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Coaf, o órgão de 37 servidores que gerou mil relatórios para Lava Jato e pôs ex-assessor de Flávio Bolsonaro sob suspeita

27.nov.2018 - Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro em Brasília - Adriano Machado - 27.nov.2018/Reuters
27.nov.2018 - Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro em Brasília Imagem: Adriano Machado - 27.nov.2018/Reuters

Mariana Schreiber - Da BBC News Brasil em Brasília

13/12/2018 09h12

Entenda como funciona o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e como ele chegou à família do presidente eleito.

Coaf, a sigla para Conselho de Controle de Atividades Financeiras, se tornou fonte de desgaste para o governo de Jair Bolsonaro antes mesmo de sua gestão começar, em primeiro de janeiro de 2019.

O órgão, de apenas 37 funcionários, é parte do Ministério da Fazenda, e é responsável por produzir relatórios sobre transações financeiras suspeitas e já enviou à operação Lava Jato no Paraná mais mil comunicações desse tipo nos últimos anos, além de alimentar também desdobramentos dessa investigação em outros Estados.

Foi justamente um desses desdobramentos, a Operação Furna da Onça, que levou o órgão a analisar transações de servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), inclusive no gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente eleito.

O Coaf identificou então movimentações suspeitas que somam R$ 1,2 milhão na conta de um ex-motorista do parlamentar, que inclui um cheque de R$ 24 mil na conta da futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Fabrício Queiroz ainda não se manifestou sobre as transações em sua conta, enquanto Jair Bolsonaro disse que o cheque era pagamento por um empréstimo. O relatório não é prova de ilegalidade - cabe ao agora Ministério Público apurar se houve crime.

Nos últimos dias, circulou no WhatsApp uma mensagem segundo a qual o novo governo iria demitir 180 servidores petistas que trabalhavam no Coaf, com salários de R$18 mil a R$ 61 mil. A mensagem é falsa.

Entenda em seis pontos o funcionamento do órgão e como ele tem contribuído para investigações anticorrupção, incluindo o escândalo do Mensalão, em 2005, até mais recentemente na Lava Jato.

1. Como funciona o Coaf?

O Coaf foi criado em 1998 seguindo uma tendência mundial, a partir do entendimento de diversos países da necessidade de uma entidade que faça o meio de campo entre instituições financeiras e lojas de itens de luxo (que podem identificar transações suspeitas) e órgãos de investigação como o Ministério Público e as polícias (que não têm a linguagem do sistema financeiro).

As instituições que registram operações vultosas - como bancos, corretoras, joalherias, concessionárias de automóveis e até empresas que agenciam atletas - foram então obrigadas legalmente a enviar informações ao Coaf sempre que detectarem transações altas em dinheiro vivo ou movimentações com indícios de irregularidades. Caso não façam isso, podem perder a autorização para operar e pagar multa de até R$ 20 milhões.

O repasse de informações deve ser automático em alguns casos, como operações em dinheiro acima de R$ 50 mil, ou quando houver movimentação atípica - um valor que fuja do padrão de transações do cliente ou seja incompatível com seus rendimentos.

A joalheria H.Stern, por exemplo, descumpriu suas obrigações ao não informar compras suspeitas envolvendo o ex-governador do Rio Sergio Cabral, hoje preso pela Lava Jato. Os donos da empresa acabaram fechando acordo de delação premiada e aceitaram pagar parceladamente um total de R$ 18,9 milhões em multas.

A partir dos dados recebidos eletronicamente, os servidores analisam as informações e produzem relatórios caso identifiquem indícios de ilegalidade - esses documentos são enviados para outros órgãos, como Receita Federal, Ministério Público e polícias.

Parte dos relatórios são produzidos por iniciativa do Coaf e a maiora deles (mais de 70%) a partir da demanda direta dos organismos de investigação. Foi o caso do relatório que atingiu a família Bolsonaro, produzido a partir do pedido do Ministério Público Federal para que fossem analisadas operações de servidores da Alerj.

A resposta do Coaf informa que o banco de Queiroz comunicou as transações realizadas entre 2016 e 2017 por serem "incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira" dele. O ex-servidor recebia salário de R$ 8.517 no gabinete de Flávio Bolsonaro ao se exonerar em outubro deste ano, e acumulava rendimentos mensais de R$ 12,6 mil da Polícia Militar.

Também chamaram a atenção dos analistas do Coaf as transações realizadas entre Queiroz e outros funcionários da Alerj, inclusive sua filha Nathalia, que em dezembro de 2016 saiu do gabinete de Flávio Bolsonaro para trabalhar no de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados.

Além do ex-motorista de Flávio Bolsonaro, o Coaf identificou operações atípicas de auxiliares de outros 20 deputados da Alerj, de 12 partidos, entre eles DEM, MDB, PSDB e PT.

2. Quais os números do Coaf?

O Coaf recebe um volume muito alto de informações por meio do seu sistema eletrônico e tem uma equipe de apenas 37 servidores, considerada insuficiente para processar todos os dados.

Em 2018, até 11 de dezembro, havia mais de 2,9 milhões de comunicações - 2,5 milhões tratavam de operações em espécie, enquanto o restante eram transações eletrônicas suspeitas.

