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O presidente dos EUA é realmente a pessoa mais poderosa do mundo?

A Casa Branca, em Washington: residência oficial do presidente dos Estados Unidos - Mandel Ngan/AFP
A Casa Branca, em Washington: residência oficial do presidente dos Estados Unidos Imagem: Mandel Ngan/AFP

Gerardo Lissardy

Da BBC, em Nova York (EUA)

08/11/2016 11h17

As eleições para presidente dos Estados Unidos, que ocorrem nesta terça-feira (8), decidirão quem vai governar a maior potência global nos próximos quatro anos: Hillary Clinton ou Donald Trump.

Para muitos, os norte-americanos estão prestes a escolher a pessoa mais poderosa do mundo.

O raciocínio é simples: o vencedor será chefe de Estado e de governo da maior economia do mundo, com uma influência global sem paralelos e com as Forças Armadas mais poderosas do planeta.

Para Daniel Drezner, professor de política internacional da Universidade Tufts e residente da Brookings Institution, um centro de análises em Washington, esse fato é incontestável.

"O presidente dos Estados Unidos tem o comando de um dos maiores arsenais nucleares do mundo e pode decidir fazer uso dessas armas sem necessitar da aprovação de outro poder do Estado," argumenta.

De fato, justamente a extensão do poder do presidente -- e os temores que ele desperta -- acabou sendo abordado na própria campanha eleitoral.

Risco nuclear?

Por diversas vezes, Hillary alertou sobre a possibilidade de os códigos de lançamentos nucleares ficarem sob o controle de Trump, a quem acusa de falta de temperamento e experiência para ser o comandante-em-chefe das Forças Armadas dos Estados Unidos.

Já o magnata do setor imobiliário disse que a proliferação nuclear é o maior problema que o mundo enfrenta. Ele não descartou o uso desse tipo de armamento como última alternativa, ainda que tenha declarado que não faria uso desse recurso facilmente.

Arturo Valenzuela, que já administrou questões interamericanas no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca durante o governo de Bill Clinton e chefiou a diplomacia dos Estados Unidos para o hemisfério ocidental quando Hillary foi secretária de Estado, afirmou que o que preocupa é a capacidade de Trump de atuar em uma situação dramática, por exemplo, durante um eventual enfrentamento com a Coreia do Norte.

No entanto, Valenzuela pondera que, em questões como política externa para países da América Latina, o presidente dos Estados Unidos tem poder limitado.

Limites

"A liberdade do presidente para atuar de forma independente são muito relativas", explica o especialista, que é hoje um dos porta-vozes da campanha de Hillary.

"O presidente precisa do apoio do Congresso e de outras entidades. O presidente dos Estados Unidos não pode, via decreto, mudar toda a política para uma região e o mesmo vale para questões de política nacional," explica Valenzuela.

A Constituição e a lei dos Estados Unidos limitam o poder presidencial e decorrem de uma preocupação fundamental dos líderes que fundaram o país: evitar a tirania.

Assuntos importantes, como a assinatura de novos acordos comerciais ou uma declaração de guerra por parte de Washington, requerem autorização do Congresso em Washington.

O presidente dos Estados Unidos tem alguma margem de manobra para alterar pactos e políticas comerciais ou mobilizar e enviar tropas sem esperar pelo aval do Legislativo -- no entanto, para este último, necessitará de autorização do Congresso imediatamente após ter dado a ordem.

O presidente Barack Obama, por exemplo, levou ao Congresso um pedido de autorização para a guerra contra o Estado Islâmico, mas não obteve sucesso e a sua campanha militar atualmente se apoia em um aval votado logo após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Diversos especialistas consideram que o poder do presidente tenha aumentado nos últimos tempos, especialmente após os ataques da Al-Qaeda a Nova York e Washington.

Concorrência

No entanto, alguns consideram que há outros líderes com mais poder em suas mãos do que o presidente dos Estados Unidos.

Putin e Obama - Alexei Druzhinin/Sputnik, Kremlin via AP - Alexei Druzhinin/Sputnik, Kremlin via AP
Revista avalia Putin como mais poderoso que Obama
Imagem: Alexei Druzhinin/Sputnik, Kremlin via AP

Nos últimos três anos, a revista "Forbes" colocou o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no topo do seu ranking anual das pessoas mais poderosas do mundo. De acordo com a revista, Putin tem a capacidade de "fazer o que quiser e escapar sem maiores prejuízos".

O segundo lugar da lista também não foi Barack Obama, mas sim a chanceler alemã, Angela Merkel, por considerá-la "a coluna vertebral da União Europeia e seus 28 membros".

O presidente dos Estados Unidos ficou apenas com o terceiro lugar porque, segundo a revista, a sua influência diminui ao entrar no último ano de mandato.

O quarto lugar foi dado ao papa Francisco, por ser o líder espiritual de "um sexto da população mundial".

Também há outras pessoas que poderiam concorrer ao topo do pódio. O presidente da China, Xi Jinping, por exemplo, que tem concentrado poder em suas mãos.

Janet Yellen, que define a política do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, é outra candidata. Quando Yellen assumiu o cargo, a revista "The Atlantic" afirmou que ela seria "a mulher mais poderosa da história em todo o mundo".

Janet Yellen - Charles Dharapak - Charles Dharapak
Janet Yellen, presidente do Banco Central dos EUA, está na lista dos mais poderosos
Imagem: Charles Dharapak

É ela, e não Obama ou seu sucessor, que exerce papel-chave na decisão das mudanças das taxas de juros, que afetam os custos de empréstimos bancários ou o valor do dólar.

O próprio Trump surpreendeu durante a campanha ao dizer que Putin era um líder mais forte que Obama.

Trump é risco?

Agora muitos se perguntam como uma Presidência de Trump -- que fala em erguer um muro na fronteira com o México ou revisar os pactos comerciais e de cooperação internacional -- poderia afetar os Estados Unidos e o mundo.

"Se Donald Trump fosse eleito, eu ficaria muito preocupado. Porque, por um lado, o presidente dos Estados Unidos está muito restrito por limitações institucionais, mas, por outro, ele tem muito poder discricionário," afirma Peter Gourevitch, professor de relações internacionais da Universidade da Califórnia, em San Diego.

"Em questões de segurança, o presidente pode provocar muitos problemas. Durante a crise dos mísseis de Cuba, o presidente John F. Kennedy teve bastante liberdade para intervir. Assim como Lyndon Johnson durante a guerra do Vietnã," afirma o professor.

O próprio Obama, que não tem maioria no Congresso, tem usado amplamente sua autoridade executiva e seu poder discricionário para deixar seu legado na política doméstica e exterior.

Ainda que não tenha conseguido que o Congresso aprovasse o fim do embargo a Cuba, ele foi bem-sucedido ao normalizar as relações diplomáticas com o país dos irmãos Castro.

"Os presidentes dos Estados Unidos são poderosos, mas nem tanto," afirma Randall Kennedy, que é professor de direito da Universidade de Harvard.

"Eles não são capazes de mudar a cultura política dos Estados Unidos," pondera.