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Polarização de corrida presidencial argentina 'lembra eleição brasileira'

10.ago.2015 - Daniel Scioli (à esquerda) e Mauricio Macri disputarão as próximas eleições presidenciais argentinas, em outubro de 2015 - BBC/AP
10.ago.2015 - Daniel Scioli (à esquerda) e Mauricio Macri disputarão as próximas eleições presidenciais argentinas, em outubro de 2015 Imagem: BBC/AP

Marcia Carmo

De Buenos Aires para a BBC Brasil

07/11/2015 15h32

A caminho do inédito segundo turno presidencial na Argentina, a disputa entre o governista Daniel Scioli, da Frente para a Vitória (FPV), e o opositor Mauricio Macri, da coalizão Cambiemos (Mudemos), está cada vez mais acirrada, e observadores comparam o cenário à eleição brasileira de 2014.

A diferença entre ambos no primeiro turno foi inferior a três pontos percentuais, o que explica, em parte, a "tensão" entre governistas e opositores, disseram analistas e políticos ouvidos pela BBC Brasil. O segundo turno será realizado no dia 22.

Nos bastidores do governo e do comando da campanha de Scioli, esperava-se uma vantagem de ao menos oito pontos percentuais sobre Macri, com a expectativa de vencer já no primeiro turno. Mas o resultado foi diferente, e no pleito de 25 de outubro o oposicionista levou a disputa para o segundo turno.

No dia seguinte, a campanha se acirrou, e um assessor de Scioli compara o momento atual à "final de uma Copa do Mundo".

Governistas dizem que uma vitória dos opositores "levaria a Argentina para a era das privatizações dos anos 1990" ou para a "ingovernabilidade", como na histórica crise vivida pelo país em 2001, quando o então presidente Fernando de la Rúa renunciou ao cargo em meio a protestos.

Em discurso na sexta, a presidente Cristina Kirchner reforçou essa estratégia. Ela declarou esperar que os argentinos não vivam de novo um episódio "como o daquele presidente que deixou a Presidência de helicóptero antes do fim do mandato", afirmação interpretada pela imprensa local como uma comparação entre De la Rúa e Macri.

O candidato oposicionista se defende, dizendo que "eles" é que governavam nos anos 1990 e que só entrou para "política depois da crise de 2001", afirmaram assessores.

Já Scioli afirma que Macri é o candidato do mercado financeiro e sugere que ele poderia descontinuar políticas públicas aplicadas nos 12 anos de kirchnerismo (2003-2015), como a estatização da empresa aérea Aerolíneas Argentinas e da petrolífera YPF, além dos planos sociais.

Discursos antigos de Macri, nos quais defendia a privatização da YPF, por exemplo, são lembrados por apoiadores de Scioli. Num ato político na quinta-feira, Macri disse que manterá os planos de inclusão, caso seja eleito.

Segundo o consultor político e professor de ciências políticas da Universidade Torcuato di Tella Sergio Berensztein, o aumento da tensão política faz parte de uma disputa de segundo turno presidencial, jamais realizado na Argentina.

"Estamos vivendo aqui o mesmo clima que o Brasil viveu no segundo turno (entre a presidente Dilma Rousseff e o oposicionista Aécio Neves, em 2014). Mas esse ambiente era esperado", disse Berensztein à BBC Brasil.

'Rivais, porém amigos'

Scioli e Macri são amigos de longa data, gostam de esporte, surgiram do setor privado e entraram para a política na idade adulta, disse Berensztein.

Segundo ele, é difícil dizer que um seja de esquerda ou centro, no caso de Scioli, e outro de centro ou direita, para Macri.

"O conceito tradicional de ideologia não combina com eles", disse ele, que avaliou Macri como "pragmático" e que "obedecerá as leis", e que Scioli "seguirá o caminho do kirchnerismo" por representá-lo.

A tensão é perceptível. Na semana passada, durante quatro discursos seguidos de Cristina na Casa Rosada, a sede da Presidência, seus apoiadores gritavam "Pátria ou Macri", em referência ao slogan "Pátria ou morte".

Nos últimos dias, em alguns pontos de Buenos Aires, como em dependências públicas, surgiram pequenos cartazes com a mesma frase. Numa estação de metrô, a foto de campanha do candidato foi pintada com o bigode similar ao de Hitler.

Um assessor da campanha de Scioli e que trabalha com o candidato há mais de dez anos disse à BBC Brasil que a campanha trabalha "como se fosse a final de uma Copa do Mundo", mas que o candidato quer retomar a campanha para "encontro e não confronto".

"Não é uma campanha fácil. Sabemos que a disputa é minuto a minuto, mas daqui até o dia 22 há uma eternidade, e os que não votaram no governo ainda podem mudar de voto", disse o assessor, em condição de anonimato.

Do lado de Macri, a deputada Patrícia Bullrich disse que a "tensão política" é inédita em tempos democráticos na Argentina, mas que seria "típica" da era kirchnerista.

"A estratégia deles é a do confronto, entre os bons e maus, entre o que chamam de defensores do povo e contra o povo", disse Bullrich, por telefone.

Na opinião do analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Mayoría, o inesperado resultado do primeiro turno e a disputa acirrada "favorecem Macri, mas não se pode subestimar a capacidade do governo" de vencer.

'Equilibrista'

Assessores e analistas dizem que Scioli deve tomar uma posição de "equilibrista" nesta reta final para manter os votos do kirchnerismo e tentar conquistar aqueles que votaram contra o governo.

"As urnas disseram que pelo menos 60% dos argentinos votaram contra o governo. Eu estou entre eles", disse o ex-senador Rodolfo Terragno, num programa de televisão.

A disputa também está forte nas redes sociais. Uma universitária disse no Facebook que teme que Macri vença porque a educação pública "sairia perdendo" e "conquistas sociais do kirchnerismo desapareceriam". Outra eleitora escreveu: "Scioli é perigoso, mentiroso e traidor".

Eleitores afirmaram, no Twitter, que Scioli "agora reconhece a inflação que negava".

Na Argentina, os dados oficiais da inflação são questionados por opositores e especialistas. "Que bom que agora reconhecem que existe inflação", disse o economista Rogelio Frigerio, da equipe de Macri.