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Como políticos usam obras de arte para transmitir mensagens a seus eleitores

29/06/2016 18h24

Não adianta apenas ouvir o que políticos dizem. Para realmente entender o que eles pensam, repare nos quadros pendurados atrás deles. O uso de retratos silenciosos olhando por sobre os ombros de líderes como o premiê britânico, David Cameron, ou o presidente russo, Vladimir Putin, é muito mais carregado de significado e intenção do que se pode imaginar.

A boa notícia é que essas mensagens são fáceis de decodificar.

Considere, por exemplo, uma visita do presidente da França, François Hollande, no Museu do Louvre, em Paris, no início do ano. Posando em frente a dois quadros do mestre holandês Rembrandt adquiridos pelo museu depois de 130 anos nas mãos de colecionadores particulares, Hollande foi transformado num promotor da cultura pública, por conta da percepção de resgatara arte vista anteriormente apenas por ricos.

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Tampouco foi difícil entender por que a chanceler alemã, Angela Merkel, quis ser fotografada em janeiro em frente a um pequeno quadro mostrando duas meninas em vestidos florais coloridos. A peça, pintada em 1943 por Nelly Toll - judia à época com oito anos, vinda de um gueto judeu no Polônia -, fez parte da maior exibição de arte ligada ao Holocausto já realizada fora de Israel.

No momento em que o antissemitismo voltou a crescer na Europa, a imagem de Merkel em frente à representação do que uma criança considerava um mundo pacífico foi mais eloquente do que qualquer discurso. Ainda mais depois de a líder trazer para frente das câmeras a própria Toll, hoje com 80 anos e a única artista viva que fez parte da exibição.

Ainda que líderes indubitavelmente estejam a par das mensagens que o que está a sua volta possa transmitir, a coisa está em outro nível nos EUA: os responsáveis pela imagem do presidente capricham. A recente visita de Barack Obama a Cuba foi a primeira de um líder americano em 88 anos e um grande passo na reaproximação entre os dois países.

Mas foi a pintura de um artista cubano que roubou a cena.

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Entre os momentos mais diplomaticamente delicados da passagem de Obama por Cuba esteve uma reunião com um grupo de dissidentes políticos, muitos deles receosos de que melhores relações entre Havana e Washington sirvam de endosso para o regime de Raúl Castro.

Os participantes sentaram-se diante de uma pintura do artista contemporâneo Michel Mirabal, Meu novo amigo, que colocou lado a lado as bandeiras cubana e americana, ambas feitas com impressões da palma de mão de dezenas de pessoas anônimas. Uma escolha inteligente para ressaltar as intenções de Obama de conciliar a pressão por abertura democrática em Cuba com a intenção de levantar o embargo comercial americano ao país caribenho, em vigor desde os anos 60.

Não foi a primeira vez que Obama mostrou desenvoltura nesse quesito. Um mês antes, o presidente anunciara mais uma vez seu plano de fechar a notória prisão de Guantánamo, símbolo do tratamento controverso que as autoridades americanas dispensam para suspeitos de atividades extremistas. Esforços iniciais enfrentaram a resistência dos que argumentam que o fechamento seria visto por radicais islâmicos como um enfraquecimento de Washington.

Obama, então, decidiu realizar uma entrevista coletiva sobre o tema em um salão da Casa Branca contendo uma pintura de um de seus antecessores, Theodore Roosevelt, montado de forma imponente em um cavalo. Roosevelt, em 1898, comandou uma força de cavalaria que derrotou tropas espanholas na região de Cuba onde fica a prisão de Guantánamo. O presidente pegou carona na imagem "durona" de Roosevelt.

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Claro que o expediente já tinha sido usado por outros ocupantes da Casa Branca: em 2003, quando os americanos pressionavam a ONU em busca de aval para a segunda invasão do Iraque, oficiais americanos colocaram uma cortina azul sobre uma tapeçaria pendurada na entrada do Conselho de Segurança da entidade, justamente o local onde representantes do presidente George W. Bush seriam filmados.

E qual era a tapeçaria? Nada menos que uma réplica de Guernica, a icônica pintura antifascista de Pablo Picasso que representa os horrores de um bombardeio a uma cidade histórica espanhola em 1937, durante a Guerra Civil do país.

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Para os americanos, o caos retratado por Guernica não combinava muito com o lobby junto à ONU por justamente um bombardeio em terras iraquianas.

O relacionamento intenso entre a política presidencial e as artes visuais nos EUA vai ganhar um novo ângulo depois das eleições de novembro. Se Hillary Clinton for a vencedora, será que ela vai "resgatar" no Instituto Smithsonian o retrato oficial de seu marido e antecessor, Bill? Sua primeira medida deverá ser uma "faxina visual" na Casa Branca?

A resposta não é simples: no ano passado, o autor da pintura, Nelson Shanks, confessou ter feito a "travessura" de colocar na tela uma referência ao affair do ex-presidente com uma de suas estagiárias, Monica Lewinsky.

E se Donald Trump vencer? Uma de suas promessas de campanha é construir um muro de mais de 1000 km de extensão na fronteira entre os EUA e o México. Um sonho para grafiteiros de ambos os lados...

  • Leia versão original dessa reportagem (em inglês) no site BBC Culture .