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Os 500 anos da fantástica expedição de volta ao mundo iniciada por Fernão de Magalhães

Durante a grande aventura da primeira volta ao mundo, os europeus se depararam com animais e plantas que eram uma verdadeira novidade para eles - Getty Images
Durante a grande aventura da primeira volta ao mundo, os europeus se depararam com animais e plantas que eram uma verdadeira novidade para eles Imagem: Getty Images

Marcos González Díaz - BBC News Mundo

20/09/2019 16h47

O século 16 era o pleno apogeu do que os europeus chamaram de "era dos descobrimentos".

Foi um momento da história em que Espanha e Portugal repartiam o mundo. As potências de então competiam por expandir seus territórios em um planeta que, a julgar pelas travessias como a de Colombo, em 1492, ainda guardava grandes surpresas.

Isso foi confirmado pela primeira volta ao mundo iniciada há 500 anos pelo português Fernão de Magalhães sob patrocínio da Coroa espanhola e que, sem dúvida, é uma das maiores epopéias da história da humanidade.

Passaram-se quase três anos desde aquele 20 de setembro de 1519 até que vinte sobreviventes da expedição, capitaneados pelo espanhol Juan Sebastián Elcano depois da morte de Magalhães, concluíram a duras penas sua grande façanha marítima.

Mas antes de voltarem ao ponto de partida e demonstrar por fim que a Terra era redonda, aquela tripulação de europeus ficou fascinada com uma longa lista de lugares, animais e plantas que jamais pensaram existir.

Com o aniversário de 500 anos da primeira volta ao mundo, a BBC News Mundo repassa algumas delas.

O estreito de Magalhães e outros territórios

Magalhães estava convencido de que existia um canal que conectava o mar do Norte (Atlântico) com o mar do Sul (o Pacífico, cujo descobrimento foi artribuído a Vasco Núñez de Balboa seis anos antes do início da expedição).

Assim, ao chegar à costa americana, começou a descer e descer em busca dessa conexão. Não foi fácil, e antes de conseguir eles entraram em dezenas de lugares errados, como o rio da Prata.

Por fim, em 21 de outubro de 1520 avistaram um novo canal e começaram a navegar suas profundas águas entre tormentas glaciais e fiordes. Era o estreito de Magalhães.

"Quando vemos hoje o mapa no Google Earth, fica claro que é um estreito complicadíssimo. Mas imagine naquela época: um labirinto de rochas, cheio de correntezas", descreve Adelaida Sagarra, professora de história da América na Universidade de Burgos, na Espanha.

Mas antes, Magalhães já tinha feito história como o primeiro europeu a chegar naquela região do extremo sul da América que batizariam como Patagônia, embora aquele não fosse o único lugar que essa expedição do "velho mundo" veria pela primeira vez.

Aconteceu depois, em 1521, já no Pacífico, com as Ilhas Marianas, apelidadas na época como Ilhas dos Ladrões. Magalhães deu esse nome em "homenagem" às brigas e abordagem que sofreram pelos chamorros, a população indígena do local.

Pouco depois, a expedição recorreu a um desconhecido arquipélago labiríntico no Pacífico: eram as ilhas Filipinas. Nelas, precisamente, Magalhães foi morto em combate.

Os barcos comandados pelo português chegaram ao então pouco conhecido Oceano Pacífico, e a ele deve seu nome (ao menos, assim foi como Magalhães o descreveu depois das penúrias que passaram no estreito), mas não seu descobrimento, que já havia sido identificado por Núñez de Balboa como mar do Sul.

O que se pode atribuir à expedição é a soma de milhares de quilômetros à circuferência do nosso planeta que até então não apareciam representados nos mapas.

"O cálculo não estava realmente mal feito, mas durante muitos séculos as medidas não eram homogêneas", explica Sagarra à BBC News Mundo.

"O cálculo que Magalhães fez foi o mesmo que Colombo fez, que encurtava o perímetro da Terra em 10 mil quilômetros e que, depois dessa expedição, comprovou-se que era água que pertence ao Pacífico."

Também se atribui a ele haver posto o nome que levaria a "Terra do Fogo", que estava ao sul do estreito, pelos numerosas fogueiras que os indígenas acendiam.

A grande extensão do lugar fez com que exploradores acreditassem durante anos que o que se estendia até o Polo Sul não era realmente uma ilha, mas um continente distinto.

Os 'patagones' e outras populações aborígenes

Sagarra lembra como, antes da expedição de Magalhães, ao menos em duas ocasiões se havia navegado até a desembocadura atual do rio da Prata, entre Argentina e Uruguai.

Portanto, foi rumo ao sul desse ponto onde se começou a explorar um território que já estava populado por civilizações, mas que então era totalmente desconhecido para os europeus.

Em maio de 1520, a expedição chegou à baía de Sán Julián, na costa atlântica da Argentina. Aquela parada serviu para que a tripulação tivesse seu primeiro encontro com a população aborígene daquele "novo mundo": os tehuelches.

"Um dia, veio a nós um homem de estatura gigantesca (...). Esse homem era tão alto que nossa cabeça só chegava à sua cintura", relatou o cronista da expedição, Antonio Pigafetta.

Os europeus ficaram tão surpresos pelo enorme tamanho dos pés e pegadas daqueles nativos que durante muitos séculos se acreditou que foi por isso que os chamaram de patagônios.

De fato, segundo Sagarra, nas crônicas se conta que encontraram um fêmur tão grande que o recolheram como presente para o imperador espanhol Carlos I, embora a peça nunca tenha chegado ao seu destino.

