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A 1ª volta ao mundo: os 500 anos da viagem de Fernão de Magalhães, da qual só 18 dos 250 tripulantes sobreviveram

O desespero dos marinheiros por causa das más condições dos navios causou diversos distúrbios - Getty Images
O desespero dos marinheiros por causa das más condições dos navios causou diversos distúrbios Imagem: Getty Images

Mar Pichel - BBC News Mundo

28/09/2019 12h22

Viagem inédita levou três anos, abriu novas rotas comerciais e mudou o curso da história - sob enorme custo humano.

No dia 20 de setembro de 1519, cinco navios com 250 homens deixaram o porto de Sanlúcar de Barrameda, no sul da Espanha, em direção ao Atlântico. No comando da nau Trinidad estava o capitão português Fernão de Magalhães.

Nem Magalhães ou mesmo seus homens sabiam que a expedição mudaria o curso da história: eles seriam os primeiros a dar a volta ao mundo, um marco que celebra seu quinto centenário.

Mas também foi considerado um feito real da resistência humana: a primeira circunavegação do mundo foi um verdadeiro inferno de doenças, fome e violência, relata o historiador Jerry Brotton na BBC History Magazine.

De fato, apenas 18 dos 250 tripulantes retornaram a Sanlúcar três anos depois de deixar o porto.

E embora muitos atribuam a Magalhães o crédito de ser a primeira pessoa a circunavegar a Terra, o português não está entre esses 18 sobreviventes.

Mas isso não tira o mérito de ser o explorador que idealizou e empreendeu essa dura e histórica jornada.

A ideia de Magalhães

O principal objetivo da viagem não era dar a volta ao mundo, mas alcançar as Ilhas Molucas (ou Ilhas das Especiarias), na Indonésia, e sua riqueza ao longo da rota oeste, que era o que Cristóvão Colombo pretendia quando encontrou o continente americano.

Portugal controlava a rota conhecida para o leste através do Cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África.

Depois de examinar mapas e globos, Magalhães chegou a uma conclusão surpreendente.

Ele acreditava que poderia chegar à região mais rapidamente se viajasse na direção oposta, contornando a ponta da América do Sul, através do recém-descoberto Oceano Pacífico, até as ilhas produtoras de especiarias, no arquipélago indonésio.

Mas Manuel 1º, o rei de Portugal, rejeitou a ideia de Magalhães.

Isso não impediu o explorador português, que passou a oferecer seus serviços ao arquirrival de Manuel 1º: Carlos 1º, da Espanha, e 5º do Sacro Império Romano.

"Portugal dominou completamente o caminho para o leste, mas não estava interessado em montar uma expedição para o oeste, porque já detinha controle sobre o outro lado. Assim, o projeto de Magalhães fazia pouco sentido. Mas a Espanha o recebeu muito bem", explica à BBC Mundo Braulio Vázquez, arquivista do Arquivo Geral das Índias, em Sevilha.

Embora muitos nobres espanhóis suspeitassem de uma expedição sob o comando de um português, Carlos 1º aceitou a proposta de Magalhães.

Isso consistia em velejar pelo Cabo Hornos, atravessar até as Molucas, embarcar um carregamento de especiarias e retornar pela mesma rota, reivindicando as ilhas para a Espanha.

Logo após a descoberta de Colombo, em 1494, Espanha e Portugal, as potências da época, chegaram a um acordo para dividir as áreas de navegação do Oceano Atlântico e os territórios do "Novo Mundo", no chamado Tratado de Tordesilhas.

Magalhães estava convencido de que as Molucas ficavam dentro da esfera de influência castelhana e, portanto, poderia trazer as especiarias de lá sem problemas.

Por trás dessa crença, porém, havia um erro de cálculo que traria consequências terríveis para sua expedição.

Os primeiros obstáculos

A frota partiu de Sanlúcar para as Ilhas Canárias, depois seguiu para as Ilhas de Cabo Verde, antes de cruzar o Atlântico até a costa sul-americana, chegando à atual costa do Rio de Janeiro, em dezembro de 1519.

É a partir desse momento, relata o historiador Brotton, que as condições começam a se deteriorar.

Depois de meses pesquisando a costa leste da América do Sul, Magalhães não conseguiu encontrar uma passagem para o oeste.

A tripulação enfrentou um inverno brutal - e os marinheiros tiveram que dormir no convés em condições quase congelantes -, enquanto as rações diminuíam e a fome aumentava, resultando em tumultos nos navios.

"O clima piorou ainda mais quando um dos navios naufragou devido ao agravamento do tempo, e a busca do prometido estreito no Pacífico se estendeu por semanas, depois meses", escreveu o historiador.

Na difícil travessia nessas águas desconhecidas, outro navio desertou e tomou rumo de volta para a Espanha.

Foi uma perda enorme, explica Vázquez, porque era o San Antonio, a maior embarcação e a que trazia mais comida.

