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O caso de estupro coletivo que chocou a Espanha e está levando milhares para as ruas do país

Protesto em Pamplona após a condenação por abuso sexual dos homens acusados de estupro - Xabier Lertxundi - 28.abr.2018/AFP
Protesto em Pamplona após a condenação por abuso sexual dos homens acusados de estupro Imagem: Xabier Lertxundi - 28.abr.2018/AFP

29/04/2018 21h59

A controversa sentença judicial do caso "La Manada", em que cinco jovens foram acusados de estuprar uma jovem de 18 anos, provocou uma onda de protestos na Espanha. No último sábado, mais de 30 mil pessoas saíram às ruas de Pamplona, na província de Navarra contra a sentença determinada pelos juízes.

Na última quinta-feira, os jovens foram condenados a nove anos de prisão cada um por abuso sexual. Desde então, milhares de manifestantes se reuniram diversas cidades espanholas para dizer que "não é abuso, é estupro".

Nas redes sociais do país, a expressão "eu acredito em você, irmã" viralizou, em solidariedade à vítima.

De acordo com a sentença, os cinco amigos levaram a vítima, uma madrilenha de 18 anos que estava alcoolizada, ao saguão de um edifício "escondido e estreito" com apenas uma saída. Ali, eles tiraram suas roupas e a "penetraram por via oral, anal e vaginal".

Eles também gravaram a violação em vídeo e foram embora depois de roubar o celular da garota.

Os condenados afirmaram que a relação foi consensual, mas os juízes da província de Navarra consideraram que o caso representou abuso, mas não agressão sexual, por não ter sido comprovado que houve violência ou intimidação.

Entenda os principais pontos do caso:

1- Violência durante festa popular

O crime ocorreu em 2016, durante a popular Festa de San Fermín (São Firmino), celebrada todos os anos entre os dias 7 e 14 de julho em Pamplona, capital de Navarra.

Nos últimos anos, a festa tem sido marcada por denúncias de abusos, e o caso de "La Manada" - como se chamava o grupo de jovens condenados na última semana - colocou o problema novamente em evidência.

De acordo com dados publicados pela imprensa local, o número de denúncias por agressões sexuais na Festa de San Fermín se manteve entre cinco e dez nos últimos anos. No entanto, especialistas acreditam que o número real pode ser muito superior.

Apenas entre 17 e 20% das ocorrências de agressões e abusos sexuais são denunciados na Espanha, segundo dados oficiais (No Brasil, para efeito de comparação, esse índice fica em torno de 10%).

Em 2008, uma estudante de 20 anos chamada Nagore Lafagge foi estrangulada por um jovem durante a festa em Pamplona por negar-se a ter relações sexuais com ele.

O crime teve grande repercussão no país. Em 2012, imagens da festa mostraram inúmeros casos de assédio a mulheres, o que motivou mudanças nas leis do país sobre o tema.

2- Um julgamento midiatizado e polêmico

Desde o início, o caso de "La manada" atraiu grande atenção da mídia espanhola. O crime ocorreu em 2016 e o julgamento, em 2017. Os cinco jovens foram acusados de agressão sexual, crime contra a intimidade e roubo com intimidação.

A procuradoria pedia 22 anos e 10 meses de prisão para cada um deles. Os advogados da vítima, por sua vez, pediam uma pena de 24 anos. A prefeitura de Pamplona também se colocou como parte da acusação e pediu 25 anos de prisão.

Os advogados de defesa, por sua vez, dizem que as relações foram consensuais e pediam a absolvição do grupo de jovens, que já estavam presos preventivamente.

A estratégia da defesa durante o julgamento, no entanto, foi duramente criticada. Uma das provas apresentadas foi o relatório de detetives particulares sobre a atividade da vítima em redes sociais após o ocorrido.

Nesta época, um vídeo gravado por duas atrizes feministas, com o lema "Eu acredito em você" viralizou e inundou as redes sociais de mensagens de apoio à vítima.

Depois de uma manifestação em Madri, que reuniu centenas de pessoas, a defesa optou por retirar o relatório da lista de provas no processo.

O vídeo de 96 segundos gravado pelos acusados também causou comoção ao ser exibido no tribunal. Nas imagens, a vítima era vista "de olhos fechados" e com uma atitude "passiva ou neutra", de acordo com os policiais que testemunharam no julgamento.

A polícia descreveu as imagens como "repugnantes" e afirmou tê-las como prova de que a garota não participou voluntariamente do ato.

A acusação revelou ainda as mensagens de WhatsApp que os cinco jovens enviaram a seus amigos depois do ocorrido, dizendo coisas como "tudo o que eu conte será pouco", "que viagem incrível", "nós cinco transamos com uma só" e "temos vídeo".


Quem são os cinco do grupo "La manada"?

  • José Ángel Prenda, de 28 anos: é considerado o líder do grupo e foi quem escreveu a mensagem de WhatsApp sobre o vídeo. Em 2011, foi condenado a dois anos de prisão por roubo com uso de força;
  • Antonio Manuel Guerrero: guarda civil, nascido em 1989. Acredita-se que tenha gravado seis vídeos do crime, e admitiu ter roubado o celular da vítima;
  • Ángel Boza, de 26 anos: tem um histórico de delitos que inclui roubo com uso de força e dirigir sob influência de drogas e álcool;
  • Alfonso Jesús Cabezuelo, de 29 anos: é militar, e acredita-se que tenha gravado um dos vídeos;
  • Jesús Escudero, de 27 anos: cabeleireiro.

