Requião expõe racha no PMDB: 'Governo Temer seria desastre igual ao de Dilma'
O senador paranaense Roberto Requião está no PMDB há mais de 30 anos, desde a época do MDB, e foi pela sigla deputado, governador do Paraná e prefeito de Curitiba. Hoje, diante da saída do partido da base aliada, diz não reconhecer o PMDB em que entrou, considera a reunião de terça-feira "uma piada" e reprova Temer no poder: "sem proposta, seria um desastre igual ao que está sendo o da Dilma".
Para Requião, o partido não pode sair do governo, porque nunca entrou efetivamente. "Ele (o PMDB) nunca se sentiu representado."
Duro crítico do plano batizado de Uma Ponte para o Futuro , prévia do que seria um governo Temer na área econômica, o senador afirma que as medidas causariam a "maior crise social da história do Brasil".
O plano de reformas liberais inclui relaxamento de leis trabalhistas, privatizações, concessões e custos salariais menores. "É uma espécie de protocolo dos sábios do mercado", diz.
Isolado no partido, não pensa em se desfiliar. "Não tenho outras opções melhores. Você não propõe que eu vá para o PT, né?"
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - O senhor esteve na reunião da terça-feira (que decidiu pela saída do PMDB do governo)?
Roberto Requião - Não, o Paraná não compareceu à reunião.
BBC Brasil - Como avalia a saída do partido?
Roberto Requião - Em primeiro lugar, a saída de um partido do governo é uma coisa normal no sistema democrático. Mas, tudo isso tem que ter um pressuposto: por que vamos sair? O que queremos ao sair? O que propomos para o país? Não vi nada nisso. Vi na mesa o (Eduardo) Cunha, o (Eliseu) Padilha e o (Romero) Jucá comandando uma reunião em que não sei quem votou, porque não havia identificação de eleitores, foi por aclamação. Logo não se pode nem saber se era o PMDB que estava lá.
E não há nenhuma proposta alternativa, pelo contrário. O Jucá é o porta-voz de um documento que se chamaUma Ponte para o Futuro , que é uma espécie de protocolo dos sábios do mercado. É mais radical do que toda a operação fiscal do (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, que beneficia o capital especulativo e prejudica duramente o trabalho. É pior do que o que se propôs para Grécia, Itália, Portugal e Espanha. Mas esse documento não é do partido.
BBC Brasil - Ele não pode ser considerado uma proposta?
Roberto Requião - Claro que não. Não tem proposta. Esse documento foi levado a uma reunião nacional da Fundação Pedroso Horta (órgão de formulação política do PMDB) e foi rejeitado. Nem puseram em votação porque havia uma rejeição absoluta da base partidária.
Não entendo o que significa sair do governo. Por quê? Para quê? Propondo o quê? Digo isso com conforto, porque me manifesto contra a política econômica do governo desde o primeiro dia.
BBC Brasil - Na sua visão, o Ponte para o Futuro seria pior do que a política econômica do governo?
Roberto Requião - Seria um verdadeiro horror e é uma contradição com a história do PMDB. O documento base do PMDB éEsperança e Mudança . É um documento de retomada do desenvolvimento, de ativamento das garantias sociais. É o Estado social, do meio ambiente, do respeito às leis trabalhistas, que protege o trabalho interno.
Esse ( Ponte para o Futuro ) nem o FMI faria tão ruim. Nos coloca numa situação de primarização da economia.
BBC Brasil - Quais suas principais críticas em relação ao documento?
Roberto Requião - Ele não é para ser colocado num contexto de disputa eleitoral para o povo brasileiro. É para o mercado, para os banqueiros, porque ele teria uma rejeição absoluta no país. Agora o PMDB sai do governo. E tem mais ainda: será que o PMDB já foi governo? Acho que não foi.
