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Eleições 2018: As falhas nos programas de Bolsonaro e Haddad, segundo especialistas em educação

Nathalia Passarinho - Da BBC News Brasil em Londres

22/10/2018 05h54

Melhorar a qualidade do ensino no Brasil será um dos principais desafios do futuro presidente da República. Tanto Jair Bolsonaro (PSL) quanto Fernando Haddad (PT) afirmam, em seus programas de governo, que darão atenção especial à área da educação. Mas cada um tem ideias bem diferentes do que seriam melhorias nesse setor e dos caminhos a serem seguidos para alcançar um salto de qualidade.

Bolsonaro sugere que os atuais recursos aplicados em educação já dariam conta de melhorar o sistema de ensino. Já Haddad quer viabilizar a meta de destinar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) à educação.

O candidato do PSL fala em foco no ensino fundamental, médio e técnico. E apresenta como uma das principais propostas abrir uma escola militar por capital. O do PT diz que a ênfase deve ser no ensino médio, com a transferência da gestão dos Estados para o governo federal.

E enquanto Bolsonaro quer impedir ações de educação sexual nas escolas e menções ao termo "identidade de gênero" nas diretrizes curriculares, Haddad propõe adotar políticas contra a discriminação a alunos LGBT+.

Analistas em educação analisaram, à pedido da BBC News Brasil, as ideias dos dois candidatos e apontaram alguns retrocessos.

Do programa de Bolsonaro, as ideias que mais preocupam os analistas são: promover educação à distância em áreas rurais, inclusive para crianças no ensino fundamental; 'militarizar' o ensino, com a reintrodução de disciplinas que existiam durante a ditadura militar e a abertura de escolas militares; e o foco em "português, matemática em ciência".

Do de Haddad, alguns especialistas questionam a "federalização" do ensino médio e a revogação por completo da medida provisória do governo Michel Temer de reforma dessa etapa de ensino.

Veja abaixo as opiniões dos analistas sobre os principais pontos dos programas de governo dos dois candidatos:

10% do PIB x estagnar investimentos

O projeto de governo de Fernando Haddad propõe a criação de um "novo padrão de financiamento" da educação, para progressivamente alcançar a meta de investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no setor.

Atualmente, são investidos cerca de 5% do PIB em educação. Já o programa de Bolsonaro diz que com os recursos que o país já tem é possível fazer "muito mais", dando a entender que não há necessidade de novos investimentos.

Para os especialistas, as propostas vão de "8 a 80". Por um lado, no atual cenário de desequilíbrio fiscal do país, não parece "factível" a meta de destinar 10% do PIB à educação. Por outro, estagnar os investimentos impediria melhorias efetivas na qualidade do ensino.

"Bolsonaro coloca que basta boa gestão para melhorar os investimentos. Mas não é suficiente só boa gestão. Claro que, na falta de recursos, alguns programas podem deixar de ser feitos. Mas não tem como avançar sem investir em formação de professor e atratividade da carreira. E essas duas medidas custam caro", diz a professora Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"Agora, 10% do PIB eu não consigo enxergar acontecendo no curto prazo, porque vai ter que ter gasto em saúde, segurança, e no social, como Bolsa Família. Tenho dúvidas de como efetivar essa meta", completa Costin, que foi diretora do departamento de educação do Banco Mundial.

Prioridade ao ensino médio

O programa de governo de Haddad destaca que de cada 100 jovens que ingressam na escola, só 59 concluem o ensino médio e diz que será dada prioridade a essa etapa de ensino.

O petista defende a criação do Programa de Ensino Médio Federal, para que o governo federal se responsabilize por escolas situadas em "regiões de alta vulnerabilidade". Também propõe ampliar vagas nos institutos federais de educação.

Priscila Cruz, da ONG "Todos pela Educação", diz que, de fato, é importante dar atenção especial ao ensino médio. Mas, para ela, a estratégia defendida por Haddad não é a mais eficiente.

"Os institutos federais tem seleção para o ingresso de alunos, tem um custo maior e são poucos. Eles dão certo porque são exclusivos. Quando a gente massifica o modelo, a gente perde a qualidade porque o que está segurando a qualidade são os próprios alunos", diz.