No entanto, apesar da teoria que vincula os patagônios ao tamanho de seus pés, o certo é que a origem da palavra pode estar realmente em um livro espanhol chamado Primaleón.

"Magalhães, como muitos personagens da época que sabiam ler ou escrever, gostava dos romances de cavalaria. Em um deles, o personagem principal era um gigante chamado Patagón, que foi quem lhe veio à cabeça naquele encontro", explica Alfredo Mayorga, historiador da Universidade de Magalhães no Chile.

Seja como for, do que ninguém duvida é que aquele inédito encontro entre populações foi o que batizou como Patagônia aquela região.

Os pinguins de Magalhães e outros animais

Aquele encontro com os patagônios serviu também aos expedicionários para ver uma espécie animal pela primeira vez.

Em seu diário, Pigafetta descreve um animal "que abunda no país" e cuja pele é utilizada pela população para fabricar casacos e calçados.

"Esse animal tem a cabeça e orelhas de mula, o corpo de camelo, as pernas de cervo e o rabo do cavalo, cujo relincho ele imita", escreveu.

O cronista se referia aos guanacos, um mamífero da família dos camelídeos similar à lhama que só se encontra na América do Sul.

Cinco meses depois, em sua chegada ao estreito, a tripulação avistou, assombrada, quatro ilhas repletas do que descreveram como "estranhos gansos".

"Depois de uma viagem tão longa da Europa, os tripulantes viram ali uma forma de encher sua dispensa com algo novo. Não só carne de ave, mas também de ovos", relata Mayorga.

Hoje, esses animais são conhecidos como "pinguins de Magalhães" e duas daquelas ilhas chilenas (Madalena e Marta) formam a área silvestre do Monumento Natural Los Pinguinos.

Outros animais que ajudaram a tripulação a variar seu menu foram as espécies que encontraram no que chamaram de "porto das sardinhas", que corresponde à atual baía Fortescue no Chile.

Ficaram assombrados com os peixes voadores, aqueles animais que se lançavam contra seus navios e que também viraram alimento no cabo El Deseado, na Antártida chilena.

Antes, em Puerto Deseado, Magalhães viu lobos marinhos pela primeira vez. Também avistou peixes-bois, orcas, baleias e tubarões.

"Esses peixes possuem vários dentes formidáveis e, desgraçadamente, quando um homem cai ao mar, o devoram no ato", descreveu Pigafetta sobre os tubarões.

Já no Pacífico, nas ilhas das especiarias (Ilhas Molucas da Indonésia) a que ansiavam chegar, a tripulação descobriu em 1521 umas aves de cores vivas que os nativos chamavam bolon dinata (pássaros divinos). Hoje em dia, nós as conhecemos como aves-do-paraíso.

Aipo e outras plantas e especiarias

A expedição pretendia abrir uma rota comercial pelo Ocidente com aquelas ilhas para conseguir essas exóticas plantas aromáticas que então eram quase tão preciosas como o ouro.

Depois de sua chegada às Molucas, a tripulação carregou os barcos com especiarias como cravo, canela, noz moscada, canela e gengibre.

Mas antes, a expedição já havia encontrado outras plantas cujas valiosas propriedades nem sequer conheciam.

Por exemplo, não imaginavam, quando recolheram aipo na região do cabo El Deseado em 1520, que isso os ajudaria a enfrentar o escorbuto, uma doença muito comum entre marinheiros.

Segundo Mayorga, "esses homens, sem saber, estavam consumindo um alimento que certamente os ajudou a mitigar os efeitos do escorbuto, que tem a ver com a carência de vitamina C".

No estreito, também chamou a atenção da tripulação a casca aromática do cipreste dos canais ? eles queimavam pedaços dela para obter um cheiro agradável.

Essa árvore passou depois a ser muito conhecida por suas propriedades de suportar a umidade sem apodrecer e começou a ser utilizada, por exemplo, para fabricar postos de separação para campos de gado.

Também durante a viagem conheceram outros produtos como a resina da árvore, a laca, que cresce no leste da Ásia e que hoje serve como ornamento de móveis e objetos delicados.

Descobertas?

Ninguém tem dúvidas de que a façanha marítima trouxe consigo uma mudança drástica na maneira como o mundo em geral, e depois os europeus em particular, passaram a ver o planeta ao redor.

Uma dúvida habitual sobre essas realidades que os europeus encontraram pela primeira vez nessa viagem é se é adequado chamá-las de "descobertas".

"Essa dúvida gerou muita reflexão, já que provas arqueológicas dão conta de que aqui há presença do ser humano muito muito antes (da Europa)", reconhece Mayorga.

Por isso, o historiador chileno acredita que falar de descobrimento "é quase como apagar numa canetada o que existia antes", e por isso, quando ele fala, ele evita usar essa palavra ou o termo "achado".

No entanto, a espanhola Sagarra assegura o conceito de descobrimento é natural.

"Não é porque pensemos que não havia gente antes. Mas para alguém que nunca esteve ali, é um descobrimento, sem supor outro tipo de valor", afirma.

"A ideia do descobrimento é que era algo que ninguém podia imaginar que existia. Mas a propriedade dos olhares é de cada um dos mundos, você não se encarrega do que outra pessoa pode supor", explica.

De qualquer modo, Mayorga diz acreditar que "no final,o importante é que um grupo de pessoas de uma parte do mundo conheceu a existência de outro e ficaram conectados".

"Efetivamente, Magalhães demonstra que a Terra é redonda, que se pode comercializar por outras vias e que, de algum modo, todos estamos envolvidos com todos", concorda Sagarra sobre uma das aventuras mais apaixonantes da história.