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Governo anuncia trégua após dia tenso, mas fim da greve de caminhoneiros é dúvida

25/05/2018 07h53

Eram quase dez horas da noite quando os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Eduardo Guardia (Fazenda), Carlos Marun (Secretaria de Governo) e Valter Casemiro (Transportes) anunciaram ter chegado a um acordo com representantes dos caminhoneiros para suspender, pelos próximos 15 dias, as manifestações e as greves da categoria.

O acordo foi assinado por algumas entidades representativas, incluindo a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA). Outros grupos, como a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam) e a União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam) rejeitaram a proposta. A CNTA disse que levará a proposta aos motoristas, para apreciação.

Fruto de sete horas de reuniões no Palácio do Planalto, o acordo para a trégua inclui a promessa do governo de atender 12 reivindicações dos caminhoneiros, mas deixa de fora a principal demanda dos trabalhadores: a isenção do PIS / Cofins sobre o óleo diesel. Por este motivo, não é possível saber se o acordo negociado pelo governo será efetivo.

Esta sexta-feira pode representar o quinto dia de greve dos caminhoneiros. Além do desabastecimento de gasolina e alguns alimentos perecíveis, o movimento também resultou numa onda de notícias falsas e alarmistas nas redes sociais.

As principais promessas do governo para os caminhoneiros são zerar a alíquota de um dos impostos cobrados sobre o óleo diesel, a Cide; manter a redução no preço do diesel anunciada pela Petrobras nos próximos 30 dias (a companhia petroleira já tinha prometido 15 dias de redução); assegurar que os preços do óleo só sejam reajustados de 30 em 30 dias; e reeditar periodicamente uma tabela de referência (sem força de lei) para os preços dos fretes. Esta última medida custará ao governo R$ 4,9 bilhões até o fim de 2018 - a Petrobras será compensada pelas perdas.

Mas nem todos os líderes dos caminhoneiros ficaram satisfeitos: o presidente da Abcam, José Lopes da Fonseca, deixou a reunião no meio da tarde, dizendo que só pararia a greve depois de obter a isenção de PIS e Cofins sobre o diesel: o tributo representa 12% do preço do combustível, enquanto a Cide (cuja isenção foi oferecida pelo governo) responde por 1%.

"Eu não vou assinar (o acordo) com a categoria toda parada. O que eles querem é desmobilizar a greve. A greve não é dos caminhoneiros, é da sociedade toda. Muitas outras categorias aderiram. O que temos até agora são só promessas. Então, não assinei e não me arrependo. Acho que fiz certo", disse à BBC Brasil o presidente da Unicam, José Araújo da Silva, o China.

Além da isenção de PIS e Cofins, os caminhoneiros que são contra o acordo também querem esperar até terça-feira, quando o Senado pode votar um projeto de lei que cria um valor mínimo para o frete (diferente da tabela de referência oferecida pelo governo).

Principal reivindicação ainda é dúvida e depende do Senado

O presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB), tinha planejado ontem um dia de "agendas positivas" em seu Estado de origem, o Ceará. No começo da manhã, pegou um voo de Brasília para Fortaleza. Lá, se encontraria com o governador do Estado, Camilo Santana (PT) e o ministro Alberto Beltrame (Desenvolvimento Social), e anunciaria a liberação de dinheiro federal para a construção de cisternas.

Mal pousou na capital cearense, o emedebista se irritou ao conhecer os detalhes da votação ocorrida na madrugada de quarta para quinta-feira, na Câmara dos Deputados: numa rebelião contra o governo do presidente Michel Temer, os deputados aprovaram em votação simbólica (quando há consenso entre todos os partidos) a isenção de PIS e Cofins sobre o óleo diesel.

Era uma tentativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de baixar o preço do combustível e debelar a greve dos caminhoneiros, que teve na quinta-feira o seu 4º dia. Maia é pré-candidato pelo DEM à Presidência da República. A isenção do PIS e do Cofins é a principal reivindicação da maioria dos grevistas.

"Essa votação (da Câmara) não estava prevista e não foi combinada com ele (Eunício). E detalhe: com um erro de cálculo de R$ 10 bilhões", disse uma pessoa próxima a Eunício, sob condição de anonimato. Na hora do almoço, o presidente do Senado já estava voando de volta para Brasília - ele disse não ter saído nem do aeroporto em Fortaleza.

O emedebista tinha também suavizado o discurso: de manhã, Eunício disse a jornalistas que era "impossível" votar a isenção de impostos para o diesel nos próximos dias - no meio da tarde, disse que vai retomar as negociações para tentar aplacar a greve.

Eunício também determinou ao seu gabinete que ligasse para os senadores, convocando todos a Brasília. Outro que passou a tarde ligando para os colegas foi o vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que defende que o Senado vote o tema e aprove a isenção do PIS e Cofins já nesta sexta-feira.

Após reunir-se com os líderes de alguns partidos no Senado, ontem à noite, Eunício foi chamado ao Palácio do Planalto para conversar com o governo e com os líderes dos caminhoneiros. "Se (a aprovação da isenção fiscal) for a condição para que o Brasil tenha tranquilidade, nós teremos que buscar uma solução", disse o senador cearense no começo da noite, mas sem entrar em detalhes.

O cálculo de Rodrigo Maia que fez água

Era quase uma hora da manhã de quinta-feira quando os deputados votaram de forma simbólica um projeto de lei, enviado pelo governo, que acabava com a isenção de impostos sobre a folha de pagamentos de vários setores da economia. Votações simbólicas ocorrem quando todos os partidos da Câmara estão de acordo com o tema. O consenso só foi possível porque o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP) incluiu em sua proposta a isenção dos impostos PIS e Cofins para o óleo diesel.

Silva e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estimaram que a perda do governo com a isenção da PIS e Cofins sobre o diesel até o fim de 2018 seria de cerca de R$ 3 bilhões, valor menor que os ganhos com o fim da isenção sobre a folha de pagamentos.

O problema é que o cálculo estava incorreto: a própria Consultoria de Orçamento (Conof) da Câmara informou a alguns deputados, informalmente, que o impacto seria de R$ 12 bilhões até o fim do ano, e de mais de R$ 20 bilhões ao longo do ano de 2019. A Receita Federal sustenta que o rombo é de R$ 14 bilhões em 2018.

"Nós (deputados governistas) estávamos dizendo que era de R$ 14 bilhões, e ele (Rodrigo Maia) teimando nos R$ 3 bilhões. Vai ter que arquivar (o projeto) no Senado e voltar para a Câmara. Redução de impostos quem pode fazer é o governo, porque é ele que está com a conta na mão", disse à BBC Brasil o deputado Beto Mansur (PRP-SP), um dos mais fiéis a Michel Temer na Câmara.

Mais tarde, na entrevista a jornalistas no Palácio do Planalto para anunciar a trégua, o ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) disse que a desoneração de PIS e Cofins poderia ser discutida "em outro momento".

Na tarde de hoje, o próprio Maia reconheceu que sua estimativa inicial estava errada. Mas disse que, com a alta dos preços do petróleo, o governo terá uma arrecadação extra de royalties do produto, o que compensaria a perda com os impostos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a emenda constitucional do Novo Regime Fiscal (o chamado "teto de gastos") também exigem que qualquer projeto com impacto orçamentário venha acompanhado de uma estimativa de gastos - o que não ocorreu na Câmara.