Neste ano, já foram produzidos 7.055 relatórios, com base em 320.867 comunicações, que envolvem 363.610 pessoas.

"O Coaf é até bem aparelhado tecnologicamente, mas a equipe é muito pequena", avalia Rubens Angelini, membro do Instituto para Prevenção da Lavagem de Dinheiro (IPLD) e do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) da Polícia Civil de São Paulo.

3. Qual a composição do Coaf?

A instância principal do Coaf, o plenário, é formada pelo presidente do órgão, e mais onze conselheiros, nomeados pelo ministro da Fazenda entre servidores concursados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), Polícia Federal, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Receita Federal do Brasil, Superintendência de Seguros Privados e Ministério da Fazenda.

O presidente do Coaf é nomeado pelo presidente da República, após indicação que partia do ministro da Fazenda. No governo de Bolsonaro, como o órgão passará para o Ministério da Justiça, o futuro chefe da pasta, Sergio Moro, indicou Roberto Leonel de Oliveira Lima para comandar o Coaf. Ele é hoje chefe da área de investigação da Receita Federal em Curitiba.

4. Quais os limites e trunfos do Coaf?

O Coaf não é um órgão de investigação e não pode solicitar a instituições financeiras informações específicas sobre determinada pessoa, o que dependeria de decisão judicial autorizando quebra de sigilo bancário ou fiscal. Sua equipe apenas analisa o banco de dados alimentado pelas comunicações sobre operações suspeitas. Dessa forma, o Coaf pôde produzir um relatório sobre o servidor de Bolsonaro porque elas já estavam no sistema.

Por outro lado, ressalta Rubens Angelini, o fato de o Coaf possibilitar acesso a um rico conjunto de transações suspeitas sem necessidade de investigação prévia e autorização judicial, permite aos órgãos de investigação acessar informações valiosas para o combate ao crime de forma ágil.

"A comunicação ágil do Coaf viabiliza a busca e apreensão de valores. Isso é muito importante, pois é tirando o dinheiro que se quebra o crime organizado", nota Angelini.

5. Em que operações o Coaf já colaborou?

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tentou desviar o foco das suspeitas contra a família Bolsonaro acusando o Coaf de não ter contribuído em investigações de corrupção nos governos do PT.

"Onde é que estava o Coaf no mensalão? Onde estava o Coaf no petrolão? Esse é o ponto", foi como respondeu a uma pergunta feita pela jornalista.

Desde sua criação, porém, o Coaf já gerou 39 mil relatórios sobre operações suspeitas. No caso do Mensalão, por exemplo, foram 44 documentos em 2005 e 2006. Um deles mostrava que Marcos Valério, posteriormente condenado como operador do esquema, movimentou em dinheiro mais de R$ 70 milhões entre 2003 e 2005.

Já na Lava Jato, o Coaf identificou em 2015 que empreiteiras pagaram quase R$ 10 milhões por palestras do ex-presidente Lula. Os lucros obtidos pelo petista foram usados por Moro para calcular a multa aplicada na condenação dentro do processo do tríplex do Guarujá. Lula nega que tenha beneficiado empreiteiras ilegalmente e afirma que todos os ganhos com palestras foram declarados à Receita Federal.

Mas as informações do Coaf não servem apenas para detectar atos de corrupção. Qualquer crime que envolva movimentação financeira pode gerar transações suspeitas que caiam no sistema do órgão, até mesmo o pagamento por um homicído encomendando, ressalta Angelini.

Uma promessa que vem sendo feita por Moro é aumentar o uso do Coaf para combater organizações criminosas, como as envolvidas no tráfico de drogas.

Em 2006, depois que o Primeiro Comando da Capital (PCC) promoveu uma série de ataques em São Paulo, o Coaf produziu um relatório a pedido das autoridades paulistas, apontando movimentação de ao menos R$ 36,6 milhões entre novembro de 2005 e setembro de 2006 em contas bancárias de centenas de pessoas que seriam ligadas à facção criminosa.

6. O que significa a ida do Coaf para a pasta de Sergio Moro?

Quem acompanha de perto a atuação do Coaf se divide sobre se a sua transferência para o Ministério da Justiça é a melhor decisão.

A advogada especializada na área financeira Mércia Carmeline, ex-diretora executiva do Banco Espírito Santo e atual sócio do escritório FBC, considera que o mais adequado é o órgão continuar na Fazenda. Ela ressalta que o Coaf brasileiro dialoga com órgãos semelhantes de outros países e isso se dá por meio do Ministério da Fazenda, por tratar de operações financeiras.

"O Ministério da Justiça não tem nada a ver com isso. Não vejo sentido algum na mudança", diz.

Os que criticam a transferência ressaltam que na Fazenda o órgão fica mais próximo da Receita Federal.

Apesar disso, o diretor de Estudos da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores da Receita), Mauro Silva, vê com bons olhos a ida do Coaf para a supervisão de Moro. Ele espera que o prestígio do futuro ministro da Justiça permita que ele traga mais verba para ampliar o Coaf.

"Com vontade política e disposição, os recursos aparecem", afirma.

Silva também considera que Moro impedirá ingerências no órgão. "Se isso ocorrer, acredito que ele e o Roberto Leonel (anunciado presidente do Coaf) deixam o governo", disse ainda.

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