhas desde o século 19. Uma guerra estourou em 1982 e foi vencida pelos britânicos.

O assunto é discutido agora de forma pacífica. Os principais argumentos são baseados em interpretações diferentes do direito e das relações internacionais.

A BBC Mundo entrevistou dois especialistas para esclarecer esses argumentos.

Um deles é o argentino Marcelo Kohen, professor de Direito Internacional no Graduate Institute de Genebra. O outro é Lawrence Freedman, chefe do Departamento de Estudos de Guerra do King's College de Londres.

Leia abaixo trechos das entrevistas.

Argumento central

BBC Mundo - Qual é o argumento central a favor da soberania argentina?

Marcelo Kohen - A Argentina tem soberania porque herdou, no momento de sua independência, o território da Espanha, que por mais de meio século controlou todo o arquipélago sem reação britânica alguma.

Logo, a Argentina tomou posse efetiva do território e realizou a obra mais avançada de assentamento humano nas ilhas desde o seu descobrimento. A Argentina nunca aceitou o despejo forçado das ilhas pelo Reino Unido e manteve sua soberania apesar da negativa britânica de negociar e submeter a questão a uma arbitragem.

BBC Mundo - Qual é o elemento fundamental que sustenta a posição de soberania britânica sobre as Malvinas/Falklands?

Lawrence Freedman - O governo britânico acredita que sua reivindicação de 1833 era forte.

Obviamente isso é algo que a Argentina contesta. Minha visão é que nenhuma das reivindicações era particularmente sólida na época, mas era um período diferente nas relações internacionais, quando os assuntos tendiam a ser resolvidos com o uso da força.

Desde 1833 o Reino Unido manteve uma presença ininterrupta nas ilhas. Esse fato, somado ao direito de autodeterminação (os habitantes querem continuar sendo britânicos) dá respaldo à posição britânica no direito internacional.

Autodeterminação

BBC Mundo - Por que se pode aplicar a noção de autodeterminação dos povos aos habitantes das Malvinas/Falkland? Em que medida o direito internacional dá suporte a essa posição?

Freedman - A pergunta não é por que os moradores das Falklands deveriam ser levados em conta, mas por que não? O fundamento normal da posição anticolonial não é o de antigas reclamações territoriais, mas sim a autodeterminação da população local.

A Argentina pensa que se pode ignorar isso porque a população foi "implantada", mas a maioria das famílias têm vivido nas ilhas por várias gerações.

BBC Mundo - Como se aplica ou não o tema da autodeterminação dos povos no caso das Malvinas/Falklands?

Kohen - O direito internacional distingue três categorias de comunidades humanas: povos, minorias e povos autóctones. Só os primeiros têm direito à livre determinação externa, ou seja, podem decidir o destino do território que habitam.

No processo de descolonização, é a Assembleia Geral da ONU quem determina como se descoloniza um território e se a livre determinação é aplicável ou não. Diferente de outros casos em que as vítimas do colonialismo era povos subjugados, no caso das Malvinas, a Assembleia Geral não reconhece a existência de um pretenso "povo falklander" com direito de livre determinação.

São cidadãos britênicos que chegaram às ilhas depois que a potência colonial expulsou as autoridades e população argentinas e as impediu de regressar.

Contradições

BBC Mundo - O argumento de que os moradores são um grupo implantado no solo e não nativo não se contradiz com a própria história da Argentina, um país essencialmente habitado por estrangeiros e descendentes de estrangeiros?

Kohen - São duas situações diferentes. Uma coisa é um país generoso em matéria migratória como a Argentina e outra é uma potência colonial que toma por meio da força uma parte do território de outro Estado com quem mantém relações de paz e amizade.

Esta situação é muito diferente da também lamentável atitude do governo argentino no século 19 de fazer guerra com populações indígenas do sul para controlar seus territórios. Além do mais, a população autóctone do resto do país sempre foi parte do povo argentino.

Basta mencionar que a declaração de independência da Argentina foi escrita em espanhol, quechua e aymará. Hoje a Constituição reconhece os direitos de todos os povos autócnes. Formam parte do povo argentino.

BBC Mundo - Como o Reino Unido pode defender a autodeterminação dos moradores da ilha enquanto existe uma disputa histórica em torno da independência da Escócia, por exemplo?

Freedman - Não há uma disputa histórica em torno da independência da Escócia. Houve um ato de união que os nacionalistas escoceses reconhecem, mas querem revogar. O Reino Unido concordou que aconteça um referendo na Escócia para resolver a questão, assim como foi feito na Irlanda do Norte e com as Falkland/Malvinas. As pesquisas sugerem hoje que a Escócia votará para ficar na união.

Corte internacional

BBC Mundo - O Reino Unido admitirá que o caso seja tratado pela Corte Internacional de Justiça em Haia?

Freedman - Creio que essa pergunta seria melhor respondida em Buenos Aires. Não tenho informações, mas entendo que a Argentina jamais mostrou interesse em invocar a Corte Internacional de Justiça. Uma eventual sentença definitiva que for contra suas pretenções colocaria em contradição décadas de propaganda.

BBC Mundo - Como respeitar o direito internacional no caso Malvinas/Falklands se não se pode ir a uma corte internacional para defendê-lo? Ou se pode?

Kohen - A ONU e numerosos foros regionais exigem das duas partes que a controvérsia de soberania seja resolvida mediante negociações. Há uma obrigação internacional de resolvê-la. O Estado que se nega a resolver a controvésia de soberania falta com suas obrigações internacionais.

Para levar o caso para a Corte Internacional de Justiça falta o consentimento dos dois Estados, coisa muito difícil se uma das partes não quer nem negociar.

Diplomacia

BBC Mundo - O que a Argentina tem que fazer ainda?

Kohen - O Reino Unido reconheceu a jurisdição da Corte Internacional de Justiça unicamente para controversias posteriores a 1977. Obviamente a disputa pelas Malvinas é anterior, tem mais de 180 anos.

A Argentina não fez uma declaração de aceitação da jurisdição da Corte, mas se fizesse não poderia fazer uma demanda ao Reino Unido em razão da limitação temporal mencionada.

A Argentina pode seguir insistindo no plano bilateral e multilateral para que o Reino Unido cumpra com sua obrigação de resolver a controvérsia de soberania mediante um dos meios de solução pacífica existentes, mas a verdade é que, uma vez que o Reino Unido tem poder de veto no Conselho de Segurança, não tem outros meios à disposição.

Além disso, todos os governos democráticos argentinos se comprometeram desde 1983 a resolver a controvérsia somente por meios pacíficos e em conformidade com o Direito Internacional.

BBC Mundo - Por que o Reino Unido não acata as resoluções da ONU que pedem para que ambas as partes negociem?

Freedman - As resoluções relevantes foram aprovadas pela Assembleia Geral da ONU e, portanto, não são vinculantes. Até 1982 o Reino Unido negociou. Então a Argentina tentou resolver o assunto por meio de força militar e fracassou. Não surpreende que isso tenha mudado as atitudes a respeito das negociações.

O problema fundamental é que a Argentina sempre insistiu que o único propósito das negociações deve ser a transferência de soberania, e o Reino Unido não aceitará uma transferência que contradiga os desejos dos moradores locais. Minha opinião é que se a Argentina deixasse de lado o assunto da soberania haveria muito o que negociar.