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4 pontos para entender o que acontece na Colômbia após rejeição do acordo de paz

Luis Acosta/AFP
Imagem: Luis Acosta/AFP

03/10/2016 15h31

A rejeição do acordo de paz no plebiscito realizado no domingo gerou incertezas sobre o futuro dos diálogos entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo colombiano.

Há um temor generalizado de ocorra um retrocesso nas negociações, iniciadas há quatro anos pelo atual presidente do país, Juan Manuel Santos.

No domingo, colombianos foram às urnas decidir se aprovavam o acordo de paz com a guerrilha. Por uma diferença de apenas 54 mil votos, o "não" se impôs ao "sim" (50,2% a 49,8%).

Nas primeiras horas após o resultado, o governo e os líderes das Farc afirmaram que manteriam o diálogo e buscariam uma solução conjunta.

Ainda assim, sobram dúvidas sobre o destino do acordo - se será mantido, renegociado ou cancelado.

A BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, listou em quatro pontos o que acontece agora na Colômbia:

1. O cessar-fogo continua

Ao reconhecer a vitória do "sim", o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou que estabeleceria de imediato um diálogo com as forças políticas que rechaçaram o acordo.

"O cessar-fogo, bilateral e definitivo, continua em vigor e continuará em vigor", reafirmou Santos em sua primeira mensagem aos colombianos após o plebiscito.

"Não vou me dar por vencido; continuarei buscando a paz até o último minuto de meu mandato porque esse é o caminho para deixar um país melhor para nossos filhos", acrescentou.

Já o líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, assegurou que a guerrilha se manterá aberta ao diálogo.

"As Farc mantêm sua vontade pela paz e reiteram sua disposição de usar somente a palavra como arma de construção rumo ao futuro", disse Timochenko.

A declaração foi feita em Havana, capital de Cuba, sede das negociações da guerrilha com o governo colombiano.

"Ao povo colombiano que sonha com a paz, conte conosco. A paz triunfará!", acrescentou.

2. Negociações com o 'não'

O ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, comemorou com centenas de seguidores a vitória do "não" no plebiscito. Ele afirmou que ninguém deseja a volta da violência, mas cobrou que as demandas daqueles que são contra o acordo sejam ouvidas.

"Digo aos jovens colombianos: a paz é ilusória, os termos do acordo de Havana, decepcionantes", disse Uribe, líder da campanha do "não".

Entre os principais pontos de discórdia está a anistia aos guerrilheiros que cometeram crimes de guerra, assim como a possibilidade de que eles possam prestar concursos públicos.

Agora a negociação de quatro anos do governo colombiano com as Farc, que terminou com a assinatura do acordo de paz no 26 de setembro, terá de ser invariavelmente estendida.

"Amanhã mesmo (hoje) convocarei todas as forças, e em particular as que se manifestaram hoje pelo 'não', para ouvir o que elas têm a dizer, para abrir espaços de diálogo e determinar o caminho a seguir", afirmou Santos no domingo.

O presidente colombiano reconheceu que seu governo está enfrentando uma "nova realidade política". Ele disse que a busca de acordo com os rivais "é agora mais importante do que nunca".

Em resposta a Santos, Uribe disse que ele e sua força política vão "formar um grande pacto nacional", incluindo quem votou pelo "sim" e quem se absteve neste domingo.

3. O plebiscito era político

Desde que a realização do plebiscito foi aprovada pela Suprema Corte colombiana, em julho, os magistrados deixaram claro que a aprovação do acordo de paz dependeria unicamente da sanção presidencial.

Ou seja, submetê-lo ao crivo popular foi uma jogada muito mais política do que jurídica - e que acabou se provando um erro.

No domingo, Santos disse que buscará negociar uma solução com as forças políticas opositoras e descartou usar seus poderes como presidente para aprovar o acordo após a rejeição das urnas.

O presidente afirmou que orientou Humberto de la Calle, chefe negociador do governo colombiano nos diálogos com as Farc, e Sergio Jaramillo, alto-comissário para a paz, a viajarem nesta segunda-feira a Cuba para reiniciar as negociações com a guerrilha.

Mas, em declaração no Palácio de Nariño, sede do governo colombiano, De la Calle colocou seu cargo à disposição e disse que "seguirá lutando pela paz até o último dia de minha vida, mas não mais à frente dessa equipe".

4. Incerteza

Santos enfrenta um dos momentos mais difíceis da história recente da Colômbia.

Para Andrei Gómez-Suárez, professor da Universidade dos Andes e membro da ONG Rodeemos el Diálogo, a vitória do "não" pode gerar uma fragmentação das Farc.

Na avaliação do especialista, embora os líderes da guerrilha tentem proteger o acordo, células locais poderiam receber a rejeição do povo colombiano como um sinal para retomar a violência.

"Isso (rejeição do acordo de paz) vai criar um grave problema de segurança, porque não há uma estrutura hierárquica que mantenha a guerrilha organizada", disse Gómez à BBC.

Já Jorge Restrepo, diretor do Centro de Estudos para Análise de Conflitos (Cerac),think tank sediado em Bogotá, pensa diferente. Ele considera que o "não" "dá poder às Farc, pois a guerrilha escolhe com quem negociar".

A rejeição ao acordo também tem um impacto negativo na economia a curto prazo, estimam os analistas, com uma queda do peso colombiano e dos investimentos estrangeiros em meio às incertezas.

Mas Santos acredita que sua aposta no diálogo em um país dividido será chave, como disse no domingo.

"Vamos decidir juntos qual o caminho que devemos tomar para que a paz, essa paz que todos queremos, seja possível, e saia mais fortalecida desta situação."