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Advogados de Lula questionam tribunal que pode transformar ex-presidente em 'ficha suja'

O advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Divulgação /  Teixeira, Martins & Advogados
O advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Imagem: Divulgação / Teixeira, Martins & Advogados

Nathalia Passarinho e Fernanda Odilla - Da BBC Brasil em Londres

05/12/2017 17h26

Em viagem a Londres com a finalidade de angariar apoio internacional ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os advogados do petista, Valeska Teixeira Martins e Cristiano Zanin Martins, levantaram dúvidas sobre a imparcialidade do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) para decidir o recurso contra a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Se o tribunal mantiver a decisão do juiz Sérgio Moro de condenar Lula a 9 anos e seis meses de prisão no processo da Lava Jato que envolve a compra de um triplex no Guarujá (SP), o ex-presidente será enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados por órgãos colegiados. Lula aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto à corrida presidencial de 2018.

As declarações dos advogados à BBC Brasil ocorrem um dia depois de o desembargador João Gebran Neto, relator do caso de Lula no TRF-4, finalizar seu voto - que permanecerá em sigilo até o julgamento do caso pela 8 ª turma do tribunal, que ainda não tem data marcada.

Para Valeska Martins e Cristiano Zanin, a "rapidez" com que o relator elaborou o voto - 102 dias - e as declarações à imprensa do desembargador Thompson Flores, presidente do TRF-4, indicam que Lula "poderá não receber um julgamento justo e imparcial".

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Thompson Flores disse que a condenação de Lula pelo juiz Sérgio Moro é "histórica" e tecnicamente "irrepreensível". Flores não integra a oitava a turma e não vai participar do julgamento do recurso. Nas poucas vezes em que deu declarações à imprensa, Gebran Neto tentou evitar comentar detalhes sobre o caso do ex-presidente.

Os dois advogados de Lula vão passar uma semana na Europa- com passagens pela Inglaterra e Itália- em conversas com parlamentares, advogados e acadêmicos. O objetivo deles é difundir a tese de que o Judiciário brasileiro não está garantindo os "direitos constitucionais" dos acusados e que Lula estaria sendo alvo de "perseguição política".

"Fizemos uma amostragem de 10 processos, sendo cinco da Lava Jato e cinco fora da Lava Jato, e a média que encontramos é de 170 dias (o relator demorou 102 dias para elaborar o voto no caso de Lula). Então, esse dado objetivo permite dizer que o recurso do ex-presidente Lula está tendo uma tramitação acelerada se comparado com outros processos do tribunal", disse Cristiano Zanin.

"Esses indícios de que talvez haja uma falta de imparcialidade no tribunal são oriundos de fatos e de uma análise objetiva jurídica do comportamento do presidente do tribunal, do comportamento do próprio relator do caso da Lava Jato, que simplesmente é descolado de qualquer.... Veja bem, nenhum juiz da Inglaterra se comportaria dessa maneira, nenhum juiz do mundo se comportaria dessa maneira. A gente pede para que o processo retome o curso da legalidade para que o presidente Lula tenha julgamento efetivamente justo", completou Valeska Martins.

A BBC Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do TRF-4, que informou que o tribunal não irá se manifestar sobre os comentários dos advogados de Lula.

O presidente da Associação dos Juízes Federais, Roberto Veloso, criticou as declarações dos dois advogados. Veloso disse que o TRF-4 é conhecido pela celeridade com que julga os casos e argumentou que o Judiciário brasileiro como um todo oferece "amplas garantias" aos acusados, por causa das variadas possibilidades de recursos judicias contra condenações.

"O TRF-4 é notabilizado pela celeridade. Essa alegação de que no Brasil não se está garantindo os direitos de defesa é completamente descabida. O Brasil é pródigo em recursos. O sistema processual penal e civil brasileiro é conhecido porque possibilita uma quantidade incomensurável de recursos," disse.

"Os advogados estão se queixando porque, se o TRF-4 condenar o ex-presidente Lula, confirmando a sentença do juiz Sérgio Moro, ele não poderá se candidatar em 2018. Esse é o pano de fundo de todas essas reclamações," completou.

Na entrevista à BBC Brasil, Cristiano Zanin e Valeska Martins afirmaram que, para verificar se o ritmo da decisão sobre Lula foi diferente da maioria dos casos que tramitam no TRF-4, vão pedir para que o tribunal forneça uma relação dos recursos que estão na corte, com a ordem cronológica.

