Topo

Partidos se unem contra afastamento de Aécio: por que reação foi oposta no caso de Cunha?

Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Aécio Neves (PSDB-MG) juntos em evento de 2015 - Eduardo Knapp/Folhapress
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Aécio Neves (PSDB-MG) juntos em evento de 2015 Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC Brasil em Brasília

28/09/2017 20h24

A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e obrigar seu recolhimento noturno, sob acusação de que teria atuado para obstruir a operação Lava Jato, abriu uma nova frente de batalha entre Judiciário e Legislativo. O Senado ameaça derrubar a decisão - o presidente da Casa, Eunício Oliveira, deixou essa análise para a próxima terça-feira.

O afastamento do tucano gerou uma ampla aliança contra a decisão da corte que uniu, inclusive, os históricos adversários PT e PSDB. Para alguns, se trata de um movimento de autoproteção da classe política. Já os parlamentares desses partidos dizem que agem para proteger a Constituição de um suposto abuso do STF, já que não há previsão legal na Carta Magna para afastar parlamentar de mandato.

Em nota, a defesa de Aécio diz que a decisão do Supremo, "além de ser manifestamente contrária à Constituição Federal, desconsidera o contexto absolutamente obscuro e ilegal no qual as delações envolvendo os executivos da J&F (controladora da JBS) se deram".

"Não há como reputar que os fatos estão provados quando sequer há denúncia recebida contra o senador Aécio que, até agora, não teve o direito e a oportunidade de se defender e de demonstrar que os recursos recebidos (de Joesley Batista) eram um empréstimo pessoal, sem envolver dinheiro público ou qualquer contrapartida, como restará provado", diz ainda o comunicado.

A decisão do Supremo não é inédita. Em maio de 2016, o plenário afastou, por unanimidade, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do seu mandato, sob a acusação de estar utilizando suas prerrogativas parlamentares para atrapalhar a Lava Jato e o andamento de um processo pedindo sua cassação no Conselho de Ética da Câmara.

Na ocasião, a reação política foi majoritariamente a favor do STF.

Em carta conjunta, PSDB, DEM, PPS e PSB disseram que a decisão era "coerente com a ordem jurídica" e sinalizava que o país "caminha para o reencontro com princípios e valores como a transparência, a Justiça e o combate à impunidade". Já deputados do PT apresentaram, ao lado de PSOL, Rede, PC do B, PDT e PPS, um ofício ao então presidente da corte, Ricardo Lewandowski, defendendo o afastamento de Cunha, dias antes da decisão dos ministros.

O que explica a diferença de tratamento e a aparente incoerência dos partidos? Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, mudanças no cenário político e alguns detalhes jurídicos que diferenciam os dois casos podem explicar a virada de comportamento.

'Autoproteção'

Para a cientista política Lara Mesquita, pesquisadora da FGV, os últimos desdobramentos da Java Jato, com aumento do questionamentos sobre a operação, principalmente no caso da delação da JBS, tornou o ambiente hoje mais favorável para que a classe política aja solidariamente, se autoprotegendo. Ela ressalta que há muitos parlamentares sendo investigados, que temem ser o "próximo" na mira do Supremo.

Além disso, ela considera que Cunha estava mais fragilizado que Aécio, mesmo havendo graves acusações contra o tucano, gravado em uma conversa com o dono da JBS, Joesley Batista, pedindo R$ 2 milhões ao executivo e também descrevendo sua atuação para tentar frear a Lava Jato com novas leis no Congresso e intervenções na Polícia Federal.

"Politicamente, o Cunha já tinha cumprido seu papel (de abrir o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff), e ele estava muito desgastado. Tanto que ele não foi só afastado pelo Supremo, como depois foi cassado (pela Câmara)."

Já o "destino" de Aécio, nota Mesquita, "tem andado de mãos dadas" com o do presidente Michel Temer, o que abre espaço para negociações políticas de apoio mútuo. Eles foram alvos simultaneamente da delação da JBS em maio e, agora, novamente estão juntos no olho do furacão - o tucano enfrentando novo afastamento e o peemedebista, uma segunda denúncia na Câmara, dessa vez por obstrução de Justiça e formação de quadrilha.

A BBC Brasil tentou insistentemente falar com o deputado Carlos Sampaio (SP), vice-presidente Jurídico do PSDB, para entender a diferença de tratamento no afastamento de Cunha e Aécio, mas não conseguiu contato com ele.

Os líderes do partido na Câmara, Ricardo Tripoli (SP), e no senado, Paulo Bauer (SC) disseram que os casos eram "diferentes", pois haveria mais provas contra Cunha, que naquela ocasião já era réu, enquanto Aécio foi apenas denunciado.