"A gente defende o modelo do ensino médio em tempo integral, que está tendo bons resultados em Pernambuco e no Ceará. É um modelo mais compatível com a realidade fiscal do país."

Cláudia Costin também elogia o foco no ensino médio, mas vê com reservas as ideias de "federalização".

"Quando a gente fala em federalizar a educação, eu tenho uma certa preocupação, porque o Brasil é grande e diverso. Ter um ensino médio federal me pareceu ser uma forma de fugir da discussão, inclusive interna no PT, de como deve ser o formato do ensino médio", afirmou Costin, em referência ao debate sobre quais disciplinas devem ser incluídas como obrigatórias no ensino médio.

Foco no ensino fundamental e técnico

Bolsonaro, por sua vez, defende, no programa de governo, "inverter a pirâmide", para que a maior parte dos investimentos federais vá para o ensino fundamental, em vez do ensino superior. Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o texto sugere um remanejo de recursos, com redução dos gastos na formação universitária. Para eles, isso seria equivocado.

"Não estamos investido muito no ensino superior. Estamos é investindo pouco na educação básica", diz a professora da Catarina de Almeida Santos, do Departamento de Planejamento e Administração da Universidade de Brasília (UnB)

Ela argumenta que uma eventual redução de investimentos no ensino superior seria incompatível com outra meta do programa de Bolsonaro - a de desenvolver tecnologia e inovação.

"O programa fala em desenvolvimento tecnológico. Como fazer isso sem investir nas universidades e em inovação?", questiona.

Pesquisa de 2017 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que o Brasil é um dos países que menos gastam com alunos do ensino fundamental e médio, mas as despesas com estudantes universitários se assemelham às de países europeus.

No seu programa de governo, o candidato do PSL diz que será dada "prioridade ao ensino básico, médio e técnico". Claudia Costin chama atenção para o fato de o partido de Bolsonaro confundir as terminologias oficiais sobre as etapas de ensino.

"O ensino básico engloba o ensino fundamental e médio. Isso ja revela um desconhecimento das etapas de ensino, conforme a nossa lei", afirma a ex-diretora de educação do Banco Mundial.

As especialistas também criticam a falta de detalhes sobre as medidas que devem ser adotadas para melhorar ensino básico e técnico. "São metas óbvias. A educação infantil pode ser determinante para os resultados que esse aluno terá no futuro. E a educação profissional é importante, até porque só 10% dos alunos brasileiros seguem para as universidades", diz a educadora Priscila Cruz, do Todos pela Educação.

"Mas a forma como ele coloca é muito vago. O que é, para ele, política de primeira infância?"

Ensino à distância para crianças e em áreas remotas

A proposta que mais preocupa as especialistas ouvidas pela BBC News Brasil é a de promover ensino à distância em áreas remotas. Em entrevistas, Bolsonaro defendeu aulas não presenciais até para crianças do ensino fundamental. Sem dar detalhes, ele disse que essa metodologia ajudaria a "combater o marxismo".

"Conversei muito sobre ensino a distância. Me disseram que ajuda a combater o marxismo. E você ajuda a baratear. No fundamental, médio, até universitário... Todos podem ser à distância, depende da disciplina. Fisicamente, o aluno vai em época de prova ou para aula prática", afirmou ele em 8 de agosto, em entrevista a jornalistas, em Brasília.

Para Claudia Costin, da FGV, ensino à distância pode ser usado de maneira complementar no ensino médio, como ocorre em regiões da Amazônia. Mas nunca no ensino infantil e fundamental, quando são desenvolvidas competências psicossociais- como capacidade de lidar com frustrações, desenvolver empatia, conviver com o diferente, etc.

"Não é errado incluir tecnologia no ensino. Mas educação não é só o que o professor ensina, é a interação social que a escola proporciona, o convívio com outras crianças. Na Amazônia, em áreas remotas, tem transmissão em vídeo de aulas de física e química. Mas há também a presença de um professor generalista para garantir interações entre os alunos", disse.

