Rolezinho de protesto se espalha, mas não atrai movimento original
A reação da administração de shopping centers aos "rolezinhos" - encontros em grande número de jovens da periferia em São Paulo - começa a inspirar novas formas de protestos. Mas desta vez, fora das ruas e dentro dos centros comerciais.
Rolés "de protesto" foram marcados para as próximas semanas em São Paulo e em diversas capitais do Brasil, em manifestação contra o que chamam de segregação social e racial feita pelos estabelecimentos, para proibir os encontros em massa de adolescentes.
Sem discurso político ou interesse partidário, adolescentes paulistas, por outro lado, continuam a marcar eventos para "curtir e zoar" em shoppings periféricos, mesmo antevendo problemas.
"Eu quero organizar esse evento para apenas juntar a galera, se conhecer e fazer novas amizades, não quero promover arrastão ou briga... não tô fazendo esse evento para atrasar lado de ninguém", diz uma mensagem de Guilherme Freitas na página do rolé que ele convoca no shopping Aricanduva, no dia 1º de fevereiro.
Caique Ramos, de 15 anos, mora em Limoeiro e convocou um rolezinho para jovens no shopping center Penha no final de dezembro. O evento dele está marcado para o dia 8 de fevereiro e tem pouco mais de 70 confirmados. Mas ele diz estar "com medo de confusão".
Desconfiado, ele diz que marcou o encontro para "conhecer pessoas novas" e adicionou o pedido "sem roubo" depois de ficar sabendo dos acontecimentos no shopping Itaquera, onde alguns lojistas se queixaram de furtos durante um evento.
"Pensei (em cancelar o rolezinho), mas vou continuar. Se ficar muito arriscado, eu paro", disse à BBC Brasil.
Dois shoppings fecham para evitar "rolezinhos" em São Paulo
Para 'zoar'
Rolezinhos acontecem, com outros nomes e formatos, há cerca de dez anos em todo o Brasil, segundo especialistas. Organizados pelas redes sociais - Orkut e em seguida Facebook - eles reúnem adolescentes para paquerar, cantar, consumir roupas e acessórios de marca.
Em dezembro de 2013, no entanto, um rolezinho marcado no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo, reuniu cerca de 6 mil pessoas e causou pânico entre lojistas e consumidores. Pelo menos três furtos foram registrados.
A partir daí, outros eventos semelhantes foram reprimidos por administrações de centros comerciais com ação policial e shoppings conseguiram liminares proibindo a entrada de menores para encontros.
A reação gerou debate nas redes sociais e em diversos setores da sociedade. Alguns classificam os jovens de "baderneiros" e defendem o controle dos eventos. Outros afirmam que a situação reflete e exemplifica a segregação racial e social dentro da sociedade brasileira.
Em meio à "febre" de rolezinhos de protesto pelo país, adolescentes de bairros periféricos de São Paulo continuam marcando seus eventos sem apelo de manifestação - com a promessa de paqueras e muito funk. Mas nos comentários, adolescentes já se referem ao medo da ação policial e pedem encontros "na disciplina" e "sem roubo".
'Solidariedade'
A reação aos rolezinhos tem sido comparada a uma nova onda de protestos, ecoando as manifestações de junho no país. Desde o último evento no shopping Itaquera, no dia 11 de janeiro, - que teve intervenção policial com balas de borracha e gás lacrimogêneo - outros rolés foram marcados para os próximos dias em pelo menos nove capitais.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de São Paulo também organizou, juntamente com outros grupos, dois rolés simultâneos em shoppings da Zona Sul paulista, que não aconteceram porque os estabelecimentos fecharam as portas mais cedo. O Uneafro, movimento que reúne cursos comunitários, também fará um "rolé contra o racismo" no sábado, em um shopping de elite da capital.
Grupos black blocs e outros ligados a partidos políticos também manifestaram apoio - e prometeram presença - aos eventos em São Paulo e outras cidades.
Em comum, eles têm discursos de protesto contra "toda forma de opressão aos pobres e negros" e contra a "ação diária da polícia militar no Brasil, seja nos shoppings, nas praias ou nas periferias". Muitos são organizados por pessoas que participaram das manifestações de junho.
A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora na Universidade de Oxford, acredita que o clima deixado pelos protestos em todo o país facilita a politização do evento inicial por alguns grupos. No entanto, ela diz que é necessário separar a motivação dos adolescentes das ideias dos ativistas.
"O grande significado do rolezinho é querer pertencer a essa sociedade de consumo. Os jovens (da periferia) não querem questioná-la", disse à BBC Brasil.
Pinheiro-Machado estudou a relação de jovens de periferia com produtos de marca e afirma que o fenômeno tem mais de uma década. E que eles sempre se reuniram em shoppings em grupos, conscientes de que sua presença poderia não ser bem-vinda.
