Eleições 2018: Como o voto feminino, que pode ser decisivo, virou campo de batalha nesta eleição
A eleição presidencial de 2018 é claramente muito diferente das anteriores. Entre as novidades no comportamento dos eleitores, uma tem sido especialmente surpreendente: a enorme diferença que as pesquisas apontam nas intenções de votos entre homens e mulheres.
O fosso que se abriu no comportamento desses dois grupos é inédito em eleições presidenciais, destaca o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ. Dados das eleições de 2010 e 2014, por exemplo, mostram que homens e mulheres votaram em proporções similares nos diferentes candidatos.
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Quem catalisa esse fenômeno nessa eleição é o candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL) - que se recupera de uma facada de um opositor no início do mês e recebeu alta do hospital neste sábado, 29. Ele lidera a preferência do eleitorado com 27% das intenções de voto, segundo a mais recente pesquisa Ibope, divulgada na quarta-feira. Quando abrimos os números por sexo, no entanto, o levantamento mostra que ele tem apoio de 36% dos homens e 18% das mulheres.
Neste sábado, 29, manifestantes protestaram no Rio e em São Paulo contra Bolsonaro, como parte do movimento #EleNao, organizado por mulheres nas redes. Outros protestos foram registrados em mais de 40 cidades do país e em cidades europeias, como Lisboa, Paris e Londres.
Por outro lado, também houve manifestações pelo país em prol do candidato. No Rio, apoiadores de Bolsonaro se reuniram em Copacabana.
A diferença entre o apoio de homens e mulheres em relação a Bolsonaro não é vista em nenhuma outra candidatura. Fernando Haddad (PT), por exemplo, candidato que aparece em segundo lugar na pesquisa Ibope com 21%, tem preferência de 20% dos homens e de 21% das mulheres. O terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), com 12%, pontua 11% no eleitorado masculino e 12% no feminino.
"Os números mostram que, se a eleição fosse apenas entre as mulheres, estaria muito mais disputada", observa Nicolau.
Os dados do Ibope revelam ainda que o desempenho de Bolsonaro é mais fraco entre as mulheres de menor renda (até dois salários mínimos) e moradoras da região Nordeste, indicando que aí é onde está a maior resistência ao capitão. É nesses segmentos, também, que Haddad vai melhor.
A resistência feminina ao líder das pesquisas tem sido fortemente explorada por outras campanhas, como a de Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), principalmente as declarações agressivas de Bolsonaro com mulheres e a defesa de que as trabalhadoras, por engravidar, devem receber menos que os homens.
Movimento #EleNão
As mulheres que rejeitam Bolsonaro se organizaram em setembro nas redes sociais em torno do movimento #EleNão, que convocou para este sábado protestos contra o candidato em dezenas de cidades do Brasil e também em algumas no exterior. A mobilização - que contou com apoio até de celebridades internacionais, como a cantora Madonna - agrega mulheres de diferentes visões ideológicas.
Analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil divergem sobre o potencial do movimento para impactar a eleição, provocando, por exemplo, uma queda abrupta nas intenções de voto de Bolsonaro. Parte deles, porém, considera que, se a mobilização for grande, pode contribuir para aumentar a rejeição já elevada do militar reformado, dificultando sua vitória num provável segundo turno contra Haddad.
Se o duelo final entre o candidato do PSL e do PT se confirmar, a clivagem de gênero deve ser determinante para o resultado da eleição, observa Jairo Nicolau. A tendência, caso Bolsonaro vença, é que o apoio masculino seja decisivo. Caso perca, será culpa da forte rejeição feminina. Uma vitória depende de ele conseguir reverter ao menos parte da antipatia entre as mulheres, ressalta o professor.
"Essa resistência das mulheres ao Bolsonaro cria uma barreira quase intransponível. É muito difícil num país em que elas são 53% dos eleitores, e comparecem mais às urnas que os homens, que um candidato com alta rejeição feminina vença uma eleição de dois turnos", acredita Nicolau.
Ele ressalta que a semana foi de notícias negativas para Bolsonaro, com a divulgação de que sua ex-mulher, Ana Cristina Valle, informou há dez anos atrás, em um processo que discutiam a guarda do filho, que o candidato teria um patrimônio maior que o declarado à Justiça Eleitoral e incompatível com seu rendimentos como deputado federal e militar aposentado.
Ontem, em entrevista para José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, Bolsonaro se defendeu das acusações dizendo que "em uma separação é comum ter problemas, é litigiosa, as cotoveladas acontecem de ambas as partes". "A própria ex-companheira diz claramente que, de sangue quente, fala-se coisas que não existem", completou o candidato.
