Topo

EUA apontam 'possíveis problemas sistemáticos' na inspeção de carne pelo governo brasileiro

Ricardo Senra - Da BBC Brasil em Washington

23/06/2017 17h27

Carne
Reuters
A suspensão das compras de carne fresca brasileira foi anunciada pela gestão de Donald Trump

O governo dos Estados Unidos afirma que os problemas que geraram o bloqueio de importações de carne fresca vindo do Brasil indicam potenciais falhas sistemáticas nas inspeções sanitárias de carne pelo governo brasileiro.

À BBC Brasil, o Departamento de Agricultura americano (USDA, na sigla em inglês) informou, em nota, que encontrou "defeitos patológicos, tecidos e material ingerido proibidos pela legislação e materiais externos não identificados" em lotes de carne fresca exportados por plantas frigoríficas das empresas JBS, Mafrig e Minerva.

"Esses achados indicam potenciais problemas sistemáticos na verificação sanitária do governo de carcaças e em inspeções pós-morte", aponta o governo dos EUA.

A suspensão das compras de carne fresca brasileira foi anunciada pela gestão de Donald Trump na noite desta quinta-feira.

Esta é a segunda vez, em menos de quatro meses, que autoridades estrangeiras penalizam o Brasil por problemas de higiene na produção de carne.

Procurado, o Ministério da Agricultura brasileiro não comentou as críticas do governo americano sobre eventuais problemas sistemáticos de higiene até a publicação desta reportagem.

Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadores de Carnes (Abiec) afirmou que "lamenta a suspensão das exportações de carne bovina in natura pelos EUA e esclarece que as ações corretivas para adequação dos processos produtivos já estão sendo tomadas".

Bloqueio

Desde a operação Carne Fraca, deflagrada em março pela Polícia Federal, os Estados Unidos estão inspecionando 100% da carne brasileira que chega ao país.

Nestas avaliações, 11 em cada 100 lotes brasileiros foram recusados - a taxa de rejeição da carne vinda de outros países, segundo o Departamento de Agricultura, não passa de 1%.

No total, 860 toneladas de carne brasileira foram proibidas de entrar no mercado americano graças aos resultados desses estudos.

Carne
Getty Images
Embargo é nova má notícia ao mercado de carne brasileiro

O impacto, desta vez, é menor que o gerado pela operação Carne Fraca - principal responsável pela queda de 10,6% nas exportações brasileiras de carne até maio deste ano, em relação ao mesmo período de 2016.

A operação apontou que mais de 30 empresas brasileiras seriam responsáveis por adulterar carne vendida para cidades no Brasil e no exterior - o Brasil lidera o mercado mundial de exportações de carne bovina e de frango, e ocupa o quarto lugar no ranking de exportações de carne suína.

O bloqueio americano atinge apenas 2,7% do total de carne fresca - ou in natura - exportada pelo Brasil.

O problema, entretanto, é que este era um mercado recente, com ampla possibilidade de expansão - após 17 anos de negociações, os Estados Unidos liberaram apenas em julho do ano passado a entrada de carne fresca brasileira no país.

Procurada pela reportagem, a JBS informou que não vai comentar o caso.

Em nota, a Minerva disse que "as vendas das unidades brasileiras da Minerva para os Estados Unidos representaram cerca de 1,5% das exportações consolidadas da companhia no primeiro trimestre de 2017 e serão redirecionadas para as nossas unidades localizadas no Uruguai, até que a suspensão seja revertida, não comprometendo assim, o volume das exportações da companhia".

Já a Mafrig informou, também por meio de nota, que "o mercado americano para importações foi aberto em agosto de 2016 e vem passando por ajustes naturais. A suspensão decretada pelo governo dos Estados Unidos não interfere nos demais mercados onde o Marfrig atua. A companhia continua a exportar seus produtos para aproximadamente 100 países e a abastecer normalmente a demanda doméstica".

Ambas as empresas afirmaram que "não há problemas sanitários" em suas produções.

'Curto prazo'

De acordo com o governo americano, as importações poderão ser retomadas caso as irregularidades sejam solucionadas pelas autoridades brasileiras.

Segundo a ABIEC, o problema deve ser resolvido "a curto prazo".

"A indústria de carne bovina brasileira atua com responsabilidade e segue altos padrões de vigilância sanitária severamente auditados e monitorados, envolvendo inspeções periódicas em toda a sua cadeia produtiva. Esse processo ressalta a qualidade dos padrões adotados no Brasil, que exporta para mais de 160 países", diz a associação.

Segundo autoridades brasileiras, os problemas identificados pelo governo americano seriam resultado de uma reação do gado à vacina contra a febre aftosa, que criaria abcessos invisíveis a olho no na carne.

À BBC Brasil, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, classificou o anúncio do governo americano como "péssima notícia".

"Os EUA nunca tinham aberto para importações in natura brasileiras. Isso aconteceu ano passado depois de anos de negociações e já está sendo revertido", afirmou.

"São duas péssimas notícias juntas, porque recentemente a China, nosso principal mercado, anunciou que abrirá as portas para os EUA. Então além de perder nos EUA, vamos também ter maior competição na China", acrescentou.

carne
Reuters
Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, classificou o anúncio do governo americano como "péssima notícia"

No anúncio do bloqueio, o secretário da Agricultura dos EUA, Sonny Perdue, afirmou que "embora o comércio internacional seja uma parte importante do que fazemos na USDA, e o Brasil há muito seja um de nossos parceiros, a prioridade é proteger os consumidores americanos".

Pelo Facebook, o ministro da agricultura brasileiro, Blairo Maggi, disse que viajará aos Estados Unidos para "prestar todos os esclarecimentos necessários" - procurado, o ministério da Agricultura disse que não há data marcada para a viagem.

"Asseguro que todas as medidas corretivas, para as exigências que eles nos fazem, já estão sendo tomadas e nosso objetivo continua o mesmo: garantir o mercado existente e ampliar nossas exportações de 7% para 10% num período de cinco anos", afirmou Maggi.

O ministro acrescentou que a metodologia de inspeção será mais rigorosa e que "lutará para retomar a venda de carne fresca ao país, por ser um mercado muito importante".