Se o PMDB estivesse no governo, se os ministros da Dilma representassem o partido, a convenção não sairia do governo, os ministros teriam o controle da sigla, estariam representando suas bases. Mas o partido nunca se sentiu representado. Como sete ministros não têm influência alguma? Porque não eram ministros do partido. O meu PMDB nunca foi governo. Isso foi um produto de um acordo congressual.
- Leia também: Três impactos do rompimento entre PMDB e governo na crise política
BBC Brasil - Então, para o senhor, o PMDB não está representado no documento e nem na reunião?
Roberto Requião - O PMDB que conheço não estava representado nisso e muito menos nesse documento. O PMDB poderia sair do governo, claro que poderia. Monta convenções no Brasil inteiro, formula uma proposta e diz: olha, o governo da Dilma está indo por um caminho neoliberal que não satisfaz os caminhos traçados ao longo da nossa história. Mas esse pessoal estava fazendo exatamente o contrário.
BBC Brasil - Mas o senhor é a favor da saída do governo dadas as atuais circunstâncias?
Roberto Requião - Não. Sou favorável à mudança da política econômica do Brasil. Não posso falar em sair do governo porque nunca entrei.
BBC Brasil - Como vê a posição de Michel Temer hoje?
Roberto Requião - Ele não foi à reunião (de terça-feira). A carta dele (à presidente Dilma Rousseff, que veio a público em dezembro) mostra que ele se sentia isolado, que não era parte de nada, não era parte das discussões econômicas. Isso é fato.
BBC Brasil - Para o senhor, a saída do PMDB aumenta as chances de um impeachment?
Roberto Requião - Não acho que uma coisa tem a ver com a outra. O impeachment legal é o julgamento de um crime de responsabilidade. E não houve esse crime. Não é uma questão de acreditar ou não: não houve.
E eu sou contra a política econômica da Dilma, talvez eu seja o maior opositor dentro do Congresso. Esse crime de responsabilidade atinge o comportamento de 16 governadores do Brasil. Tem algum impeachment contra eles, que fizeram a mesma coisa?
BBC Brasil - Como vê a campanha pró-impeachment?
Roberto Requião - É uma jogada de quem perdeu eleição, e do capital financeiro, que quer comandar o Brasil. Dentro do Congresso propõem o fim das estatais, transformá-las em sociedades anônimas; propõem colocar limite no endividamento - se os Estados Unidos tivessem limite para o endividamento teriam fechado na última crise.
É um pacote que marcha paralelamente à derrubada do governo da Dilma: a entrega do petróleo; a liquidação da Petrobras; corte de investimentos do Minha Casa Minha Vida... (sendo que) a maior indústria brasileira é a construção civil. Está caminhando a entrega do país. E, do meu ponto de vista, há um autismo social da Dilma. Ela não está enxergando nada, está repetindo políticas liberais: primeiro o Joaquim Levy, depois trocado pelo Barbosa.
- Leia também: PMDB rompe com o governo e busca papel de protagonista na política nacional
BBC Brasil - Como avalia a política econômica?
Roberto Requião - (Dilma) está perdidíssima. O Levy era uma sinalização para o mercado, que levou a um arrocho fiscal e fez o governo perder completamente seu apoio sindical. Foi minando suas bases. E quem votava a favor de todos os erros da Dilma no Congresso? O PMDB e o PSDB. A favor do Levy, a favor das bobagens do Barbosa.
BBC Brasil - É uma posição contraditória?
Roberto Requião - Claro! Acho que, em defesa da democracia, a Dilma tinha que terminar seu mandato.
BBC Brasil - O senhor falou em ameaça à democracia. Acha que os caminhos que estamos percorrendo na política arriscam o sistema democrático?
Roberto Requião - (Os caminhos) são imprevisíveis. Há uma campanha amplíssima de desmoralização, em parte merecida, da política e dos políticos. Isso pode abrir espaço para vir um super-herói, dependendo das circunstâncias, da direita ou da esquerda.
BBC Brasil - Quem seria esse super-herói?
