Belo Monte: reassentamento tem rua às escuras e casas com infiltrações
A entrada do reassentamento Jatobá, em Altamira (PA), está quase totalmente às escuras desde o início do ano, quando os novos moradores começaram a chegar ao local. O bairro foi erguido do zero para receber mais de 5 mil famílias das áreas que serão alagadas pela barragem da hidrelétrica Belo Monte.
Dos 12 postes da rua A, apenas dois funcionavam quando a BBC visitou o local em novembro. Naquele mês, a reportagem presenciou o momento em que moradores reclamaram do problema em uma reunião com a Norte Energia, consórcio vencedor do leilão realizado pelo governo federal para construção de Belo Monte. Segundo moradores do Jatobá, a situação continua a mesma até agora.
Moradora de uma das 30 casas da rua A há sete meses, Iraci Lima da Silva reclama da sensação se insegurança gerada pela falta de luz. E esse não é seu único temor. O quarto em que dorme com seu marido tem uma rachadura fina, porém longa, que corta todo o teto em cima de sua cama. Iraci diz que não consegue dormir.
"Eu sinto um pavor de noite. Eu tenho medo da laje cair em cima de mim. Essas paredes não são seguras. A laje não é bem feita. O teto não é encostado nas paredes. Foi completado com argamassa", reclama.
"Eu fico depressiva de noite. Perco o sono, vou para a sala ou para o quarto da minha filha, que não é rachado", contou.
Ainda assim, ela diz que prefere o novo lar - uma casa de concreto, com três quartos, sendo uma suíte, mais uma sala com cozinha americana e banheiro, que perfazem 63 metros quadrados. Há ainda um quintal atrás e um espaço na frente, somando no total 300 metros quadrados. O Jatobá tem saneamento básico, algo raro em Altamira, onde o esgoto corre a céu aberto em quase toda a cidade.
"Eu gosto mais daqui. É mais higiênico", explicou.
Infiltrações
Já na casa do casal Maria da Silva Mota e Antônio Francisco da Silva, a reportagem constatou infiltrações de água de chuva no banheiro e na sala.
"Eu era feliz lá no meu lugarzinho. Era de tábua, mas eu não dormia na goteira", queixou-se Maria.
"Antigamente, quando chovia, eu olhava para baixo, para ver se entrava água. Agora eu olho para cima. Têm oito meses que é a mesma coisa. Um dia chove, outro dia eu tô lá no plantão (de atendimento da Norte Energia)", contou.
Em dezembro, finalmente foi providenciado o conserto, contou à BBC por telefone. Seu principal problema, porém, é outro. Ela e o marido dizem que os funcionários do consórcio que fizeram seu cadastro e reassentamento lhes prometeram um espaço comercial no bairro, onde pretendiam instalar uma loja de tatuagem e uma lanchonete.
No endereço anterior, na Rodovia Ernesto Acioly, o casal tinha um pequeno estabelecimento, onde ele tatuava e ela vendia salgados. Foram indenizados em R$ 28 mil pela perda do espaço e supostamente deveriam ganhar R$ 800 reais mensais ao longo de um ano como compensação enquanto recomeçavam o negócio - o valor não está sendo liberado ainda.
Eles receberam uma casa na ponta da rua F, justamente ao lado de um terreno de esquina vazio destinado a uso comercial. Ao receberem as chaves do local, dizem que foram informados que teriam direito a construir ali. Quando foram iniciar as obras, porém, foram impedidos de construir e avisados de que o terreno não lhes pertencia.
Os dois gravaram uma conversa sobre o problema com um funcionário da Norte Energia - ele explica que as áreas comerciais do bairro serão vendidas para empresas, com prioridade para estabelecimentos como supermercados e farmácias. Argumenta ainda que o comércio deles era pequeno e o terreno comercial no assentamento é de trezentos metros quadrados.
O casal investiu então R$ 10 mil na construção de uma pequena loja em frente a sua casa. Eles dizem que sua renda mensal caiu de R$ 6 mil para R$ 2 mil, porque, como o Jatobá é mais distante da área central de Altamira, o movimento agora é menor.
"Dá um nervoso na gente. Eu não me sinto feliz dentro do Jatobá. Primeiramente, a gente não está ganhando o que a gente ganhava lá. Segundo, a gente foi enganado", afirma Maria.
Vida melhor
Também morador do Jatobá, Vanderlan da Silva Oliveira tem uma percepção diferente do novo bairro. Sua casa estava sem luz no banheiro, mas o problema não tirou sua felicidade com o novo endereço.
Antes ele morava em uma palafita, em local sem saneamento básico, que alagava durante o período de cheia, nos primeiros meses do ano. Agora, divide a nova casa com sua mulher, três filhos, um tio e sua esposa.
"É bom demais. Não alaga. Eu nem ouço a chuva", elogiou.
Serão construídos no total seis assentamentos com 4.670 casas, a cerca de cinco quilômetros do centro da cidade. A previsão inicial era de cinco novos bairros, mas na semana passada a empresa anunciou a construção de mais um, com 570 residências, atendendo à demanda de pescadores e índios moradores de Altamira que não conseguiram chegar a um acordo de indenização com a Norte Energia.
O Plano Básico Ambiental de Belo Monte determina que todos os atingidos têm direito a optar entre uma casa nova num dos reassentamentos ou uma indenização que permita adquirir outra moradia na cidade. Mas os valores oferecidos como indenização têm sido considerados baixos, pressionando a demanda por casas prontas nos novos bairros.
Como o sexto bairro anunciado vai demorar mais para ser implementado, a Norte Energia informou que as famílias que fizerem a opção por ele deverão ser reassentadas, provisoriamente, em um dos outros cinco bairros e, depois, transferidas novamente, se assim desejarem. As famílias preferem ser mantidas próximas dos antigos vizinhos, com quem já tem vínculos.
No total, 5.241 famílias foram cadastradas, uma pequena parte (571) receberá outras compensações como indenizações. O objetivo do consórcio é retirar todas a população da área que será alagada até março. No segundo semestre de 2015, terá início a inundação, com um ano de atraso em relação ao cronograma inicial.
'Vandalismo'
A Norte Energia informou por meio de nota que as casas "são construídas com materiais resistentes e de qualidade, com tecnologia certificada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)".
Segundo a empresa, "as microfissuras relatadas pela reportagem estão dentro de padrões aceitáveis na construção civil e não caracterizam problemas que coloquem em risco a estrutura das casas". Disse ainda que "técnicos contratados realizam vistorias nas casas já entregues e acompanham o atendimento a demandas dos moradores".
Sobre a falta de luz na rua A do Jatobá, a Norte Energia disse que "as lâmpadas foram destruídas em ações de vandalismo" e que o conserto é responsabilidade da Celpa, distribuidora de energia do Pará. A concessionária, por sua vez, disse que isso era atribuição da Prefeitura de Altamira. Na secretaria municipal de Infraestrutura, uma funcionária informou que a Prefeitura não estava ciente do problema até o momento e que providenciaria o conserto.
A empresa não comentou casos específicos.
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