Questionados pela reportagem, não souberam explicar por que isso faria diferença na legitimidade do afastamento pelo STF. Tripoli disse que o caso do Aécio deveria ser tratado com o PSDB do Senado, enquanto Bauer disse que, por não ser deputado, não conhecia bem a situação de Cunha.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, disse hoje nos EUA que o Supremo é o guardião da Constituição e tem a palavra final no país. "Ele decide e é isso", afirmou.

Já o deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro, reconheceu que a Câmara errou ao não ter se oposto à decisão do STF de afastar Cunha do seu mandato. Segundo ele, apenas o afastamento da Presidência da Câmara seria correto.

"O que acaba acontecendo é o medo da chamada opinião pública. É difícil defender alguém como Eduardo Cunha. A política está criminalizada, desacreditada, então decisões arbitrárias acabam aparecendo com a melhor aparência para a população", criticou.

O petista nega que seu partido esteja atacando o afastamento de Aécio agora num movimento de "autodefesa" da classe política. Segundo ele, a Constituição estabelece que apenas o Senado pode cassar Aécio.

"Estou ouvindo muito militante do PT dizendo isso: porque a arbitrariedade está sendo usada contra a gente, tem que usar contra os outros também. É um princípio de isonomia enviesado. Está se criando um precedente no Brasil do Poder Judiciário estar cassando mandato", acrescentou.

Nesta quinta, o PT entrou com representação contra o tucano no Conselho de Ética da Casa. Uma primeira denúncia, movida pela Rede em maio logo após a divulgação da delação da JBS, foi arquivada "por falta de provas", sem nem mesmo ter gerado abertura de um processo de cassação.

Decisões excepcionais

Juristas consultados pela BBC Brasil afirmaram que, de fato, não há previsão na Constituição para que o Supremo afaste parlamentar de mandato.

Eles divergiram sobre se, ainda sim, haver brecha para que a Corte tome essa decisão em situações extremas. Mas concordaram que, se isso ocorrer, o Senado tem autoridade para derrubar o afastamento.

Para Estefânia Barboza, professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o Supremo extrapolou suas prerrogativas tanto no caso de Cunha como no de Aécio. Na sua avaliação, decisões "excepcionais" geram "tensão e imprevisibilidade".

Ela ressalta que a Constituição só permite prisão de parlamentar nas situações de flagrante ou crime inafiançável. Para críticos da decisão do Supremo, a determinação de recolhimento noturno, uma restrição a liberdade de ir e vir do senador, foi uma forma da corte driblar as restrições à prisão.

"As imunidades (parlamentares previstas na Constituição, que restringem a possibilidade de prisão) foram pensadas num momento de transição da ditadura para democracia. Era uma questão de proteção maior aos parlamentares para que não fossem perseguidos politicamente. Então, são os limites da separação dos Poderes", nota Barboza.

"Nesse tiroteio entre Legislativo e Judiciário, no meio da Lava Jato, me parece que o Supremo tem horas que se perde um pouco nos seus limites. Então é o jogo democrático o Senado reagir", acrescentou.

O STF está dividido sobre a questão. Enquanto os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux defenderam que o recolhimento não é prisão e por isso cabe ao Senado apenas cumprir a decisão da Corte, Marco Aurélio e Gilmar Mendes entenderam que a decisão pode sim ser derrubada pelos pares de Aécio.

Professor de direito constitucional na FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, Roberto Dias considera o argumento dos dois últimos mais consistente.

Na sua opinião, "quem pode o mais, pode o menos", ou seja, se o Senado pode reverter uma prisão decretada pelo STF, também pode derrubar decisão de afastamento e recolhimento.

Ele usa o mesmo argumento para sustentar, porém, que o Supremo pode, em situações excepcionais, afastar o parlamentar, mesmo sem a previsão expressa da Constituição: "Se pode prender, pode afastar, mas aí, como eu disse, caberá ao Senado avaliar se mantém ou não a decisão".

Para Dias, o caso de Cunha seria diferente do de Aécio e pode ser considerado excepcional, pois o deputado era acusado de usar seu mandato para impedir que a própria Câmara analisasse sua cassação - o processo contra Cunha no Conselho de Ética durou meses, já que sucessivas manobras políticas faziam o caso retroagir.

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) argumenta que Aécio também atuou para impedir sua cassação no Senado, já que lá a denúncia do seu partido foi arquivada sem nem mesmo ser aberto um processo. Por isso, defende a decisão do STF.

"Será que é possível alguém imaginar que um senador, respondendo as acusações que responde, vai estar no Senado e não procurará mobilizar apoios para tentar se proteger, impedir que o processo contra si avance? Isso não faz sentido", afirmou.

"Os casos que nós estamos tratando são casos muito graves e muito claros da participação em ações criminosas e do poder manejado por esses parlamentares para tentar garantir a impunidade. Portanto, acho que é pedir demais que o Supremo assista a tudo isso inerte."