Roberto Requião - Pode vir um Bolsonaro, um general salvador. Por isso prefiro que as coisas sejam resolvidas dentro do processo democrático. Sérgio Moro, por exemplo. Achava um sujeito extraordinário no começo do seu trabalho, mas extrapolou os limites do direito.
Sem o trabalho dele e dos procuradores, nós não saberíamos de nada. Só que são juízes e não percebem a utilização de seus exageros para a dominação do capital financeiro sobre o país. Eles estão sendo instrumentalizados e (ficam) satisfeitíssimos pela própria vaidade. Agora, o trabalho deles é muito bonito.
BBC Brasil - Mas é questionável?
Roberto Requião - Porque está atropelando espaços do garantismo jurídico. Acho que o Moro é quem menos acredita na Justiça no Brasil. Porque ele provoca esses vazamentos para pressionar o Supremo Tribunal Federal. Mas Moro tem que ver o que aconteceu primeiro com Weimar (república estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial), que, num esforço moralizante, só punia os progressistas e a esquerda. E deu margem para o surgimento do Hitler. O que aconteceu na Itália quando surge o Berlusconi. Quer dizer, estão embalados pela sua visão paladina e estão abrindo espaço para a direita brasileira.
Não quero que parem. Mas não podem passar do limite legal.
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BBC Brasil - Quais seriam esses limites? A condução coercitiva do Lula?
Roberto Requião - Não. A condução coercitiva foi um espetáculo para a mídia, não foi um ato de justiça. O vazamento dos grampos é uma tentativa de comoção nacional. O limite é da razoabilidade, que a lei estabelece. Como é que você joga na mídia uma conversa pessoal de um presidente com um ex-presidente, que é seu amigo? Quando não tem nada a ver com o processo. Fui um entusiasmado incentivador no começo. Mas estão provocando um conflito social que não podem segurar. E outra coisa: o país não está debatendo nada. Tudo está vindo embalado na movimentação moralizante.
BBC Brasil - E o diálogo dentro do PMDB?
Roberto Requião - O PMDB não discute. Sou da bancada do Senado e ela não se reúne. Há uma ausência de projeto.
BBC Brasil - Isso vem se intensificando nos últimos anos?
Roberto Requião - O PDMB tem documentos magníficos. (A falta de diálogo) Foi parte da captura do PMDB pelos empregos, pela fisiologia, com a parte corrompida do PT. É o que eu digo: se esse pessoal que está no ministério é PMDB, por que não tinha um apoio no diretório nacional? Chegaram pelos acordos com o PT. Há uma vontade de poder, com um projeto capenga. A "Ponte para o Futuro" causaria a maior crise social da história do Brasil.
BBC Brasil - Como seria um governo do PMDB?
Roberto Requião - Acho que, sem uma proposta, seria um desastre igual ao está sendo o da Dilma. O Temer deveria estar pensando no Brasil e ele está capturado por aquele pessoal da extrema direita. Ideologicamente, ele está capturado, está bancando esse projeto louco. Ele é vice-presidente da República e está pensando no poder. Ele acredita que aquele seja um projeto nacional, mas não é, é um desastre nacional.
Estamos no caminho de uma crise. Com Temer, sem Temer, com Dilma, sem Dilma e não há um projeto nacional. A reunião do PMDB foi uma piada. Saímos do governo e não tiveram coragem para colocar em discussão a Ponte para o Futuro , porque acho que, mesmo lá naquela farsa, não passava. Aquilo foi uma piada. E terminou com Padilha, Jucá e Cunha de mãos dadas para cima, para o alto e para a glória. Não é o PMDB em que eu entrei, muito tempo atrás.
BBC Brasil - O senhor pensa em desfiliar-se?
Roberto Requião - Eu não! Acho que a briga é dentro do partido. Sou uma frente de resistência, desde que nasci. Não tenho outras opções melhores. Você não propõe que eu vá para o PT, né?
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