Topo

Sem áudio original e gravador usado por Joesley, qualquer análise "é precipitada", dizem peritos britânicos

WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

22/05/2017 15h37

Dois peritos britânicos ouvidos pela BBC Brasil afirmam ser "precipitada" qualquer análise conclusiva sobre a gravação da conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer sem o áudio original e o aparelho usado para registrá-lo.

Eles dizem que a melhor forma de comprovar que uma gravação não sofreu edições é analisar o áudio original, "preferencialmente dentro do aparelho usado para gravá-lo".

Caso isso não seja possível, acrescentam eles, "seria necessário conhecer o tipo de gravador e como o dispositivo foi usado".

"Isso permitiria a realização de testes para determinar se as características presentes na gravação são compatíveis com as do gravador", afirma um dos peritos, que acumula mais de 20 anos de experiência atuando para o governo britânico, mas pediu para não ser identificado.

Adrian Phillips, perito em fonética forense da Clarity Forensic Services, empresa registrada na Agência de Crime Nacional do Reino Unido (NCA, na sigla em inglês), concorda.

"Idealmente, você precisa da gravação original. Caso ela não seja fornecida dentro do gravador usado para registrá-la, qualquer conclusão (sobre se houve edição ou não) fica muito suspeita", diz.

Ele explica que, "ao ter em mãos a gravação original dentro do aparelho em que ela foi feita", seria possível analisar como "o dispositivo funciona".

"Quando você pausa uma gravação, é possível ouvir um clique ou um estalo. Mas este mesmo som pode ser resultado de um defeito do aparelho. Analisar o dispositivo em que a gravação foi feita torna o trabalho do perito muito mais fácil", exemplifica.

Phillips lembra ainda que, ao contrário de gravações feitas com equipamentos analógicos, como fitas cassetes, por exemplo, as gravações digitais são "notoriamente mais difíceis de serem autenticadas".

'Descontinuidades'

Segundo o perito britânico ouvido pela BBC Brasil sob condição de anonimato, há uma série de "descontinuidades" no áudio.

Ele ressalva, contudo, não ser possível determinar se houve manipulação, pois essas "descontinuidades" podem ter decorrido a partir de uma "funcionalidade do gravador original, por exemplo, ativação de voz".

Joesley afirma que o gravador estava no bolso do seu paletó quando gravou a conversa com Temer.

"É possível que alguém que tenha examinado a gravação e identificado essas descontinuidades possa ter declarado que ela foi manipulada. Nesse caso, essa análise, na minha visão, pode ser enganosa, pois pode haver outras explicações inocentes", acrescenta o especialista.

"Para resumir, qualquer autenticação da cópia de uma gravação é limitada. Detalhes do gravador original e a forma como ele foi empregado podem ajudar, mas resultados mais conclusivos viriam da análise do gravador original e da gravação original", conclui.

Polêmica

A gravação do empresário Joesley Batista com o presidente Michel Temer está cercada de polêmica após o jornal Folha de S. Paulo ter publicado uma reportagem apontando que há mais de 50 edições na gravação.

O perito Ricardo Caires dos Santos, contratado pelo jornal para analisar o material, "atesta pontos de edições no áudio ora transcrito", segundo seu laudo, ao qual a BBC Brasil teve acesso.

"Por fim, este áudio não serve como prova pericial nem mesmo de prova documental devido que o objeto "áudio" está eivado de vícios", acrescenta ele.

Procurado pela BBC Brasil, Santos confirmou que o áudio periciado, do qual diz não saber que se tratava de uma cópia, tinha "mais de 50 edições".

No entanto, ele afirma desconhecer se essas "edições" foram fruto de "manipulação".

"Pode ser defeito do aparelho. Cheguei a comentar: 'Onde está o aparelho que captou?' Para ter essa certeza, é necessário ter o aparelho que captou", argumenta.

Santos diz ter analisado "apenas o áudio que foi me trazido".

"Considero os cortes como edições pelo conteúdo do texto. Mas não posso dizer que isso tenha sido feito por dolo ou culpa, com intenção ou sem intenção", diz.

"Nunca afirmei que houve intenção de manipular. As interrupções nos levam a crer, pelo contexto do texto, que houve uma edição", acrescenta.

À espera do gravador

Nesta segunda-feira, a Polícia Federal informou que ainda não recebeu o gravador usado pelo empresário Joesley Batista para gravar a conversa com o presidente Michel Temer, apenas o áudio.

A realização da perícia da gravação foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, atendendo a pedido da defesa de Temer.

Segundo a PF, uma análise técnica preliminar do Instituto Nacional de Criminalística indicou ser "fundamental ter acesso ao equipamento que realizou as gravações originais".

Segundo a polícia, não há prazo estipulado para conclusão dos trabalhos periciais, "especialmente diante da necessidade apontada de perícia também no equipamento".

O advogado de Joesley informou que o gravador está fora do país, e deve chegar ao Brasil na terça-feira, quando será levado diretamente à PF.

Suspensão

Na última sexta-feira, a defesa de Temer solicitou ao STF a suspensão de inquérito instaurado para investigar o presidente por suspeita de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça até que a perícia do áudio da conversa gravada pelo empresário fosse realizada.

A investigação havia sido aberta com base no acordo de delação premiada de Joesley.

A presidente da corte, Cármen Lúcia, afirmou que o pedido dos advogados só será julgado pelo plenário quando todos os laudos periciais forem entregues a Fachin, ministro responsável pelo caso.

Temer enfrenta a maior crise de seu governo desde a divulgação da gravação. Nela, segundo o delator, o presidente dá aval à compra do silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso da operação Lava Jato em Curitiba.

Em pronunciamentos, entrevistas e notas oficiais, Temer nega ter cometido qualquer crime.