"Bolsonaro ganharia muito em conhecer essa experiência. Mas ela não vale para ensino fundamental e infantil, etapa em que é essencial garantir o convívio entre os alunos, para desenvolver competências sócio-emocionais, como empatia pelo próximo."

A professora Catarina de Almeida Santos, da UnB, afirma que educação à distância é interessante para a formação continuada de professores, cursos técnicos e de especialização. Mas não como substituto do ensino presencial de crianças e adolescentes.

"O processo de educação é um processo de socialização, de aprendizagem com o outro, de interação. E é no ensino fundamental que se deve aprender a respeitar as diferenças, a conviver. Todos os grandes pedagogos e sociólogos do mundo dirão isso."

Revogação da reforma no ensino médio

O programa de governo de Fernando Haddad propõe a revogação da reforma do ensino médio feita pelo governo Michel Temer em 2016. Na época, houve críticas pelo fato de a reforma ter sido feita por medida provisória e não por projeto de lei, mas a MP acabou sendo aprovada com modificações pelo Congresso Nacional.

Para Cláudia Costin, da FGV, e Priscila Cruz, da ONG "Todos pela Educação", revogar por completo a reforma seria um retrocesso. Para elas, mudanças podem ser feitas na elaboração da Base Nacional Curricular do Ensino Médio, que ainda não foi concluída e está em debate no Ministério da Educação.

Entre outros pontos, a reforma do ensino médio flexibiliza o conteúdo que será ensinado aos alunos, muda a distribuição das 13 disciplinas tradicionais ao longo dos três anos do ciclo, dá novo peso ao ensino técnico e incentiva a ampliação de escolas de tempo integral.

"Eu também fui contra a reforma por medida provisória, mas o fato concreto é que precisava diminuir o número de disciplinas do ensino médio. Nenhum país primeiro colocado no Pisa (exame da OCDE que avalia a qualidade do ensino no mundo) tem 13 disciplinas para quatro horas de aula. É uma fragmentação do conhecimento de forma exagerada. A gente perderia muito tempo dos alunos revogando a reforma do ensino médio", diz Costin.

O texto da reforma do ensino médio determinou que 60% da carga horária seja ocupada obrigatoriamente por conteúdos comuns da Base Nacional Curricular (que ainda não foi definida), enquanto os demais 40% serão optativos, conforme a oferta da escola e interesse do aluno. As escolas deverão oferecer ao menos um destes quatro "intinerários optativos": matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional.

"O central é pensar como implementar a reforma sem precarizar o ensino médio, garantindo principalmente a ampliação da educação em tempo integral. Somos contra revogar", completa Priscila Cruz.

Mais colégio militar e a volta da 'Educação moral e cívica'

Boa parte do trecho do programa de governo de Bolsonaro sobre educação é dedicado a criticar o que ele chama de "doutrinamento" nas escolas, a "sexualização precoce" e a "indisciplina".

Como solução, ele menciona a abertura, em dois anos, de um colégio militar por capital de estado e a inclusão, no currículo escolar, das matérias educação moral e cívica (EMC) e organização social e política brasileira (OSPB), disciplinas herdadas da ditadura militar.

Para Priscila Cruz, a abertura de escolas militares não teria impacto algum nos indicadores de qualidade da educação brasileira como um todo.

"Isso está a léguas de distância de resolver o problema da educação. Pode funcionar como outdoor, mas é uma vírgula numa gestão educacional. Está faltando percepção de escala e ambição", afirma.

A educadora destaca que o custo por aluno das escolas militares (R$ 19 mil) é três vezes maior que o de alunos de outras escolas públicas (R$ 6 mil). Segundo ela, colégios públicos do Ceará e Pernambuco que investiram em ensino em tempo integral, com capacitação técnica e foco em atividades sociais e artísticas, apresentaram, a um custo menor, resultados melhores em qualidade de educação e em notas no Pisa e Ideb (avaliações que medem a qualidade do ensino).

