Como o escândalo Odebrecht pautou discurso do futuro presidente do México
Após vencer a eleição presidencial no México no domingo, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador afirmou que "erradicar a corrupção e a impunidade será a missão principal do novo governo".
O sucesso do candidato e de seu discurso anticorrupção encerra uma campanha marcada por denúncias envolvendo a Odebrecht no país.
Em 2016, a Operação Lava Jato revelou o pagamento ilícito de US$ 10,5 milhões pela Odebrecht no México. Em outro caso, autoridades mexicanas investigam um contrato de abastecimento de gás etano assinado entre a estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) e o consórcio entre a Braskem, controlada pela empreiteira, e a mexicana Idesa.
Só nos dez primeiros meses da vigência do acordo, em 2016, houve um rombo de US$ 98 milhões nas contas da petrolífera estatal mexicana.
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Os prejuízos constam de um relatório da Auditoria Superior da Federação (ASF), órgão técnico da Câmara de Deputados do México que analisa as contas públicas, ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
Há duas semanas, um dos principais partidos da oposição, o Ação Nacional (PAN), apresentou uma denúncia formal na Procuradoria-Geral de Justiça (PGR) mexicana. Exibia o que considerava ser "um esquema criminoso desenhado e executado por uma sofisticada rede de corrupção" para prejudicar a "Pemex e a economia nacional", em benefício "de um particular (o consórcio Braskem-Idesa) e dos seus sócios no governo".
Com referências constantes à Operação Lava Jato, a denúncia responsabiliza também o atual presidente do México, Enrique Peña Nieto; o ex-presidente Felipe Calderón, que governou entre 2006 e 2012; e José Antonio Meade, candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI), um dos derrotados por Obrador no último pleito.
Os citados são acusados de cobrar ilegalmente impostos sobre a importação de polietileno, cedendo a uma exigência contratual do consórcio Braskem-Idesa.
António Figueroa, coordenador de Análise Política da campanha do PAN, disse à BBC News Brasil que "esses impostos prejudicam a livre concorrência, impondo barreiras a essa matéria prima que também a Brakem-Idesa produz e vende". Essa ação está tipificada no Código Penal do país como "crime contra o consumo nacional" e prevê entre 3 a 10 anos de prisão.
Em entrevista à BBC News Brasil na Cidade do México, o Diretor de Desenvolvimento de Negócios e Relações Institucionais da Braskem-Idesa, Cleantho Leite Filho, classifica a denúncia de "política eleitoral sem fundamento". E explica que a empresa sugeriu a aplicação de taxas unicamente para "equilibrar o setor dos plásticos, dado que o polietileno era o único polímero sobre o qual não havia nenhum imposto de importação".
Em comunicado, a campanha de José Antonio Meade classifica as acusações de "ataques sem nenhuma base" e de ser uma "ação desesperada da campanha de Ricardo Anaya", candidato do PAN à Presidência.
Apesar de várias tentativas de contato, tanto o Governo mexicano quanto a Pemex não comentaram as acusações em torno do caso.
Pemex em apuros
O caso remonta a 2008, ano em que o governo convidou 31 empresas mexicanas e estrangeiras a concorrer ao projeto "Etileno XXI".
Por meio de uma licitação, o México buscava angariavar investimentos privados para a construção de uma petroquímica que cobrisse parte do déficit de polietileno, produto essencial para as indústrias de plásticos, construção e cosméticos, entre outras.
Em troca, a Pemex se comprometia a vender à empresa vencedora 66 milhões de barris diários de gás etano por um período de 20 anos.
O consórcio que a Braskem Brasil e a Idesa formaram em 2009 acabou por ganhar a licitação. O investimento de US$ 5,2 bilhões teve início em 2016.
Desde o início, os termos do contrato entre a Pemex e a Braskem-Idesa foram abrindo um buraco nas contas da petrolífera mexicana. No cálculo da ASF, o preço de venda de etano, com descontos da ordem dos 30%, mais os custos de transporte do gás, totalmente a cargo da Pemex, provocaram um prejuízo de mais de US$ 98 milhões ao longo de 2016.
A ASF lançou ainda outro alerta: atualmente, a Pemex não produz etano suficiente para abastecer as suas petroquímicas e fornecer o volume de gás contratado pela Braskem-Idesa.
Este cenário confirmou a previsão do antigo conselheiro da Pemex Gasca Neri em uma reunião do Conselho da Administração da estatal. Conforme a ata de 23 de abril de 2011, Neri identificou vários pontos críticos no projeto "Etileno XXI" - entre os quais, a fórmula do preço de venda e a falta de gás etano - propondo, assim, a suspensão e reavaliação do projeto.
Ninguém lhe deu ouvidos.
A falta de capacidade da Pemex obriga a empresa, agora, a importar etano para cumprir seus compromissos. Nos próximos dois anos, gastará US$ 231 milhões não previstos. Se não o fizer, corre o risco de deixar as suas petroquímicas a meio gás ou de pagar à Braskem-Idesa indenizações que podem chegar a US$ 300 milhões anuais.