Questionados se não seria positiva a celeridade, diante do fato de que a decisão é importante para definir o cenário eleitoral de 2018, Zanin disse:

"Nós entendemos que o recurso do ex-presidente Lula deve ter uma tramitação exatamente igual aos demais casos. Não queremos nenhum tipo de privilégio, mas também nenhum tipo de prejuízo. Cobramos tratamento exatamente igual."

"Para nós, a percepção de que a tramitação está mais acelerada em relação a outros casos, somadas às declarações que foram dadas prelo presidente do tribunal sobre esse caso chamam a atenção", acrescentou.

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Jayme Martins de Oliveira Neto, disse que "não vê pertinência" no questionamento dos advogados do ex-presidente.

"É a primeira vez que vejo algum reclamar da celeridade da Justiça. Normalmente o problema é a morosidade."

Ele disse que é uma prática comum da defesa dos réus, por meio dos advogados, tentar "desqualificar tribunais e juízes". "O processo está seguindo um curso normal, com todo o direito de ampla defesa", afirmou, sobre a ação contra Lula.

Ofensiva no exterior e paralelo com Berlusconi

As críticas dos advogados do ex-presidente não se limitam ao TRF-4. Eles questionam a atuação do Judiciário como um todo, ao afirmar que "o sistema recursal brasileiro não está funcionando de forma a impedir violações a garantias fundamentais e a princípios básicos".

Na conversa com acadêmicos e políticos britânicos e italianos, a defesa do ex-presidente deve levantar esses questionamentos sobre o funcionamento e isenção do Judiciário brasileiro em geral. A ofensiva lembra a estratégia do PT e da ex-presidente Dilma Rousseff de difundir, no exterior, a tese de que o impeachment se tratou de um "golpe".

A agenda de uma semana dos dois advogados em Londres inclui o lançamento de um instituto chamado "Lawfare", para discutir o "uso político" de "instrumentos jurídicos".

A ideia é estudar diferentes casos no mundo inteiro e auxiliar quem se diz vítima do "mau uso" do Direito, para perseguição política.

Os advogados reuniram juristas do Brasil, Estados Unidos e Inglaterra para criar um espaço de debate e produção acadêmica sobre o tema.

Zanin e Martins traçam um paralelo entre o caso de Lula e o do ex-primeiro-ministro da Itália Silvio Berlusconi, que foi declarado inelegível até, pelo menos, 2019, com base numa lei semelhante à Ficha Limpa, que impede que condenados ocupem cargos públicos.

Berlusconi alega que teve direitos violados por ser punido de forma "retroativa", já que a lei foi sancionada em 2012, depois que ele havia sido condenado por fraude fiscal. Ainda assim a Corte Constitucional italiana rejeitou os argumentos do ex-premiê, que recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos.

"Uma pessoa não pode ser retirada de uma eleição de forma arbitrária. Bascimente é o uso da lei para fins políticos. Retirar um inimigo da vida política. Uma das táticas de Lawfare é ocupar o tempo e os recursos do inimigo. Ao se defender, ele não consegue ter tempo para a política. O caso Berlusconi é um caso de Lawfare. Mas o caso mais escandaloso de Lawfare no mundo e na história é o do Lula", argumenta Valeska Martins.

Os advogados voltaram a dizer que os processos contra Lula, no âmbito da Lava Jato, não contém provas. "(Os procuradores)Fizeram uma lista de pessoas que queriam condenar e lançaram uma licitação de delação, para ver quem queria acusar quem", afirmou Zanin.

Mas para o presidente da Ajufe, Lula não teve direitos violados e ainda poderá contar com diferentes recursos judiciais, caso tenha a condenação confirmada em segunda instância.

"Gostaria de ressaltar que todos os tribunais no Brasil permitem recursos exacerbadamente. O ex-presidente vai poder recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, se for condenado", disse Roberto Veloso.

"O Brasil hoje passa por uma situação que nunca aconteceu antes, que é o enfrentamento da corrupção. Essas queixas só acontecem porque autoridades brasileiras, como o juiz Sérgio Moro, tiveram a coragem de enfrentar a questão da impunidade", completou.