Mas é a ideia de reintroduzir disciplinas da época da ditadura militar que gerou maior questionamento entre as especialistas. Para Claudia Costin, ex-diretora de educação do Banco Mundial, noções de patriotismo podem ser incluídas em discussões de outras disciplinas, como história, sociologia e filosofia.

"Não basta dar aula de educação moral e cívica para resolver do problema de corrupção e indisciplina no Brasil. Todos os políticos que estão aí tiveram essas aulas. Eles são da época do regime militar. Não é incluindo disciplinas que se resolve o problema ético e moral. Isso tem que ser discutido em todas as disciplinas."

A professora Catarina de Almeida Santos, da UnB, argumenta que a existências dessas disciplinas fazia sentido no regime militar, mas não no regime democrático. "Essas matérias eram coerentes com a ordem militar vigente naquela época, em que se preconizava a obediência à ordem sem questionamentos, tentava-se preparar os indivíduos para respeitar a ordem estabelecida. Se quisermos voltar a pensar de acordo com a ordem militar, está coerente. Mas, para a sociedade atual, isso não faz sentido", diz ela.

Educação sexual x sexualização

As especialistas apontam que tanto Haddad quanto Bolsonaro fazem confusão, nos seus programas de governo, ao se referirem ao que consta na base nacional curricular sobre identidade de gênero e educação sexual.

O candidato do PT afirma que fará mudanças no texto "para retirar imposições obscurantistas" e diz que o governo vai "implementar programas e ações de educação para a diversidade e enfrentamento ao bullying".

Já Bolsonaro afirma que o método de ensino tem que "mudar para evitar a sexualização precoce". Cláudia Costin destaca que não há qualquer referência "obscurantista" ou não a gênero na base curricular, nem previsão de educação sexual.

"O Bolsonaro disse que quer rever o currículo escolar para tirar questões de identidade de gênero que nem estão na base curricular. O Haddad fala em imposições obscurantistas sendo que também não consta isso lá. Na verdade, a intenção do Haddad seria incluir questões de gênero e educação sexual", afirma.

"As pesquisas não mostram que educação sexual leva a uma sexualização precoce. Ao contrário, vários casos de pedofilia foram descobertos depois que as crianças receberam educação sexual e reportaram aos professores o que os parentes faziam em casa. A televisão e a internet estão, de fato, levando a uma sexualização precoce. Talvez a melhor forma de combater isso é com uma boa educação sexual."

Valorização dos professores

Tanto Bolsonaro quanto Haddad falam em valorizar os professores, o que, para as especialistas ouvidas pela BBC News Brasil deve ser o principal foco de qualquer política educacional.

O petista defende fortalecer o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), para que alunos de cursos presenciais com interesse no magistério se dediquem ao estágio em escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício da profissão na rede pública.

O plano fala que retomará a Rede Universidade do Professor, programa criado para oferecer vagas de nível superior para a formação inicial e continuada de professores da rede pública, para que possam se graduar nas disciplinas que lecionam.

Haddad diz ainda que vai implementar a chamada Prova Nacional para Ingresso na Carreira Docente para candidatos à carreira de professor das redes públicas de educação básica.

Em seu programa de governo, Jair Bolsonaro fala em aumentar a qualificação de professores, sem posterior detalhamento entre as propostas.

Para Cláudia Costin, os dois candidatos poderiam ir além, estabelecendo uma certificação nacional para os professores e instituindo uma nota de corte no Enem para cursos de licenciatura e pedagogia. A especialista ainda chama a atenção para a necessidade de criar planos de carreira atrativos e garantir salários mais competitivos.

Sobre a diferença fundamental entre os programas de Haddad e Bolsonaro, Priscila Cruz, da ONG Todos pela Educação, resume:

"O Haddad, pela experiência de sete anos como ministro da educação, domina mais essa área. O programa dele, mesmo não tendo detalhamento, está na direção de melhorar o patamar da educação. O programa do Bolsonaro vai mais na direção do tipo de educação que o Brasil deveria ter e menos no que deve ser feito para melhorar a qualidade, ao defender a disciplina militar, um foco em ter mais português, matemática e ciência, sem educação sexual. Há uma diferença fundamental de como o valor educação está colocado para cada um".