Em seu testemunho no tribunal, a vítima explicou que não resistiu à agressão sexual por causa da superioridade numérica e física dos acusados. Ela disse que a situação a fez entrar em choque e desejar apenas que tudo terminasse o mais rápido possível.

Os acusados se disseram inocentes, mas um deles, Antonio Manuel Guerrero, pediu desculpas por ter roubado o celular da jovem.

Agustín Martínez Becerra, advogado de defesa dos cinco, disse que eles "não são modelo de nada" e os chamou de "brutos", "imbecis". O advogado disse ainda que eles são pessoas "simplórias e primárias" em aspectos como futebol e relações sexuais, mas que são "trabalhadores" e "bons filhos".

3- Sentença polêmica

A sentença dos cinco jovens foi publicada e divulgada na última quinta-feira, dia 26, quase cinco meses depois do final do julgamento.

Os juízes da Audiencia Provincial de Navarra consideraram os integrantes de "La manada" culpados de abuso sexual, no qual eles se valeram de uma situação de superioridade manifesta que limita a liberdade da vítima. Mas não consideraram que ocorreu agressão sexual, ou seja estupro.

Os magistrados consideraram que o abuso ocorreu sem o consentimento da mulher, mas não consideraram que houve uso de violência nem de intimidação, condições para considerar que ocorreu agressão sexual, ou estupro, segundo o Código Penal espanhol.

A pena para abuso sexual vai de um a três anos de prisão; se há penetração, a pena vai de quatro a 10 anos. Já no caso da agressão sexual, a pena é de um a cinco anos de prisão e, se há penetração, o caso passa a ser de estupro e a pena vai de seis a 12 anos.

Como este foi considerado um caso de abuso agravado, o tribunal decidiu que cada um dos jovens teria de cumprir nove anos de prisão.

Na sentença, os juízes consideram estar provado que a vítima "sentiu uma angústia e uma intranquilidade intensas, que lhe deixaram em estado de letargia e a fizeram adotar uma atitude de submissão e passividade, fazendo o que os cinco jovens a mandavam fazer, e mantendo os olhos fechados na maior parte do tempo".

Depois da divulgação da pena, centenas de pessoas entraram no tribunal gritando "não é abuso, é estupro" e "eu acredito em você", referindo-se à vítima. Desde então, manifestações foram convocadas em todo o país, enquanto as redes sociais se enchem de críticas.

4- A declaração de um juiz

Outro aspecto do caso que provocou indignação na sociedade espanhola foi a opinião de um dos três magistrados encarregados do caso.

A sentença não foi unânime, e, em seu voto, o juiz Ricardo Javier González defendeu a absolvição dos cinco acusados.

Segundo ele, nos vídeos do ocorrido não se percebe na expressão da vítima nem em seus movimentos "nenhum traço de oposição, rejeição, desgosto, nojo, repugnância, negação, incômodo, sofrimento, dor, medo, descontentamento, vergonha ou qualquer outro sentimento semelhante".

"A expressão em seu rosto está, a todo momento, relaxada e distendida e, precisamente por isso, incompatível, em meu juízo, com qualquer sentimento de medo, temor, rejeição ou negação", afirmou.

"Também não percebi nela esta 'ausência e enfraquecimento de suas faculdades superiores' que se afirma na maior parte deste tribunal; pelo contrário, o que me sugerem os gestos, expressões e sons que ela emite é excitação sexual."

No entanto, o juiz nega que "esta observação suponha necessariamente uma relação sexual consensual, porque não se pode descartar que durante uma relação sexual não consensual é possível chegar a sentir e expressar uma excitação sexual meramente física em algum momento".

As perguntas que o magistrado fez à vítima durante o julgamento também foram polêmicas.

"O que você fez, diante deles, para que eles soubessem que você estava em estado de choque e que as relações sexuais não eram consensuais da sua parte? Como eles poderiam...você fez algo, manifestou algo, verbalizou algo?...", questionou.

"Eu fechei os olhos... Não falava, não estava fazendo nada, estava submissa. Eu estava de olhos fechados e sem fazer nada, nem dizer nada", respondeu a jovem.

5- Mudança nas leis?

Além de mobilizar milhares de cidadãos, o caso também gerou debate sobre o papel dos juízes e sobre as leis espanholas.

Um milhão de pessoas apoiou uma iniciativa na internet para impedir a atuação dos juízes espanhóis que condenaram "La manada".

O presidente da associação de juízes da Espanha, Carlos Lesmes, saiu em defesa do tribunal e afirmou que as "desqualificações" da sentença feitas por pessoas com cargos públicos comprometem "gravemente" a confiança que o sistema judicial "merece dos cidadãos".

Por causa dos protestos, o governo do presidente Mariano Rajoy anunciou que pedirá uma revisão da tipificação dos delitos sexuais no Código Penal.

O caso de "La manada" deve voltar aos tribunais, porque a procuradoria e os acusados recorrerão da sentença.

Enquanto isso, o debate atravessou o Atlântico e mobilizou também atrizes de Hollywood que participam do movimento #MeToo, sobre assédio sexual em ambientes de trabalho.

https://twitter.com/jes_chastain/status/989598910548070400

"Cinco homens estranhos disseram a uma adolescente bêbada que eles a levariam até o carro dela. Em vez disso, eles a levaram para outro lugar, onde a estupraram e gravaram. O fato de você não se mover e estar com os olhos fechados não significa dar consentimento. Isso não é abuso. É estupro", disse a atriz Jessica Chastain em seu perfil de Twitter.

O ator venezuelano Edgar Ramírez e o espanhol Antonio Banderas também compartilharam opiniões semelhantes.