A Braskem-Idesa confirma que, desde o início do projeto, "as dificuldades de abastecimento de etano por parte da Pemex" reduziram a capacidade de produção de polietileno entre 10 e 15%.
Por outro lado, o diretor do consórcio, Cleantho Leite Filho, nega que exista "algum preço preferencial da Pemex na venda de etano." "A fórmula do preço aplicado à Braskem-Idesa é a mesma que se usa desde 2013 com todos os consumidores de etano no país", defende.
Investigações
No final de 2016, autoridades brasileiras e americanas anunciaram que, entre 2012 e 2014, a Odebrecht pagou subornos de US$ 10,5 milhões no México.
Em delação premiada, Luis Weyll, ex-presidente da Odebrecht no país, disse às autoridades brasileiras que os subornos foram pagos a Emilio Lozoya em dois momentos: quando ele era coordenador internacional da campanha presidencial do presidente Enrique Peña Nieto e alguns meses mais tarde, quando Lozoya assumiu o cargo de Diretor-Geral da Pemex.
As acusações foram refutadas pelos advogados de Lozoya em várias declarações à imprensa mexicana.
No ano passado, a organização "Mexicanos Contra a Corrupção" denunciou um suposto suborno adicional de US$ 1,5 milhão no âmbito do projeto Etileno XXI. Este valor, segundo a organização, foi transferido pela Braskem Brasil para a mesma conta que a Odebrecht teria usado para fazer os pagamentos a Emilio Lozoya.
O diretor Leite Filho nega. "Isso nunca aconteceu. Fizemos uma investigação interna, também contratamos investigadores externos indicados pelo Departamento de Justiça dos EUA e não se encontrou rigorosamente nada."
"É certo que a Odebrecht, que controla a Braskem Brasil, exerceu atos de corrupção em vários países, incluindo o México. Também a Braskem Brasil reconheceu a culpa em atividades ilegais, mas unicamente no Brasil, como confirmaram, inclusivamente, as autoridades americanas".
"A Braskem-Idesa", reforça ele, "é uma joint venture com gestão própria, não tem nada a ver com a Odebrecht no México". E acrescenta que "em nenhum momento a Braskem Idesa foi citada pela Justiça mexicana ou brasileira para depor por algum motivo".
Longo processo
Alguns meses após as autoridades brasileiras e do Departamento de Justiça dos EUA incluírem o México no escândalo de corrupção da Odebrecht na América Latina, no fim de 2016, a Procuradoria-Geral da República (PGR) mexicana começou a investigar o caso.
Em agosto de 2017, Santiago Nieto, então responsável pela Procuradoria Especializada para Delitos Eleitoral (Fepade, na sigla em espanhol), decidiu investigar por sua conta o suposto financiamento da Odebrecht à campanha de Peña Nieto, através de Emilio Lozoya.
Três meses depois, em 20 outubro de 2017, Santiago Nieto foi destituído. Razão oficial: "violação do código de conduta da Fepade" pelas declarações que deu ao jornal mexicano Reforma, em que acusou Lozoya de pressioná-lo para isentá-lo de qualquer culpa no processo relativo à Odebrecht.
A campanha eleitoral já estava em curso e a oposição acusou o governo de interferir na investigação. Tanto o executivo quanto o PRI (partido do governo) refutaram essa interpretação. Por sua vez, Lozoya reagiu à denúncia de supostas pressões sobre a Fepade afirmando que nunca tentou intervir no processo e que tudo não passava de "politicagem".
Desde então, o caso Odebrecht no México está exclusivamente nas mãos da PGR. Em outubro de 2017, o órgão informou que o processo já estava encerrado. No entanto, até hoje, ninguém foi indiciado.
O silêncio da PGR está sendo duramente criticado pela oposição, analistas, organismos anticorrupção mexicanos e internacionais, que exigem conhecer as conclusões do processo. A BBC News Brasil pediu detalhes à PGR, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
O diretor da Braskem-Idesa disse que a empresa também espera a divulgação das informações. "Enquanto não se conhecerem os detalhes e se confirmar que não temos nada a ver com isso, a suspeita sempre vai pairar sobre nós."
O escândalo Odebrecht abalou vários países da América Latina. Na Colômbia, o senador Bernardo Miguel Elias foi preso; no Perú, o ex-presidente Ollanta Humala e a sua esposa estão sob suspeita e tiveram prisão preventiva decretada, e a pressão do caso acabou por forçar a renúncia do presidente Pedro Pablo Kuczynski.
No Equador, o vice-presidente Jorge Glas também acabou na prisão.
No México, o impasse persiste - uma polêmica a mais para o mandato de Enrique Peña Nieto, e que municiou o discurso vitorioso do presidente eleito.
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