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Tim Vickery: Como vim ao Brasil para fugir da tirania do inverno, me nego a reclamar do calor

Alessandro Buzas/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Alessandro Buzas/Futura Press/Estadão Conteúdo

Tim Vickery

Colunista da BBC Brasil*

30/01/2017 08h25

Mês passado, uma das minhas enteadas viajou para a Europa e ficou duas semanas entre Londres, Paris e Amsterdã.

Na volta, me deu total razão. "Você estava certo", disse. "O frio está insuportável. Nunca mais vou reclamar do calor."

Claro que menos de 48 horas depois a promessa já tinha sido abandonada. E ela já estava xingando o sol e se recusando a sair da frente do ventilador.

E quando, com relutância, saiu, passou a participar ativamente daquelas conversas bem cariocas, seja no elevador ou no ponto de ônibus, sobre como o calor infernal está castigando a cidade.

Eu, no entanto, nunca me envolvo em papos desse tipo, simplesmente porque não concordo.

Cruzei o Atlântico justamente para fugir da tirania do inverno - para adaptar as letras de uma música do grande Gil Scott-Heron, o norte da Europa tem um pouco de inverno na primavera, um pouco de inverno no verão, um pouco de inverno no outono e muito inverno no inverno todo.

É verdade. O verão por lá pode ser lindo, com aquela transição deliciosamente suave entre dia e noite. Mesmo assim, quem mora lá nunca pode escapar da tirania do inverno; quando o sol aparece, bate um desespero para aproveitar do dia, uma incapacidade de relaxar, pois nunca se sabe quando ele vem de novo.

Muito melhor as certezas do verão no Brasil, mesmo com eventuais exageros de temperatura.

Infelizmente, não dá para fugir para sempre. Demorou, mas finalmente o inverno me pegou mais uma vez com suas garras geladas.

A minha mãe machucou as costas e está precisando de ajuda. Já falei para ela que na próxima vez vai ter de sofrer acidentes somente em julho, ou seja, no verão britânico.

Mas respirei fundo e voltei para Inglaterra em plena era do gelo - a primeira vez que estou enfrentando a estação maldita desde 1993/94, e tenho que confessar que não estou reagindo bem.

Como é deprimente aquele frio que entra nos seus ossos, a muralha de pressão que o ar gelado constrói contra o rosto, a escuridão chegando logo depois que o sol pífio apareceu!

Ainda bem que a minha mãe ja está bem melhor. Porque minhas poucas habilidades como enfermeiro estão sendo comprometidas pelo fato de eu estar sempre debaixo do edredom, resmungando.

Felizmente, enquanto realmente foi necessário, o meu irmão cumpriu o papel muito melhor. Chegou do Camboja, cuidou dela maravilhosamente bem, nem reclamou - mas voltou para a Ásia com bronquite.

Clima faz uma grande diferença. A título de exemplo, vamos falar novamente de música.

As formas mais populares da música brasileira - samba, forró, frevo, etc. - são tocadas para animar comemorações coletivas, como acontece com boa parte da música africana, produto de um clima quente, onde se pode viver ao ar livre.

A música britânica tem outra característica. Com frequência, pega emprestado aspectos da tradição negra americana com ponto de partida. Mas é mais leve em outros sentidos, e até mais experimental, porque vai seguindo uma visão individual - ou de uma dupla, como Lennon e McCartney, trocando ideias em um quarto pequeno numa gelada e cinzenta tarde de terça-feira.

Ou seja, apesar de tudo, o frio tem o seu valor.

*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.