Tim Vickery: Pela felicidade no Carnaval até a próxima conta de luz!
Acho que já desfilei umas quatro vezes no Carnaval do Rio. Foi sempre no Grupo de Acesso, ou seja, a segunda divisão – sou ciente das minhas limitações.
Um ano representei um rei africano – grande desafio para os meus poderes de interpretação. Não tenho planos para desfilar neste ano – mas deixo claro que se tiver um convite no último minuto, estamos aí.
Sempre adorei a experiência. Lembro que o prazer aumentou com o senso de responsabilidade – a percepção de estar representando um coletivo, embora eu nunca tenha tido ligação com nenhuma das escolas. Mesmo assim, a busca para, junto com tantos colegas novos, fornecer um espetáculo para a plateia foi uma emoção forte. Foi, sem dúvida, um momento de felicidade.
Mas um momento não é uma vida. Se fosse assim, tristeza teria fim, e felicidade não. Impressionante como Carnaval pode ser visto por duas perspectivas diferentes.
A primeira visão é a antiga, a mesma que existe em outras sociedades nas Américas onde havia a escravidão. Nisso, o Carnaval é a anti-realidade, o oposto do cotidiano, o mundo virado de cabeça para baixo. Os descendentes dos escravos se vestem como os grã-finos e viram os protagonistas.
Mexer com o mundo assim pode soltar forças poderosas. Senti isso com mais força na zona norte do Rio, num bairro operário, território onde, normalmente, o homem sente muita pressão para ser macho. No Carnaval, porém, as regras normais não se aplicam. Uma vez fui "atacado" num ônibus por um homem vestido como mulher, e juro que seu comportamento seria um prato cheio para qualquer analista vienense.
Neste modelo, a felicidade do Carnaval trata-se de uma resposta efêmera da retirada temporária das restrições normais. Cerveja, samba e amanhã, seu Zé, acabará seu Carnaval, otário!
A segunda visão é uma construção mais política, justamente na época do rei dos espertos, Getúlio Vargas. Pois antes de ser uma atração turística, o Carnaval servia como um instrumento importante de propaganda doméstica.
Na década de 30, quando o desfile de Carnaval ainda estava na sua infância, "Seu Gegê", com toda a sua astúcia, o "comprou". Pagava as escolas de samba (e a palavra "escola" mostra o quanto essas estavam procurando ser respeitáveis) e, em troca, ganhou controle em cima de conteúdo. Os enredos tinham que ser sobre o Brasil – uma obrigação somente revista pouco tempo atrás – e nada de crítica ácida, por favor, ou a torneira vai fechar.
Aí a felicidade do Carnaval virou uma reflexão de um estado de espírito de "brasilidade" – que povo feliz, governado com sabedoria por seu presidente! Era uma mensagem perfeita para o fascismo tropical, relativamente benigno e não militarístico, do Brasil do Estado Novo.
E funcionava muito bem – uma das áreas em que Vargas teve mais sucesso foi na criação de uma identidade por uma terra gigante, diversa e cheio de imigrantes recém-chegados.
Mesmo assim, ainda se trata de um mito. E uma construção por fins políticos, e não uma tentativa de explicar a realidade. A tendência, especialmente neste ano, é que a felicidade do Carnaval vá minguando rapidinho depois da chegada na próxima conta de luz.
Mas, por enquanto, há a possibilidade de um momento transcendental de felicidade. E para aqueles que acham que eu estou pensando demais, pois Carnaval se sente, só tenho uma palavra a dizer – ziriguidum!
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick
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