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'Demorei a aceitar deficiência', diz paratleta da bocha ao ganhar prata com o irmão na Rio 2016

13/09/2016 17h06

Eliseu (à esq., com a medalha na boca) e Marcelo ao lado do reserva Dirceu Pinto: i

Eliseu (à esq., com a medalha na boca) e Marcelo ao lado do reserva Dirceu Pinto: irmãos ganharam a prata juntos

Foi somente aos 30 anos que o medalhista paralímpico Marcelo dos Santos, de 44 anos, aceitou usar uma cadeira de rodas. "Teimoso", como ele mesmo se descreve, Marcelo relutou em aceitar a deficiência apesar das cada vez mais frequentes quedas por conta de uma distrofia muscular, doença degenerativa que leva à gradual perda dos movimentos.

Embora já tivesse começado a sofrer os efeitos da doença a partir do início da adolescência, o paranaense de Telêmaco Borba lutou contra a fraqueza nas pernas por anos até que aderiu à cadeira de rodas quando o irmão Eliseu dos Santos, cinco anos mais novo, não conseguiu mais andar e passou a usá-la.

"A doença dele foi avançando um pouco mais, e ele parou de andar. Eu fui mais teimoso, mas logo vi que também precisaria da cadeira", conta.

Conhecida como Distrofia Muscular de Becker, a doença neuromuscular da qual os dois irmãos sofrem é rara e leva à degeneração gradual do músculo esquelético, liso e cardíaco, causando perda de massa muscular e fraqueza.

Quatro anos depois, Eliseu, hoje com 39 anos, já estava bem encaminhado no esporte paralímpico e competia em seu primeiro campeonato mundial pela seleção brasileira de bocha, ficando em sétimo lugar no Rio de Janeiro. No ano seguinte, Marcelo seguiu os passos do irmão e também começou a treinar.

"Eu via que ele saía de casa cedinho e ia para o treino, e eu ficava dormindo até mais tarde. Um tempo depois pensei que, se ele conseguia, eu também poderia conseguir. Me espelhei nele e hoje estamos aqui, os dois com a medalha de prata no peito, vencendo juntos", diz Marcelo.

'Não ganhava dele'

Nesta segunda-feira, os irmãos ganharam, juntos, a medalha de prata nos Jogos Paralímpicos do Rio, na categoria duplas BC4.

Bem humorado, Marcelo diz que, antes disso, a dupla experimentou os tradicionais episódios de rivalidade entre irmãos.

"Ele treinava mais do que eu, e me dei conta que era por isso que eu não conseguia ganhar dele", diz.

A caminhada até a primeira Paralimpíada não foi fácil. Além de vencer a revolta contra a deficiência que o impediu de andar, Marcelo demorou a se animar com o esporte paralímpico e teve até que vencer um vício.

Marcelo e Eliseu na Paralimpíada do Rio

"Ele treinava mais do que eu, e me dei conta que era por isso que eu não conseguia ganhar dele", diz Marcelo (à esq.)

"O esporte me fez inclusive largar o tabagismo, e olha que eu fumei por 20 anos. O esporte pode mudar a vida da gente. Gosto de falar isso porque posso motivar oturas pessoas, que podem se espelhar em mim assim como eu me espelhei no meu irmão", conta.

'Ficava revoltado'

Mesmo sendo inspiração para o irmão mais velho, Eliseu dos Santos também relutou em aceitar a doença. "Até os dez anos eu não tinha nada, mas a partir daí começou a perda gradual dos movimentos. Eu ficava revoltado. Ainda criança, na escola, comecei a cair muito, perdendo a força nas pernas, e descontava nas pessoas erradas, como se alguém fosse culpado por isso", conta.

Aos 15 anos, ele percebeu que era a hora de mudar. "Foi a virada para mim. Decidi terminar os estudos e concluí o ensino médio. A faculdade não deu para fazer por conta da dificuldade de locomoção", diz.

Nos anos seguintes, foi se adaptando à nova realidade e percebeu que a desprezada cadeira de rodas na verdade poderia abrir portas, assim como o esporte paralímpico, primeiro com o tênis de mesa, depois com a bocha. "Aos poucos me dei conta de que a cadeira me levaria mais longe."

Aos 29 anos, disputou seu primeiro campeonato mundial. Nos anos seguintes, nas Paralímpiadas de Pequim (2008) e Londres (2012), conquistou o ouro de duplas e o bronze individual na categoria BC4. Também foi campeão individual e de duplas nos Jogos Para-Panamericanos de Toronto.

Ao lado de Marcelo, Eliseu diz que a conquista no Rio é a mais especial. "Uma medalha de prata junto com o seu irmão é uma coisa muito especial, é realmente uma emoção diferente. Tem sido assim, um impulsionando o outro".

Com o filho Nícolas, de quatro anos, no colo, Eliseu diz que os dois continuarão treinando de olho na Paralimpíada de Tóquio, em 2020. Ele só conheceu Nícolas 13 dias após o nascimento, em 2008. "Estava longe, mas trouxe para ele a medalha de ouro. Valeu a pena", relembra.

"A gente espera agora que nossa medalha sirva de incentivo para os deficientes físicos que estão em casa, que relutam em aceitar a deficiência. É importante continuar, seguir em frente, ir para a rua", diz.

Para Marcelo, a Paralimpíada do Rio terminou na segunda-feira com a medalha de prata, mas Eliseu ainda tem três partidas na categoria individual, nesta terça-feira e na quarta-feira, também na categoria BC4.