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Defendido pelo PT, financiamento de campanha 100% público só existe em um país

Ato com 200 sacos que representam dinheiro cobra reforma política, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília - Givaldo Barbosa/Agência O Globo
Ato com 200 sacos que representam dinheiro cobra reforma política, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília Imagem: Givaldo Barbosa/Agência O Globo

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

30/03/2015 05h51

Em meio ao escândalo de corrupção na Petrobras (de onde recursos teriam sido desviados para financiar partidos), o PT defende hoje que as campanhas eleitorais sejam financiadas 100% por dinheiro público.

O sistema só existe em um lugar do mundo, o Butão, país que apenas em 2008 deixou de ser uma monarquia absolutista e realizou suas primeiras eleições.

Mas o financiamento público de partidos e/ou candidatos, em pequena ou larga escala, é adotado em 118 países, de acordo com um monitoramento realizado pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês). Em alguns deles, como México, Colômbia, Itália e Espanha, chegam a representar mais de 80% dos gastos das campanhas.

No Brasil, os partidos têm acesso a doações privadas e a recursos públicos - prevendo dificuldades de obter financiamento de empresas após a Operação Lava Jato, senadores e deputados decidiram triplicar a verba do fundo partidário neste ano, para R$ 867,56 milhões, há duas semanas.

Mas quais as vantagens e desvantagens de aumentar o financiamento público no Brasil? A BBC Brasil preparou um guia sobre o assunto. Confira abaixo.

Qual o princípio do financiamento público?

O objetivo do financiamento público é contrabalancear - ou mesmo anular - a influência do poder econômico nas eleições. Os defensores de um modelo majoritariamente ou totalmente público argumentam que doações privadas desvirtuam a democracia, pois as grandes corporações são muito mais ricas que os indivíduos e, assim, têm mais recursos para influenciar nas eleições.

O PT defende que o financiamento seja exclusivamente público, ou seja, que nem mesmo pessoas físicas possam doar. A proibição de doações de empresas também é defendida por centenas de movimentos sociais (como UNE, CUT e MST) que integram a Campanha pela Constituinte - proposta de convocação de um Assembleia exclusiva para votar uma reforma política. Mas não há consenso entre eles sobre doações de pessoas físicas.

"Para nós, o financiamento privado é a base da corrupção. Empresas de diversos setores financiam os políticos e depois cobram seus interesses no Congresso. Isso é totalmente antidemocrático porque o voto da empresa passa a valer mais que o do eleitor", afirma Paola Estrada, integrante da coordenação nacional da campanha.

Quais seriam as desvantagens?

Entre os defensores do financiamento público, há também quem aponte potenciais riscos nesse modelo. Para o Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), uma dependência excessiva de recursos públicos pode levar os políticos e seus partidos a se afastarem da sociedade.

"Quando administrado e distribuído de forma adequada, o financiamento público dos partidos políticos pode ser um bom contrapeso para doações privadas e também pode aumentar o pluralismo político. No entanto, os partidos políticos não devem perder o contato com seus eleitores, ou se tornar excessivamente dependentes de financiamento público", nota um documento de janeiro do instituto.

O diretor da área de Partidos Políticos do Idea, Sam van der Staak, defende um modelo que equilibre recursos públicos e doações de membros dos partidos, empresas e pessoas físicas - limitadas a um teto baixo, para evitar que um grupo tenha mais peso que outro.

Como distribuir os recursos?

Outro risco do modelo de financiamento essencialmente público é dar pouco espaço para o surgimento e crescimento de novos partidos, na medida em que a distribuição dos recursos tende a ser proporcional ao tamanho das bancadas no Congresso.

Por outro lado, dividir igualmente também não é considerada a melhor maneira de distribuição. "Essa abordagem (divisão igualitária) cria o risco de que partidos sejam criados apenas para obter financiamento do Estado. Além disso, também pode ser um desperdício significativo usar recursos públicos para apoiar partidos e candidatos que não têm nenhum apoio entre o eleitorado", nota o relatório do Idea.

A opção para contornar isso, aponta o instituto, é repartir parte dos recursos públicos igualmente e parte proporcionalmente. Manter a possibilidade de doações de pessoas físicas ou mesmo de empresas, sob um limite baixo, é também uma forma de permitir que o financiamento eleitoral tenha mais dinamismo.

No Brasil, a distribuição de recursos públicos via fundo partidário se dá da seguinte forma: 5% são repartidos igualmente entre os 32 partidos existentes, e 95% são distribuídos na proporção dos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados.

Como isso tem funcionando em outros países?

Entre os 180 países monitorados pelo Idea, apenas um tem financiamento de campanha exclusivamente público: o Butão. Essa pequena nação asiática, espremida entre China e Índia, realizou suas primeiras eleições em 2008, quando o sistema político passou de monarquia absoluta para monarquia constitucional.

