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Cubanos têm 'delivery de internet' para burlar restrições de acesso

Cubanos recebem semanalmente o "Paquete", conteúdo digital compartilhado em um HD externo por conta das restrições do governo ao acesso à internet  - BBC
Cubanos recebem semanalmente o 'Paquete', conteúdo digital compartilhado em um HD externo por conta das restrições do governo ao acesso à internet Imagem: BBC

Emilio San Pedro

Da BBC News

10/08/2015 10h02

Cuba é um país desconectado do mundo em vários sentidos. O uso da internet, por exemplo, ainda não é totalmente permitido, e muitas pessoas não têm acesso à rede em casa ou no trabalho. Mas o país encontrou uma forma surpreendente de burlar as restrições impostas pelo governo: internet via "entregas manuais".

À primeira vista, pode parecer estranho, especialmente nas partes do mundo onde a conexão discada já foi substituída pela banda larga. Mas, após 56 anos de regime comunista e embargos dos Estados Unidos, soluções para as frustrações do dia a dia se multiplicaram em todas as áreas. Uma delas é "El Paquete Semanal" ou "O Pacote Semanal".

O "Paquete" é uma alternativa de acesso à internet no país onde, segundo estimativas, menos de 5% das casas têm conexão à rede.

O sistema consiste de um disco rígido portátil com um terabyte de música, filmes de Hollywood, séries de TV, aplicativos de telefone, revistas e até uma seção de classificados similar ao Gumtree ou a Craigslist.

Toda semana, curadores não identificados compilam o conteúdo e usam uma complexa rede de distribuidores para fazer as entregas. Como os antigos entregadores de jornal, os HDs com o "Paquete" são deixados nas portas dos assinantes. Tudo é feito às margens da legalidade e da legislação internacional sobre direitos autorais.

A jornalista cubana Ana Lauren, 24, é assinante do 'Paquete' - BBC - BBC
A jornalista cubana Ana Lauren, 24, é assinante do 'Paquete'
Imagem: BBC

Jovens

O "Paquete" vem atendendo os desejos especialmente de jovens que por anos acumularam computadores, laptops, tablets e smartphones aguardando o dia em que o regime cubano ampliaria o acesso à internet. Nesse meio tempo, o "Paquete" vem preenchendo o vazio para usuários regulares como Ana Lauren, uma jornalista de 24 anos, de Havana.

"O 'Paquete Semanal' é a alternativa que temos para conseguir acesso a videos, música, telenovelas, tudo", diz ela.

Ana, que é fã de documentários, afirma esperar com ansiedade pelas segunda-feiras, quando a nova edição do "Paquete" é entregue na porta de sua casa.

"Toda segunda-feira um homem vem aqui com um disco rígido portátil e cópias do 'Paquete' para o meu computador", explica Ana. "Posso copiar o que quiser. Se não quero copiar música nesta semana, não preciso. Só copio o que quero usar na semana."

Ela diz que paga entre US$ 1 e US$ 2 (R$ 3,50 e R$ 7) pelo Paquete toda semana, dependendo de quanto queira copiar para o seu computador.

Nova mídia

O esquema é tão popular em Cuba que pavimentou o caminho para a criação e expansão de um novo tipo de mídia, que só existe para assinantes.

Antoinette Duquesne, jornalista que escreve para uma das principais publicações culturais de Cuba, diz que a revista tem um site na internet que é lido por expatriados cubanos, mas muitos dos leitores dentro do país a acessam por meio da versão PDF publicada no "Paquete".

"Existimos na internet, mas o 'Paquete Semanal' tem uma vasta gama de distribuidores e é vendido pelo país", diz ela. "Sendo assim, trata-se da melhor maneira de nos conectarmos com a nossa audiência".

Mais importante do que isso, entretanto, diz Antoinette, são as oportunidades de trabalho que o 'Paquete' criou para jornalistas como ela.

"O 'Paquete' está abrindo possibilidades para pessoas como eu, já que nos dá a oportunidade de fazer coisas que nem poderíamos imaginar antes. Afinal de contas, se você quiser trabalhar como jornalista aqui, a única opção é a imprensa oficial", explica Antoinette.

Negócio

Além disso, o "Paquete" vem se aproveitando das mudanças no cenário de negócios do país. Através do pacote semanal, a agência de publicidade Etres oferece um serviço pago a empresas cubanas, tais como restaurantes, estúdios de fotografia e salões de beleza que querem sondar novos clientes. São negócios que operam legalmente em Cuba desde que as regras para negócios privados foram flexibilizadas em 2011.

A Etres cria anúncios e os veicula no "Paquete" no fim dos programas oferecidos.

Apesar do sucesso e da lealdade de muitos de seus assinantes, o esquema já está com os dias contados, já que as autoridades cubanas começaram a relaxar os controles sobre o acesso à internet no país.

Nesse cenário, há certamente interesse de grandes empresas de tecnologia norte-americanas como Google para resolver os problemas de conectividade cubana.

Apesar disso, o "Paquete" será para sempre lembrado por apresentar uma solução para um problema crítico em Cuba em meio às poucas alternativas existentes.