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O 'mistério' dos navios petroleiros chineses que desaparecem dos radares no Golfo Pérsico

Lioman Lima

05/09/2019 17h02

Um "triângulo das Bermudas" no Golfo Pérsico?

Desde maio passado, grandes navios que cruzam o Estreito de Ormuz desaparecem misteriosamente dos sistemas de posicionamento global.

Não tem nada a ver com os navios-tanque que sofreram ataques naquela área ou com aqueles que a Guarda Revolucionária Iraniana apreendeu durante o verão.

São navios grandes que "se perdem" e geralmente aparecem no mesmo ponto - ou fora do Golfo - vários dias depois.

Uma grande parte deles tem a China como origem ou destino, mas nem sempre.

golfo - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
Muitos navios não estão mais transmitindo seus sinais no Golfo Pérsico e em outros mares próximos
Imagem: Getty Images/BBC

Nesta semana, um navio iraniano - o mesmo que a Marinha britânica reteve em Gibraltar em julho - desapareceu dos sistemas na costa da Síria, no Mediterrâneo.

"Desde maio, isso acontece o tempo todo", disse à BBC News Mundo Samir Madani, co-fundador do TankerTrackers.com, um site global de monitoramento de navios-tanque.

É, segundo Madani e outros especialistas consultados pela BBC News Mundo, uma nova tendência nessa área do mundo e também em outros mares próximos.

Em junho, um pequeno navio-tanque chinês se aproximou do Golfo Pérsico após 19 dias de viagem, desapareceu dos monitores por quase uma semana e depois reapareceu no mesmo ponto em que seu sinal havia sido perdido.

Antes e depois dessa data, outros navios de grande escala pararam de transmitir suas posições por dias, também na mesma área.

De fato, de acordo com dados do TankerTrackers.com, nos últimos 20 meses, cinco navios que navegam regularmente entre a China e o Golfo Pérsico fizeram cerca de 50 paradas nos portos da região, mas em outras 28 ocasiões desapareceram dos radares por dias ou semanas.

Segundo o site de monitoramento, todos os casos tinham um fator em comum: os navios, independentemente de sua bandeira, entravam no Irã.

O GPS dos barcos

Rockford Weitz, diretor de Estudos Marítimos da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, explica à BBC Mundo que, para garantir a segurança da navegação, grandes embarcações comerciais transmitem sua posição a cada poucos segundos por meio de um método conhecido como Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês).

Isso permite que outros navios saibam sua posição - e, portanto, evitem colisões - e possam ser monitorados o tempo todo, como é o caso dos aviões.

E, de acordo com o especialista, embora existam outros métodos, como radares ou satélites, as mensagens AIS, que contêm informações como nome do navio, localização e velocidade, continuam sendo o método mais comum para rastrear embarcações comerciais.

"Os regulamentos da Organização Marítima Internacional (IMO) exigem que as mensagens AIS sejam transmitidas por qualquer grande embarcação comercial", diz ele.

No entanto, James R. Holmes, especialista em estratégia marítima no Colégio Naval dos Estados Unidos, ressalta que, embora as convenções internacionais exijam que os navios não desativem suas posições, "não há uma fiscalização internacional para punir essas infrações".

"Isso se tornou um problema nos acidentes ocorridos em 2017 com navios da Marinha dos EUA no Pacífico. Uma das conclusões da investigação foi que nossos navios não transmitiram suas posições e, portanto, não estavam visíveis a navios mercantes", ele diz à BBC.

Holmes acredita que, embora a estratégia tenha sido frequentemente praticada por navios militares, é mais raro ocorrer em frotas comerciais.

No entanto, ele diz, é muito difícil controlar.

"O mar é uma vasta planície sem estradas onde um navio pode se perder se decidir não notificar ativamente outras pessoas sobre seu paradeiro, mas um navio pode 'escurecer' simplesmente desligando o transponder e outras emissões eletrônicas, como radiocomunicação", acrescenta.

Madani, por outro lado, ressalta que em algumas áreas do mundo, o alto congestionamento no tráfego marítimo pode causar a perda temporária do sinal de um navio.

"Mas o que vemos no Golfo Pérsico é diferente. Temos certeza de que aqui os navios param de transmitir o sinal intencionalmente", diz ele.

'Barcos fantasmas'

Em meados de maio passado, o Bravo do Pacífico, um navio que parece pertencer ao Banco de Kunlun (de origem chinesa e que foi alvo de sanções dos EUA por supostamente cooperar com o governo do Irã) reapareceu no Golfo Pérsico alguns dias depois de ter sumido de todos os radares.

Foi então que o TankerTrackers revelou algumas imagens de satélite que começaram a explicar o que estava acontecendo (e o que muitos especialistas já supunham): o navio, de fato, estava carregando petróleo no Irã.

