A jornalista que se arrisca há 20 anos para entrevistar líderes de organizações extremistas
A jornalista alemã Souad Mekhennet passou os últimos 20 anos arriscando sua vida para cobrir o extremismo islâmico e entrevistou líderes do alto escalão da Al Qaeda, do Talebã e do autoproclamado Estado Islâmico (EI).
Um dos encontros, com um comandante do EI, ocorreu em 2014, apenas duas semanas antes de a organização divulgar vídeos com a decapitação dos jornalistas americanos James Foley e Steven Sotloff.
Na ocasião, conta que foi sozinha e que não pôde levar "celular, documento de identidade, gravador, nada". A entrevista ocorreu à noite, dentro de um carro que dirigia pela fronteira entre a Turquia e a Síria.
"Quando entrei no carro, tentei ter noção da situação; se ele tinha uma arma (e ele tinha uma), qual era seu humor... Então, comecei por perguntas básicas", contou Mekhennet ao programa Outlook, da BBC.
"Quando vi que ele estava respondendo, comecei a fazer perguntas mais desafiadoras e tivemos um verdadeiro debate, especialmente quando descobri que ele tinha uma formação parecida com a minha: ele cresceu na Europa, falava várias línguas, era altamente qualificado", acrescenta.
Ataque do 9/11
Mekhennet trabalhou ou trabalha para o New York Times, Washington Post, Frankfurter Allgemeine, The Daily Beast e o canal alemão ZDF.
O ponto de virada em sua carreira veio quando ainda era uma jovem jornalista e assistiu, na TV, ao ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, em 9 de setembro de 2001. "Primeiro fiquei em choque, depois com medo de ver que quem tinha feito aquilo era um muçulmano", lembra-se.
"O piloto viveu em Hamburgo na mesma época que eu, e me perguntei o que teria acontecido com os outros homens que viveram lá e tinham participado de um assassinato em massa em nome da minha religião. Como jornalista, senti que era hora de fazer meu trabalho e tentar entender o que aconteceu", comenta.
Mekhennet decidiu, então, se antecipar. Em vez de reportar sobre fatos já ocorridos, buscou entender o que passava em nas mentes dessas pessoas antes que ataques acontecessem. Por isso, sentou com potenciais agressores para conversar cara a cara.
Em seu novo livro, I was told to come alone ("Me disseram para vir sozinha", em tradução livre), ela explica como conseguiu ganhar a confiança dos extremistas; o que aconteceu, em parte, por ter um passado semelhante com o deles.
Mekhennet é muçulmana, filha de pai marroquino e mãe turca, que emigraram para a Alemanha, onde receberam um visto provisório de trabalho. Ela tem a cidadania alemã
Ela passou os primeiros anos da infância no Marrocos, com os avós, mas viveu a maior parte da vida em Hamburgo e Frankfurt, onde lembra ter sofrido de preconceito e até mesmo de ser perseguida por skinheads alemães por conta de sua religião.
"Eles perseguiam a mim e meu irmão dizendo que iam nos queimar. Senti muito medo, pela minha vida, pela vida dos meus pais; eu não queria ficar na Alemanha, eu sentia que a sociedade não nos queria", conta.
Pontos em comum
Da mesma forma, muitos extremistas com quem conversou seguiam os preceitos do Islã e foram criados em países europeus. E, entre seus entrevistados, Mekhennet encontrou pontos em comum.
"Muitos se questionavam como podiam ser muçulmanos e membros integrais das sociedades ocidentais; questionavam sua criação, achavam seus pais eram fracos, que viviam na Europa sem desafiar a autoridade; e sentiam que o Ocidente estava em guerra contra o Islã", descreve.
"Eles acreditavam que nós, como sociedade ocidental, pregamos uma coisa, mas fazemos outra. Ouço muito deles a palavra 'hipocrisia', ouço muito a expressão 'dois pesos e duas medidas', especialmente quando são pessoas do Reino Unido ou dos EUA, que foram ao Iraque dizendo que o regime de Sadam Hussein tinha armas de destruição em massa, enquanto não tinha. Nós não falamos mais disso, mas aquelas pessoas ainda têm isso em seus radares", acrescenta.
Ela confessa que, em certos momentos, fraquejou diante da iniciativa profissional um tanto perigosa. "Eu estaria mentindo se dissesse que não houve momentos em que o perigo me fez refletir se aquilo valia a pena."
"Há momentos em que você se sente completamente sozinha, porque você não pode compartilhar isso com outras pessoas, você tem que ser muito cuidadosa para proteger suas fontes, mesmo que você não concorde com algumas pessoas com quem você se senta", comenta.
Mesmo discordando, e em alguns momentos até travando embates verbais com os comandantes de grupos extremistas, Mekhennet diz ter tentado ser justa com suas palavras. Ela diz que foi assim que lhe deram ouvidos.
"Eu discordo em muitas coisas deles, mas eles veem que eu faço um esforço para dar todos os lados, uma chance justa de mostrar o ponto de vista deles. Eu acredito que temos que entender o que está acontecendo nas mentes e corações das pessoas", explica.
Quase uma radical
Durante a entrevista para o Outlook, o apresentador Matthew Bannister questiona se, por ser muçulmana e ter morado na Europa, Mekhennet acredita que poderia ter também se tornado uma radical.
"Eu não sei", ela diz. "Quando senti o medo, quando era uma criança fugindo dos que diziam que iam nos queimar, eu não sei o que teria acontecido se alguns daqueles recrutadores (de grupos extremistas islâmicos) estivessem por perto naquele momento. Eles são muito inteligentes e miram nesses jovens".
Seu destino, no entanto, foi diferente, ela diz que seus pais e avós tinham mente aberta, e que seus amigos "tiveram grande cuidado em mostrar que nós éramos bem-vindos (na Alemanha)".
Inspirada na adolescência pela exposição, por dois jornalista do Washington Post, do escândalo Watergate - que levou à renúncia do presidente americano Richard Nixon, nos anos 1970 -, Mekhennet se tornou jornalista. E hoje trabalha justamente para este jornal que a inspirou.
Ela diz que uma das principais razões que a levaram a escrever seu novo livro foi a para "mostrar outra realidade a jovens de sociedades muçulmanas que se sentem sob ataque".
"Quero que saibam que o EI e a Al Qaeda oferecem as respostas fáceis. Eles (os jovens muçulmanos) não são as únicas pessoas a enfrentar desafios. É um gesto bem maior se você enfrenta o ódio, em vez de sucumbir a ele."
"Há pessoas que querem construir pontes e outras pessoas que, não importa sua religião, pregam o ódio e querem dividir sociedades. Espero que vejam minha história como uma pessoa que enfrentou desafios, mas conseguiu seguir em frente", completa.
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