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Brasil "invisível" sofre há anos com céu escuro e chuva preta

Vinícius Lemos - De Cuiabá para a BBC News Brasil

22/08/2019 08h25

Situação que assustou paulistas nesta semana é registrada com frequência em outras regiões e capitais brasileiras.

O céu escuro em plena tarde de segunda-feira (19/08) assustou moradores de diversas partes do Estado de São Paulo. Um dos principais motivos para isso, segundo especialistas, foi o aumento nos números de queimadas no Brasil. A situação que assustou os paulistas é registrada com frequência em outras regiões brasileiras.

"Céu? Aqui não tem, só temos fumaça", ironiza o físico Artur Moret, pesquisador da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Ele mora em Porto Velho (RO). "Quando parou de chover por aqui, há mais ou menos dois meses, as queimadas tiveram início, e o céu começou a ficar assim", lamenta, em conversa com a BBC News Brasil.

Em capitais como Cuiabá (MT), Manaus (AM) e Rio Branco (AC), os dias opacos se tornaram comuns. Há também relatos de céu cinza em cidades de outros estados, como em Corumbá (MS). A principal causa, segundo especialistas, é o aumento dos focos de queimadas pelo Brasil, que se intensificam entre o período de julho e setembro.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 2019 é o ano com mais focos de incêndio nos últimos sete anos.

O Inpe registrou 74,1 mil focos de incêndio no Brasil neste ano - os dados, atualizados diariamente, foram consultados na quarta-feira (21). O número representa aumento de 84% quando comparado ao ano passado, que teve 40,1 mil focos de incêndio entre janeiro e dezembro.

Os estados com mais queimadas são Mato Grosso (14 mil), Pará (9.818), Amazonas (7.150), Tocantins (5.776) e Rondônia (5.604). Os cinco compõem a Amazônia Legal, com áreas de Floresta Amazônica.

Uma pluma de fumaça, oriunda da região amazônica, e incêndios em países vizinhos, como Bolívia e Paraguai, são apontados por especialistas como principais motivos para a coloração acinzentada do céu em diversas cidades.

A fuligem associada à baixa umidade deste período do ano traz um aumento de casos de doenças respiratórias e outras mazelas.

Os dias opacos, que se tornaram constantes em diversas cidades brasileiras, são os efeitos mais visíveis do problema.

"O céu acinzentado por queimadas está presente, principalmente, em estados do Norte e do Centro-Oeste do Brasil, além do interior de São Paulo. Excepcionalmente [neste ano], até áreas do Sul têm obscurecimento do céu por queimadas", explica a meteorologista Estael Sias, diretora da empresa MetSul Meteorologia.

Dias opacos

O físico Alexandre Correia, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que a fuligem causada pelas queimadas pode atingir todo o Brasil. "A fumaça das queimadas não fica restrita a uma localidade. Ela é transportada pelo vento e se espalha por uma grande área. As regiões mais afetadas dependem do modo como a fumaça é dispersada pelo vento", justifica.

"De um modo geral, a fumaça atinge todas as regiões do Brasil nesta época do ano, mas com intensidade diferente, e variável diariamente de acordo com os ventos", afirma.

Em casos de muita fumaça, é possível perceber claramente, por meio de satélites, a redução na intensidade de luz solar que chega ao solo daquela região. "Trata-se qualitativamente do mesmo efeito que se observa quando há névoa numa região: a luz do sol não chega à superfície, ela é espalhada de volta ao espaço ou absorvida pela fumaça", diz Correia.

Imagens de satélites da Nasa neste mês mostram uma densa camada de fumaça sobre os estados de Rondônia e Amazonas, causadas pelo expressivo aumento das queimadas na região amazônica.

Água escura

Uma chuva que atingiu São Paulo, após a escuridão da última segunda-feira, mostrou, segundo moradores, outro exemplo das consequências das queimadas no Brasil: a água que caiu na região estava escura e cheirava a queimado.

O líquido, que foi recolhido em garrafas por diversos moradores, foi encaminhado para análise. Conforme o portal G1, uma análise preliminar do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) confirmou a presença de uma substância marcadora de queimada na água da chuva.

"É possível que parte da fuligem (o nome correto tecnicamente seria aerossol) de queimadas tenha sido distribuído pelas nuvens, e assim precipitado juntamente com a chuva", opina o físico Alexandre Correia.

"Somente análises químicas podem confirmar, mas a causa muito provável é que a densa pluma de fumaça interagindo com as nuvens de chuva tenham gerado a precipitação escura. Estações de monitoramento da Sabesp não indicavam qualidade do ar ruim, logo poluição tradicional está descartada. Queima de vegetação, descreve a literatura técnica, produz carbono negro, que, muito provavelmente, se precipitou junto com a chuva, gerando o líquido escurecido visto nas redes sociais", diz a meteorologista Estael Sias.

Para se ter certeza de que houve influência das queimadas na cor da água da chuva, é necessário aguardar a conclusão da análise do líquido.

Preservação

Para especialistas, os efeitos cada vez mais visíveis das queimadas denunciam um descuido na preservação ambiental. Para eles, os efeitos negativos devem piorar com o tempo, caso não sejam adotadas políticas públicas de conservação.

"Para além do efeito de se alterar a aparência do céu, é importante lembrar de outros efeitos muito mais significativos, como o impacto sobre a saúde das pessoas que se encontram em áreas afetadas pelas queimadas e pela fumaça. Esses efeitos são significativos e causam aumento de internações e mortalidade numa fração da população, principalmente crianças e idosos", ressalta Alexandre Correia.

"Outro efeito importante é o impacto climático que essas emissões podem causar, como a emissão de gases de efeito estufa causado pelo ser humano, que contribuem para o aquecimento global", completa o físico.

A política ambiental do presidente Jair Bolsonaro (PSL) recentemente levou ao bloqueio do Fundo Amazônia - uma reserva de dinheiro doado internacionalmente para projetos de preservação da floresta - e é duramente criticada por estudiosos.

Caso não haja mudanças na área, segundo especialistas, os próximos anos poderão ser ainda piores.

"O Governo está cortando recursos para combater o desmatamento. A fiscalização não tende a melhorar. Tomaram medidas como o corte de recursos do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] e perderam o Fundo Amazônia. Então, sem dúvidas, a tendência é piorar", diz Artur Moret.

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