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Como as eleições municipais desidrataram os partidos de esquerda

31/10/2016 07h18

O primeiro ciclo eleitoral realizado após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) marcou um forte baque para a centro-esquerda no país, enquanto o PSDB se consolidou como o principal vencedor.

Considerando o grupo do chamado G-93 (capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores), o PT tinha 14 prefeituras, mas agora administrará apenas uma - Rio Branco, no Acre.

O partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu as sete cidades em que disputou segundo turno neste domingo - foi derrotado, por exemplo, no Recife e ficará pela primeira vez sem prefeitura no ABCD paulista, berço histórico da sigla.

A sigla perdeu as prefeituras de São Paulo e Goiânia, e de cidades importantes em São Paulo como Guarulhos, São Bernardo do Campo e São José dos Campos.

No total nacional, o PT foi de 638 prefeitos eleitos em 2012 para 254 neste ano - de 11,2 milhões de eleitores sob sua gestão nas cidades, passará a apenas 1,6 milhão.

"Sensação" da eleição municipal anterior, em 2012, o PSB tinha 11 prefeituras no grupo das maiores cidades, mas saiu das urnas neste domingo com somente seis. Conseguiu manter Recife, Campinas e Palmas, mas perdeu Belo Horizonte, Cuiabá e Porto Velho.

Considerando todos os municípios, o PSB administrará 415 cidades, ante 440 em 2012. Também terá menos eleitores sob uma administração da sigla: 4,7 milhões, contra 6,1 milhões há quatro anos.

O PDT elevou o número total de prefeitos (307 para 335), mas perdeu terreno no chamado G-93: de 12 para quatro prefeituras. Das cinco capitais que administrava, manteve três (Fortaleza, Natal e São Luís).

O PC do B, aliado mais fiel do PT nas gestões Lula e Dilma, teve desempenho semelhante: avançou no total nacional (54 para 81 cidades), porém recuou nos maiores centros (três para uma cidade no G-93). A sigla perdeu cidades importantes como Contagem (MG) e Olinda (PE).

Do sucesso à rejeição

Para especialistas consultados pela BBC Brasil, o revés dos partidos de centro-esquerda se sustenta no tripé crise econômica, corrupção e percepção de "radicalismo".

O cientista político Claudio Couto, professor da FGV, diz que o alto nível de conhecimento do eleitorado em relação ao PT, resultado dos anos no poder em Brasília, acaba impulsionando a rejeição à sigla.

"O PT é o partido com a marca partidária mais forte no país, é o mais reconhecido. Portanto, também é fácil associar o partido diretamente aos seus erros. PMDB e PP, por exemplo, têm no geral mais problemas de corrupção que o PT, mas o eleitor não associa os políticos do PMDB e do PP às legendas como fazem com o PT", diz.

"Essa marca partidária, que antes era um atalho para o sucesso do partido em eleições, hoje é um atalho para sua rejeição", conclui.

A eleição de 2016 também ocorreu em meio a uma das piores recessões da história do Brasil - a queda acumulada da atividade econômica soma quase 8% desde 2014, período em que o desemprego praticamente dobrou - 11,8% no terceiro trimestre de 2016.

Ivan Filipe Lopes Fernandes, professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC, associa os resultados econômicos dos últimos governos petistas à debandada de votos.

"Fala-se muito na tal agenda conservadora, mas ela já está aqui há muito tempo, o Brasil nunca foi nenhuma Holanda (país conhecido por valores liberais). Entendo a derrota da esquerda pelos equívocos econômicos cometidos pelo governo petista", diz ele, que defende um "processo de auto avaliação" pelo campo da esquerda.

"O próprio discurso do golpe põe a culpa em um agente externo e impede a esquerda de rever os erros cometidos", afirma.

PSDB e PMDB

O segundo turno reforçou o cenário descrito pela primeira rodada da eleição, com o PSDB emergindo como a principal força nas urnas.

Políticos tucanos administravam 18 cidades do G-93, o grupo das capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores, e passarão em 2017 apo comando de 28.

O PSDB venceu 14 dos 18 segundos turnos que disputou. Será ainda a sigla a administrar o maior número de eleitores nas cidades (13 milhões) e a maior quantidade de capitais: 7.

O PMDB, partido do presidente Michel Temer, manteve a liderança no total de prefeituras (1.021 em 2012 e 1.038 em 2016), mas administrará menos eleitores (9,5 milhões para 8,1 milhões).

A sigla melhorou seu desempenho no grupo do G-93: 10 para 14 cidades, e gerenciará quatro capitais (tinha duas): Boa Vista, Goiânia, Florianópolis e Cuiabá. Das 15 cidades em que a legenda estava nas urnas no segundo turno, venceu em nove.