"Desde que as sanções dos EUA contra o Irã voltaram, vimos que esse fenômeno tem aumentado", acrescenta Madani.

"Para evitar as sanções dos Estados Unidos, os petroleiros usados para negociar com o Irã não estão mais transmitindo suas posições. Eles fazem isso de propósito", diz Madani.

Em outros casos - os mais frequentes segundo o especialista - são os próprios petroleiros iranianos que param de transmitir seus dados, como aparentemente aconteceu nesta semana na qual alguns foram perdidos na costa da Síria.

"Temos informações confiáveis ??de que o navio-tanque está circulando e está indo para Tartus, na Síria", escreveu o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, no Twitter, na semana passada, dois dias antes do desaparecimento do navio.

De fato, o Departamento do Tesouro dos EUA incluiu o navio em sua "lista negra", depois de garantir ter "informações confiáveis" de que o Adrian Darya (ex-Grace 1) estava transportando petróleo para a Síria, desafiando as sanções contra Teerã e contra o governo de Bashar al-Assad.

As alternativas

Embora, sob a lei internacional, não seja ilegal comprar ou transportar petróleo iraniano e as sanções da Casa Branca sejam unilaterais, muitas empresas internacionais tendem a respeitá-las para evitar possíveis punições de Washington.

Mas, de acordo com Bjarne Schieldrop, analista-chefe do grupo financeiro norueguês SEB, isso não implica que essas empresas ou o próprio Irã busquem alternativas.

"Não acho que esteja claro que tipo de métodos o Irã usaria para driblar as sanções e continuar exportando seu petróleo. Mas desligar os transponders de navios é uma escolha óbvia", disse Schieldrop à BBC News Mundo.

Segundo o analista do mercado de petróleo, ao sofrer sanções dos EUA por tantos anos, o Irã aperfeiçoou "a arte de continuar exportando petróleo".

"A exportação de petróleo por meio do Iraque tem sido frequentemente mencionada como outra maneira que o Irã encontrou, mas é algo que não conseguimos confirmar", diz ele.

Madani, entretanto, observa que sua empresa detectou outras formas.

Aparentemente, alguns petroleiros chineses mudaram seus nomes (os iranianos também o fizeram, como quando o Grace 1 mudou seu nome para Adrian Darya) e, em outras ocasiões, eles encontram iranianos em certos pontos e fazem a transferência do petróleo no meio do mar.

De fato, em julho passado, de acordo com dados e imagens de Trankerstracker, um petroleiro chinês, Tian Ying Zuo, encontrou-se perto da ilha de Penang, na Malásia, com um navio da Companhia Nacional de Petróleo do Irã que parou de transmitir seus sinais.

"O número de petroleiros iranianos fazendo isso está crescendo porque o Irã precisa de alguma forma se livrar do petróleo que obtém para que sua produção não fique estagnada", disse Madani.

De fato, um relatório de maio do SEB já previa que, desde a entrada em vigor das sanções, "uma quantidade crescente" de exportações de petróleo do Irã tentaria passar "sob o radar das sanções".

E que isso os aproximaria da China.

China e Irã

A China é o maior importador de petróleo do Irã.

As vendas para o país asiático no ano passado excederam 29,3 milhões de toneladas ou 585.400 barris por dia, de acordo com dados alfandegários obtidos pela agência de notícias Reuters.

Esse valor implica aproximadamente 6% do total de importações de petróleo de Pequim, então especialistas como Schieldrop acreditam que a China não pode - nem tem interesse político em - parar de comprar o petróleo iraniano.

"A China declarou que os EUA estão excedendo seus limites legais, que viola os direitos de Pequim de importar petróleo do Irã e que os EUA não têm o direito de impor essas restrições à China", diz ele.

De fato, em maio passado, o Ministério das Relações Exteriores da China formalmente reclamou com Washington sobre sua decisão de encerrar as isenções para as importações de petróleo iranianas e anunciou que sua cooperação com Teerã permaneceria "legal e razoável".

"Acho que foi importante para Pequim continuar importando petróleo do Irã para enfatizar seu direito legal de fazê-lo", diz Schieldrop.

"A China, como o maior importador mundial de petróleo (as importações crescem 10% ao ano), não pode aceitar que seja proibido comprar petróleo do Irã, que fica no Golfo Pérsico (a maior fonte de petróleo do mundo)" adiciona.

Se isso acontecesse, ele diz, a China seria forçada a comprar petróleo dos EUA, algo que para Pequim seria "totalmente inaceitável".

Por enquanto, ele diz, os navios continuarão a desaparecer dos monitores ou novos métodos serão encontrados para continuar evitando as sanções.