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Ministro da Justiça de FHC vê "exagero" em ação da PF contra Lula

Ex-ministro da Justiça do governo FHC José Gregori - Eduardo Knapp - 22.fev.2001/Folhapress
Ex-ministro da Justiça do governo FHC José Gregori Imagem: Eduardo Knapp - 22.fev.2001/Folhapress

Mariana Schreiber

Em Brasília

04/03/2016 12h01

Dois juristas, ex-integrantes do governo Fernando Henrique Cardoso, criticaram, em entrevista à "BBC Brasil", a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor à Polícia Federal na manhã desta sexta-feira (4). Ambos também consideram errados os recentes vazamentos de documentos sigilosos da operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção na Petrobras.

A medida contra Lula foi determinada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pela condução da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná. O ex-presidente é investigado por supostamente ter sido favorecido por empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras, por meio de doações e contratações em palestras e com reformas de imóveis. Lula nega e diz que não é dono das propriedades investigadas.

No total, foram expedidos 33 mandados de busca e apreensão e 11 de condução coercitiva no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. São alvos desses mandatos parentes do ex-presidente e pessoas próximas a ele, como Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.

José Gregori, que foi ministro da Justiça (2000-2001) e secretário de Direitos Humanos (1997-2000) de FHC, considerou a condução coercitiva um "exagero". Segundo ele, o correto é aplicar essa medida apenas se a pessoa tiver previamente se recusado a atender uma convocação para depor, o que não ocorreu no caso de Lula.

"Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva sem que tenha havido antes a convocação. A praxe tem sido sempre essa: você convida a pessoa a comparecer e, se ela não comparecer, então na segunda vez vem a advertência de que ela poderá ser conduzida coercitivamente", afirmou.

"Você (fazer) logo a condução coercitiva é um exagero. E na realidade o que parece é que esse juiz (Sergio Moro) queria era prender o Lula. Não teve a ousadia de fazê-lo e saiu pela tangente."

Já Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Antidrogas de FHC, viu "ilegalidade" na decisão de Moro. "Acho que buscas e apreensões são atividades normais em investigação. Agora, o que eu eu estranho, como jurista, é a condução coercitiva do Lula. É algo surpreendente e preocupante", notou.

"Essa vergonha está acontecendo no país é uma coisa que precisa ser apurada, mas me preocupa quando tem um desvio de legalidade", reforçou. Ele diferencia o caso desta sexta-feira da convocação do Ministério Público de São Paulo, da qual Lula recorreu para não comparecer semanas atrás, quando não havia decisão judicial. Segundo Maierovitch, o MP não tem autoridade prevista em lei para fazer esse tipo de convocação, de modo que Lula podia não atender ao pedido para falar.

"Precipitação"

Para Maierovitch, houve uma certa precipitação na decisão, já que no momento a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, analisa um pedido de Lula para esclarecer se a investigação deveria ser conduzida na Justiça Federal, em Curitiba, ou no Ministério Público de São Paulo, que também vem apurando o caso.

Em nota, do Instituto Lula citou essa questão e disse que a "Lava Jato desrespeita o Supremo e compromete sua credibilidade" com a ação desta sexta. "Ao precipitar-se em ações invasivas e coercitivas nesta manhã, antes de uma decisão sobre estes pedidos (ao STF), a chamada força-tarefa cometeu grave afronta à mais alta Corte do país, afronta que se estende a todas as instituições republicanas", disse a nota.

O comunicado afirmou ainda que a ação foi uma "violência" com intuito de "submeter o ex-presidente a um constrangimento público". "Nada justifica um mandato de condução coercitiva contra um ex-presidente que colabora com a Justiça, espontaneamente ou sempre que convidado. Nos últimos meses, Lula prestou informações e depoimentos em quatro inquéritos, inclusive no âmbito da operação Lava Jato", disse também o Instituto.

Vazamentos

Os dois juristas ouvido pela BBC Brasil também criticaram os vazamentos de documentos sigilosos da Lava Jato, como trechos de depoimentos de delatores. Nesta quinta-feira, por exemplo, a revista IstoÉ publicou o que seriam as primeiras revelações de um acordo de delação premiada firmado entre o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e a Procuradoria-Geral da República (PGR). A existência do acordo não foi oficialmente confirmada pelas duas partes, nem homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

A reportagem atribui ao senador acusações à presidente Dilma Rousseff e a Lula, dizendo que ambos sabiam do esquema de corrupção da Petrobras e teriam atuado para interferir na Lava Jato.

"Tendo em vista a importância que está tendo na conjuntura nacional, essas investigações precisam dar uma prova diária de equilíbrio, de isenção. Então, não pode haver nenhum tipo de tolerância com o que não seja rigorosamente ortodoxo, rigorosamente equilibrado, rigorosamente dentro da lei", disse Gregori, ao criticar os vazamentos.

Maierovitch não vê motivação partidária na condução da operação pela Polícia Federal e o Ministério Público, mas considera que os vazamentos acabam sendo usados nesse sentido. "O vazamento de informações é gravíssimo, porque até prejudica a investigação. E também pode ter um vazamento para a imprensa, para criar tumulto partidário. Aí sai do campo técnico e entra no campo do espetáculo", opinou.

"Há um clima no país de fla-flu, o que é muito ruim, porque na democracia não é a torcida que ganha o jogo, são as regras legais. O que se viu ontem (quinta-feira), uma oposição que se reúne para fazer barulho, que diz vai jogar (a suposta delação) do Delcídio para o impeachment, tem toda uma especulação, precipitações, toda uma pobreza de argumentos", acrescentou.

Importância da Lava Jato

Apesar das críticas, os dois juristas consideram que a Lava Jato tem sido uma ação importante no combate à corrupção. Para Maierovitch, agora "não existe dono do poder" e "está se vendo que todos são iguais perante a lei, o que é um princípio republicano".

Na visão de Gregori, "os fatos têm mostrando que houve realmente casos que escaparam completamente ao padrão legal e têm que ser investigados". Ele reforça, porém, a necessidade de submeter "as pessoas envolvidas ao devido processo legal". "A minha preocupação é que não se escape nem um milímetro do quadro legal, esteja se tratando de A, de B, ou de C", disse.

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