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Como Perón ainda define o rumo das eleições argentinas

Pedestres tiram fotos da recém-inaugurada estátua do presidente Juan Perón, em Buenos Aires, na Argentina - Pedro Lazaro Fernández/Reuters
Pedestres tiram fotos da recém-inaugurada estátua do presidente Juan Perón, em Buenos Aires, na Argentina Imagem: Pedro Lazaro Fernández/Reuters

Marcia Carmo

De Buenos Aires para a BBC Brasil

23/10/2015 13h55

Quase setenta anos após criar o movimento político chamado peronismo, o ex-presidente argentino Juan Domingo Perón (1895-1974) ainda define o rumo das eleições no país, segundo analistas, sociólogos, historiadores e políticos ouvidos pela BBC Brasil.

O peronismo pode abarcar tanto quem se identifica como sendo de direita, de centro ou de esquerda, assim como governistas e opositores. Historiadores atribuem a Perón a frase com a qual tentam explicar tantas vertentes de um mesmo movimento político: "Nós, peronistas, somos como gatos. Quando pensam que estamos brigando, estamos nos reproduzindo".

Dos seis candidatos que disputam a eleição presidencial deste domingo, três se definem como peronistas - o governista Daniel Scioli, da Frente para a Vitória (FPV), o opositor ao governo da presidente Cristina Kirchner Sergio Massa, da frente UNA, e o também opositor Adolfo Rodríguez Saá, da Compromisso Federal.

Além disso, um dos principais adversários de Scioli nesta corrida eleitoral, o prefeito de Buenos Aires Mauricio Macri, da chapa Cambiemos (Mudemos), inaugurou uma estátua de bronze do general Perón na cidade poucos dias antes do pleito.

'Unidade nacional'

Em 2005, Macri - que foi presidente do clube de futebol Boca Juniors - criou um partido, o Proposta Republicana (PRO), que defendendia mudanças e dizia estar longe da política clássica do país. Seus adversários, como Sergio Massa, o definem como "candidato antiperonista".

Mas no dia da inauguração da estátua, rodeado de peronistas, Macri disse: "Quero convocar os peronistas para defender a unidade nacional e a justiça social".

Nesta quinta-feira à noite, que marcou o encerramento da campanha antes do primeiro turno eleitoral deste domingo, Scioli, que é governador da província de Buenos Aires, disse no palanque: "Como peronista, peço que votem no nosso plano de governo".

Massa e Rodríguez Saá também costumam citar Perón, que foi presidente da Argentina três vezes, e sua mulher, a ex-primeira-dama Evita Perón (1919-1952). Além de Perón, Evita costuma ser lembrada por setores políticos e movimentos sociais do país e seu rosto aparece em cartazes e faixas nas manifestações sociais.

Preocupação social

Especialistas afirmam que os dois, Perón e Evita, são símbolo da inclusão e preocupação social no país. Políticos não peronistas da oposição discordam.

O historiador e escritor Pacho O'Donnell disse que Perón era "muito astuto" e, vendo que "os setores conservadores tinham deixado os trabalhadores de lado", tomou uma série de medidas como a criação da aposentadoria, das férias remuneradas e do décimo-terceiro salário (que é chamado de "aguinaldo" na Argentina).

"E a preocupação social passou a ser associada ao peronismo, que já teve uma etapa socialista, uma neoliberal e, de certa forma, populista porque se adapta às mudanças dos nossos tempos", disse.

Segundo O'Donnell, apesar de ter criado medidas como as implementadas por Getúlio Vargas no Brasil, Perón era um "teórico" e político que participou da cena política argentina mesmo quando estava no exílio.

Para o sociólogo Andrés Kozel, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol), Perón é "a figura política mais importante do século 20 argentino e uma das mais importantes da América Latina".

De acordo com Kozel, uma diferença de Perón para Vargas e outros líderes regionais "é que o movimento peronista ou justicialista (como também é chamado) sobreviveu mesmo depois do desaparecimento físico de seu líder".

'Vocação para o poder'

Senadora opositora ao governo de Cristina e ao peronismo, a jornalista Norma Morandini afirmou que os peronistas criaram o imaginário de que somente eles podem governar.

"Mas o que eu digo é que eles são antidemocráticos, porque não aceitam o debate, não aceitam quem pensa diferente e, quando não estão no governo, fazem de tudo para dificultar a governabilidade", afirma.

Ela recordou que os ex-presidentes Raul Alfonsín (1983-1989) e Fernando de la Rúa (1999-2001), que eram da opositora União Cívica Radical (UCR), não concluíram seus mandatos.

"No caso de Alfonsín, por exemplo, era uma greve atrás da outra. Por isso, digo que a vocação dos peronistas é o poder, e não a democracia. E me impressiona muito que hoje, em 2015, mantenhamos olhos para um fenômeno dos anos 1940."

Para Morandini, o kirchnerismo, que teve início com o mandato com Nestor Kirchnner (1950-2010) em 2003, "apelou ao emocional como tipicamente faz o peronismo". Os discursos da presidente Christina Kirchner, viúva do ex-presidente, e seu estilo de governo peronista, diz ele, teriam contribuído para reforçar o peronismo.

"É um apelo ao emocional que acho que só funciona aqui por ser o país do tango", disse.

Mas dizer que é peronista pode realmente conquistar votos para um candidato? "É difícil medir. Só sei que repetimos frases que os peronistas criaram, como a de que eles são os únicos que podem governar o país."

Já o analista Ricardo Rouvier, da Rouvier e Associados, afirma que, para os argentinos, peronismo é sinônimo de governabilidade. E quando o peronismo está na oposição, "todos os peronistas se unem".

Nas últimas três eleições presidenciais, o peronismo, com mais de um candidato, contou com cerca de 60% dos votos, e o mesmo poderia ocorrer neste pleito, segundo estimativas do cientista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Mayoría.

"O peronismo tem ocupado tanto o espaço de governo como de parte da oposição no país", disse Fraga.