Para o sociólogo Antônio Lavareda, os bons resultados de políticos tucanos são resultado direto do desgaste petista.

"O PSDB é um dos maiores partidos do país em termos de estrutura em governos estaduais e municipais, e sempre fez nacionalmente o contraditório do PT", diz. "Então seus quadros nestas cidades acabaram sendo beneficiados pelo desgaste de seus adversários."

"Veja o caso de Santo André (SP), 80% (78,2%) para o PSDB contra 20% (21,7%) do PT. Se houvesse segundo turno em São Paulo, a proporção entre (João) Doria (PSDB) e (Fernando) Haddad (PT) seria similar", prossegue Lavareda.

Para Couto, da FGV, denúncias contra políticos tucanos tiveram menor impacto sobre o eleitorado. "Justa ou injustamente, porque há quem alegue seletividade, foi o PT quem apareceu em um maior número de denúncias, justamente por estar sob os holofotes da Presidência da República."

"O PSDB, como oposição, acabou se beneficiando nesse processo, porque denúncias (contra integrantes do partido) acabaram ficando em segundo plano", afirma.

Pulverização e partidos menores

O pleito de 2016 reforça a tendência de pulverização do sistema político verificada nas eleições de 2014.

Siglas de menor expressão assumirão grandes cidades, como Belo Horizonte (PHS, com Alexandre Kalil), Curitiba (PMN, com Rafael Greca) e Rio de Janeiro (PRB, com Marcelo Crivella).

Ao todo, 13 partidos venceram disputas em capitais, ante dez que hoje comandam essas prefeituras.

Há ainda novas legendas no grupo do G-93: PMB (Caucaia, CE), PTN (Osasco, SP), Solidariedade (Olinda, PE), PSC (Cascavel, PR), PHS (BH e Betim, MG) e PTB (Canoas, RS e Anápolis, GO).

A derrota do esquerdista PSOL nas três cidades em que disputava o segundo turno - Belém (PA), Rio de Janeiro e Sorocaba (SP) - também era "previsível", segundo Cláudio Couto, da FGV.

"No mundo inteiro, a maioria tende a votar em candidatos mais moderados, tanto à esquerda quanto à direita", afirma.

"Embora apareça como alternativa de esquerda ao PT, o PSOL soa, quando muito, como o PT dos anos 1980, aquele PT menos disposto ao diálogo, anterior à mudança para a moderação que permitiu a eleição de Lula."

Para Fernandes, da UFABC, a "proximidade eleitoral" com o PT acabou afetando os candidatos do PSOL.

"Em horas de divisão entre governo e oposição, o PSOL sempre concorda com o PT sob o argumento do voto crítico, do voto útil ou da ameaça da agenda conservadora", afirma. "Então ele também acaba sendo punido pelos problemas econômicos que o eleitor associa às gestões petistas."

A Rede, da ex-senadora e ex-candidata presidencial Marina Silva, elegeu apenas sete prefeitos pelo país.

O resultado, na opinião de Fernandes, é fruto de sua "incapacidade de articulação".

"A Rede é o partido que nunca foi. Está sendo punida pela sua própria incapacidade de estruturar candidatos e discurso Brasil afora."

Abstenções e inválidos

Os altos índices de votos brancos, nulos e abstenções Brasil afora são um ingrediente importante da eleição deste ano, apontam analistas.

Ao todo, 25,8 milhões de eleitores compareceram às urnas neste domingo, entre 32,9 milhoes aptos a votar. Não votaram, portanto, cerca de 7 milhões de pessoas - índice de abstenção de 21,5%.

No Rio de Janeiro, a abstenção chegou a 26,8% (1,3 milhão de pessoas) e houve 569,4 mil votos nulos.

Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, o desinteresse registrado nas sessões eleitorais revela uma aparente contradição.

"Muitos dos que não votaram fizeram isso porque se desiludiram com a política e esperam uma renovação de valores. Mas este processo é contraditório: a mudança depende diretamente delas", diz.

"Se em vez de ajudar a escolher novas lideranças cobrando, fiscalizando e protestando, as pessoas optam pela alienação ou afastamento da política, e acabam dificultando ou retardando a renovação que elas mesmas pedem."

As abstenções e votos inválidos também geram, segundo o professor, mais um calo no sapato dos prefeitos eleitos.

"Estes prefeitos já têm que lidar com a oposição tradicional, aqueles que defendem seus rivais políticos. Agora eles têm que lidar também com uma 'segunda oposição': o grupo dos indiferentes, que se afastou do processo político."