"Vejo esse movimento (das mulheres) como uma peça a mais numa onda que começou a se armar na última semana contra ele. É a primeira vez, pelo que eu me lembro, que a sociedade se articula em campanha contra um candidato numa eleição presidencial no Brasil", nota cientista político da UFRJ.
Já o professor de direito e relações internacionais na Universidade LaSalle, Fabricio Pontin, se mostra cético quanto ao impacto do movimento #EleNão na eleição. Embora ele considere a mobilização importante para aglutinar a oposição ao candidato do PSL, não acredita que será capaz de reverter votos já conquistados por Bolsonaro - as pesquisas mostram um grau alto de convicção entre esses eleitores - ou capturar muitos indecisos para outros concorrentes.
Pontin ressalta que houve movimento semelhante nos Estados Unidos, sob a hashtah #resistance (#resistência, em tradução literal) contra a candidatura de Donald Trump e ainda assim ele venceu a disputa.
"O eleitor que vota em Bolsonaro, assim como o que votou em Trump, já conhece seus problemas, mas considera que ele é diferente da classe política", destaca.
"E eu me pergunto, quanta gente indecisa vai votar? O número de indecisos já caiu muito nas pesquisas, me parece que os que não têm candidato até agora não vão votar ou vão anular", pondera ainda.
Disputa nas redes sociais
A movimentação nas redes sociais reforça os sinais de que o debate de gênero ganhou papel de destaque na eleição brasileira. A Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da FGV, que vem monitorando a movimentação dos internautas, mostrou em relatório recente que o movimento #EleNão impulsionou cerca de 1,4 milhão de menções no Twitter entre 12 e 24 de setembro. Por outro lado, a reação a esse movimento realizou no mesmo período 284 mil usos da hashtag #EleSim.
Já o último monitoramento semanal da Daap sobre eleições, mostrou que entre 19 e 15 de setembro houve 8,8 milhões de tuítes com teor político, sendo que metade dos perfis engajados nesse debate se manifestaram contra Bolsonaro. Segundo o levantamento, nesse grupo houve "várias publicações com a hashtag #EleNão".
Para a cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e apoiadora do #EleNão, o movimento tem sim capacidade de virar votos contra o líder das pesquisas. Ela diz que o movimento de articulação feminina em massa dentro do processo eleitoral é inédito e está trazendo muitas delas pela primeira vez ao debate público. O grupo "Mulheres Unidas contra Bolsonaro" no Facebook reuniu em menos de três semanas mais de 3 milhões de integrantes.
"O movimento está muito forte. Há um diálogo direto entre as mulheres: é a eleitora que convence a tia, a avó, uma vizinha a não votar no Bolsonaro", exemplifica.
Outra pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, projeto do Grupo de Políticas Públicas da USP, também mostra a importância que as questões de gênero ganharam nessa eleição.
Os pesquisadores monitoraram 115 páginas no Facebook de grande alcance que promovem a candidatura do Bolsonaro durante os 40 primeiros dias de campanha (16 de agosto a 25 de setembro) e detectaram que os três temas que mais geraram compatilhamentos pelos seguidores foram: as postagens antissistema e anti-PT (2 milhões); as publicações com críticas a mídia (1,3 milhão); e as mensagens sobre feminismo e mulheres (1,1 milhão).
Essas questões superaram em muito o engajamento com postagens sobre corrupção (338 mil compartilhamentos) e armamentos (229 mil), por exemplo.
"As questões que envolvem a mulher parecem ser uma obsessão da campanha, já que as mulheres constituem um dos principais grupos demográficos nos quais o candidato tem dificuldade em encontrar adesão", destaca o estudo.
Um dos autores do levantamento, o filósofo Pablo Ortellado, ressalta que a discussão sobre e igualdade salarial entre trabalhadoras e trabalhadores foi o tema relacionado às mulheres que mais gerou engajamento entre os apoiadores de Bolsonaro.
"Acredito que mais importante que os protestos desse sábado é o movimento #EleNão nas redes sociais. O jogo eleitoral desse ano está acontecendo nas redes", destaca.
Os protestos convocados para as ruas, porém, geram preocupação na campanha de Bolsonaro. O temor é que algum conflito que venha a ocorrer nesses atos possa prejudicar o candidato. Nesse sentido, o deputado federal Fernando Francischini, do PSL, encaminhou um requerimento à Polícia Federal para que reforce a segurança durante as manifestações.
Defensorias públicas em diferentes estados anunciaram que farão plantão no sábado para atender eventuais vítimas de agressão. A Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap) também acompanhará os protestos.
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