Outros países, embora não adotem o modelo 100% público de financiamento, têm níveis altos de participação pública nos fundos de campanha. No México, por exemplo, 95% das campanhas às eleições presidenciais de 2012 foram bancadas com recursos do Estado. Esses índices também foram altos nos últimos anos na Colômbia (89%) e no Uruguai (80%). Em países europeus, como Espanha, Bélgica, Itália e Portugal, os fundos públicos também respondem por mais de 80% dos custos das campanhas.

Existem vários modelos de distribuição desses recursos. Há países, como Alemanha, em que o Estado transfere para o partido um euro para cada euro arrecadado de doadores (prática chamada de matching funds). Já na Holanda, os repasses dependem do número de pessoas filiadas ao partido.

Na França, a lei institui um teto para os gastos de campanha, que varia de acordo com o tipo de eleição. A partir desse teto é calculado o reembolso com dinheiro público das despesas eleitorais do candidato. No caso da eleição presidencial, por exemplo, em 2012 foi definido que cada candidato poderia gastar até 16,8 milhões de euros (R$ 58,8 milhões, na cotação atual) no primeiro turno e 22,5 milhões de euros (R$ 78,75 milhões) no segundo. A título de comparação, a campanha da presidente Dilma Rousseff em 2014 consumiu R$ 350 milhões.

Na França, cada candidato que conseguisse 5% dos votos, poderia receber 50% do valor gasto em reembolso. As regras determinam que o candidato que ultrapassar o teto de gastos da campanha não pode receber o financiamento público de parte de suas despesas. Foi exatamente o que ocorreu com o ex-presidente Nicolas Sarkozy, que teve suas contas da campanha presidencial de 2012 rejeitadas pelo Conselho Constitucional.

Quanto dinheiro público os partidos já recebem no Brasil?

Partidos políticos já recebem hoje dinheiro público no país, mas a maioria dos recursos que bancam as campanhas eleitorais vêm de doações de empresas.

Nas últimas eleições, partidos e candidatos arrecadaram cerca de R$ 5 bilhões de doações privadas, quase na sua totalidade feitas por empresas. Além disso, receberam no ano passado R$ 308 milhões de recursos públicos por meio do Fundo Partidário, enquanto o tempo "gratuito" de televisão custou R$ 840 milhões aos cofres da União por meio de isenção fiscal para os canais de TV.

Em 2015, porém, haverá um salto expressivo na verba do Fundo Partidário. O Congresso aprovou neste mês que o orçamento previsto inicialmente pela União fosse triplicado, passando de R$ 289,56 milhões para R$ 867,56 milhões.

O aumento teria sido motivado pela dificuldade que os partidos estão enfrentando para se financiar após a operação Lava Jato - que investiga desvio de recursos na Petrobras - ter colocado no banco dos réus executivos de grandes empresas doadoras.

O relator do Orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), disse que o aumento refletiu uma demanda de diversos partidos e que representa um teste para a tese do financiamento público de campanha.

Quanto custaria um modelo com mais financiamento público?

O PT não tem hoje uma estimativa de quanto seria o custo de um financiamento exclusivo de campanha, de acordo com a vice-presidente nacional do PT, Gleide Andrade, responsável por coordenar as discussões sobre reforma política dentro do partido. Segundo ela, isso dependerá de outras alterações que podem ser feitas no sistema eleitoral, como por exemplo modificar a forma de eleger os deputados.

"Mas uma coisa é certa: será um campanha bem mais barata do que a que temos hoje", afirmou.

Outro projeto de lei que já tramita no Parlamento - o PL 268, apresentado em 2011 como conclusão dos trabalhos de uma comissão de reforma política no Senado - sugere que o financiamento de campanha será exclusivamente público e que o valor total a ser distribuído seguirá o seguinte cálculo: total de eleitores inscritos até 31 de dezembro do ano anterior vezes R$ 7 a valores de janeiro de 2011.

Atualizando esse valor pela inflação até 2014 (R$ 8,40) e considerando o número de eleitores que puderam votar no ano passado (141,8 milhões), as últimas eleições teriam consumido R$ 1,2 bilhão, segundo a regra do PL 268/2011.

Aumentar o peso do financiamento público exigiria outras mudanças?

Mudar o sistema de financiamento não é algo trivial. Especialistas no assunto dizem que extinguir as doações por empresas e aumentar o peso do dinheiro público obrigaria necessariamente a alterar as regras das eleições para o Legislativo.

Claudio Abramo, ex-diretor da Transparência Brasil, diz que teria que ser adotado a eleição em lista - método em que o voto vai para o partido, que decide qual será a ordem dos deputados e vereadores eleitos pela legenda. Tal mudança seria necessária por causa da dificuldade de distribuir e fiscalizar os recursos para todos os candidatos. Dessa forma, os partidos que centralizariam a gestão dos recursos públicos.

O filósofo e cientista político Marcos Nobre discorda da tese de que o financiamento exigiria lista fechada. "É perfeitamente possível fiscalizar (a distribuição de recursos) desde que você torne os partidos responsáveis pela atuação de cada um de seus candidatos", argumenta.