"Eles sempre falam que estão indo lá contra o preconceito e para ser vistos, mas querem fazer disso um prazer e um estilo de vida vinculado às marcas. Não são como outros grupos que estão discutindo conscientemente o racismo."
Algo maior
O professor de música Daltson Takeuti, de 55 anos, é o organizador do rolezinho no shopping Iguatemi JK, marcado para este sábado. O shopping foi o primeiro a conseguir uma liminar impedindo o encontro de adolescentes dentro do espaço e realizou até mesmo uma triagem de jovens em sua entrada principal, feita por seguranças.
Takeuti, no entanto, é morador da Mooca e nunca havia participado de um rolezinho - nem mesmo quando adolescente. Também diz não conhecer bem o fenômeno do funk ostentação - estilo de música e de vida que parece servir de insipiração aos jovens da periferia paulista.
"A minha participação é mais política mesmo. Isso tem muito a ver com o governo não dar opções de lazer, de cultura, de educação e de assistência social para a juventude. Isso é o que faz com que alguém de tão longe venha até um bairro nobre", disse à BBC Brasil.
"Como eles conseguiram uma liminar na justiça, eu me sensibilizei socialmente e quis desafiar esse tipo de coisa. Por isso convoquei o evento."
Takeuti afirma que, por causa do evento - que já tem 800 presenças confirmadas - está em contato com jovens de bairros periféricos como Itaquera, São Mateus, Cidade Tiradentes, Guaianazes e Itaim Paulista. Segundo ele, os adolescentes "estão aprovando a ideia e acham que é uma oportunidade de marcar um território".
Apesar dar críticas à "apropriação" dos eventos por movimentos políticos, o antropólogo Alexandre Pereira Barbosa defende o debate sobre os rolezinhos, mas faz ressalvas sobre a transformação de um encontro social de adolescentes em bandeira política.
"Não podemos pensar nisso (nos primeiros rolezinhos) como uma política tradicional como foram as manifestações de junho, não há relação nenhuma. Mas eles dizem algo sobre pertencer a essa sociedade de consumo. É um evento paradoxal, não cabem binarismos fáceis: se é contestador, se não é, se é político ou apolítico", disse à BBC Brasil.
"Isso já se transformou em algo muito maior do que era, já que era só um encontro de jovens para curtir, para beijar. Mas eu não acho essa 'apropriação' pela classe média ruim. Essas coisas tem que ser discutidas por outras classes sociais".
Ação policial
Segundo Barbosa, a reação das administrações de shoppings que convocaram a polícia militar foi decisivo para a repercussão e a amplificação dos rolezinhos.
"Um evento simples e ingênuo foi amplificado pela criminalização. Não há explicação mais complicada do que isso", disse o antropólogo.
"Eu fui observar outros dois rolezinhos que aconteceram, inclusive o último no Itaquera. Nesse eu vi claramente que o conflito começou quando os jovens fizeram uma fila e começaram a cantar e a circular pelo shopping. Aí a polícia chegou", relata.
Na quinta-feira, em um encontro em Fortaleza, o ministro Gilberto Carvalho da Secretaria Geral da Presidência também afirmou que "mais uma vez a ação inadequada da polícia acaba colocando gasolina no fogo" e "propiciando o crescimento do movimento".
Barbosa acredita que a melhor saída para os shoppings teria sido negociar a realização dos eventos sociais - que já aconteciam frequentemente, mas com menor número de pessoas - com os adolescentes.
"Acho que isso é um problema para o shopping mesmo. Como lidar com esse público que está lá e é indesejado pelos outros? Mas conseguir liminares e revistar funcionários deixou a imagem dos próprios shoppings arranhada", diz.
"O shopping Itaquera é o mais interessante para pensar tudo isso. O shopping vai fechar em dia do jogo do Corinthians? Se vierem mil torcedores juntos para o shopping, eles não poderão entrar?"
O presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping, Nabil Sahyoun, disse à BBC Brasil que os estabelecimentos "têm se preocupado com um policiamento mais ostensivo".
"Temos alguns carros blindados na porta, o que dá uma segurança para a população e procura afugentar aqueles que estão mal intencionados. Não é no sentido de armamento, mas é no sentido de ter carros blindados, policiais fardados do lado de fora."
Sahyoun afirmou ainda que espera um posicionamento do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sobre a possibilidade de contratar policiais militares fora de seu horário de trabalho para a segurança nos shoppings.
"Queremos incentivar a disciplina e o respeito em um espaço privado e não incentivar a violência. As periferias frequentam o shopping center sempre com muito respeito e tranquilidade. O que não pode é um grupo de adolescentes incitar pelas mídias sociais duas ou três mil pessoas a fazer um evento dentro de um shopping particular", afirmou.
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