"Foi uma expedição que, entre motins, rebeliões, fome, sede... perdeu muitos de seus membros no primeiro semestre", diz o arquivista.

Mas, depois de sobreviver ao inverno e aos muitos meses de buscas infrutíferas, Magalhães e seus homens finalmente chegaram ao outro lado da América do Sul.

No dia 28 de novembro de 1520, eles entraram no que Magalhães batizou como Mare Pacificum (mar do Pacífico).

O navegador português, no entanto, não conhecia a magnitude da ameaça que ainda o esperava.

O Pacífico

Magalhães achava que a parte mais difícil da viagem já havia passado e restava apenas um pequeno cruzeiro pelas ricas Ilhas das Especiarias.

"Mas a combinação de mapas ruins, cálculos ruins e o fato de ele ser o primeiro europeu a estar nessas águas transformaram esse 'breve cruzeiro' em um pesadelo de 100 dias de fome, escorbuto (doença grave causada pela falta de vitamina C) e mortes".

Assim relatou à BBC Paul Rose, especialista em navegação e comandante da estação de pesquisa britânica Rothera, na Antártida, por 10 anos.

Magalhães usou mapas e globos que subestimavam a circunferência da Terra.

Não conseguia nem imaginar a escala do Pacífico, um oceano que tem o dobro do tamanho do Atlântico e que cobre um terço da superfície da Terra.

"Dessa forma, eles passaram os três meses seguintes atravessando o Pacífico em busca de terra. As condições eram horríveis e o escorbuto começou a devastar a tripulação", escreveu Brotton na BBC History Magazine.

Assim também contou Antonio Pigaffeta, um dos tripulantes cujas crônicas a bordo se tornaram um dos relatos mais conhecidos da viagem:

Durante três meses e vinte dias não conseguimos comida fresca.

Comemos bolo, embora não fosse bolo, mas poeira misturada com minhocas e o que restava cheirava a urina de rato.

Bebíamos água amarela, que estava podre, por muitos dias. Também comemos algumas peles de boi que cobriam a parte superior do pátio principal.

Quando Magalhães percebe o tamanho do Pacífico, "fica claro que as Ilhas das Especiarias não estão na esfera da influência castelhana", explica Vázquez.

Então ele traça um outro objetivo: as Ilhas Filipinas.

"Quando ele toca o solo nas Filipinas e faz contato com os caciques e reis locais, ele vê que há recursos, ouro... e decide entrar na política local dessas ilhas para tentar tirar vantagem", diz o arquivista.

Em uma "péssima decisão", Magalhães inicia uma política de fazer alianças com reis locais. Mas o rei da ilha de Mactan se opõe.

Os portugueses decidem invadir a ilha junto com outros 40 membros da tripulação.

"Foi um exagero fatal. O povo de Mactan resistiu violentamente, e Magalhães e seus marinheiros entraram em choque com centenas de guerreiros locais", escreveu Brotton.

Magalhães foi morto e seu corpo nunca foi recuperado. Para o navegador português, a travessia terminou em Mactan, sem concluir a volta ao mundo.

Ele não terminou, desta maneira, a expedição que planejou e empreendeu.

As aguardadas especiarias, sob um novo comandante

O capitão espanhol Juan Sebastián Elcano se tornou o novo comandante da expedição, e foi sob suas ordens que eles navegaram para o destino que Magalhães queria: as Ilhas das Especiarias ou Molucas, aonde chegaram em novembro de 1521.

Até então, eles imaginavam que aquelas ilhas não estavam na área da influência castelhana que havia estabelecido o Tratado de Tordesilhas.

Então, eles carregaram as especiarias às pressas nos dois únicos navios que ainda restavam e decidiram terminar a odisseia e embarcar no caminho de volta.

O dilema que surgiu então foi qual seria o caminho a seguir. A Trinidad, que havia sido comandada por Magalhães, tentou retornar pelo Pacífico, mas não obteve sucesso, e foi capturada por navios portugueses.

O navio Victoria, com Elcano à frente, voltou para a Espanha através do Oceano Índico e contornando a costa no Cabo da Boa Esperança.

Mas novamente houve problemas

"Foi uma navegação totalmente épica, porque desde a ilha de Timor até chegar às ilhas de Cabo Verde, no Atlântico, eles não encontraram terra e enfrentaram novamente os problemas de fome, sede, fadiga... além do navio em mau estado, depois de quase três anos de navegação", explica Vázquez.

Embora não quisessem atracar em Cabo Verde, sob o domínio português, as condições os obrigaram.

Então, conta o arquivista, "eles planejaram uma manobra": eles não podiam dizer que vinham das Ilhas das Especiarias, porque isso implicaria em sua prisão; por isso, disseram que era um navio vindo da América.

Embora a princípio acreditassem neles, os portugueses acabaram capturando 13 tripulantes. Apenas 18 conseguiram escapar, no navio Victoria.

'Primus circumdedisti me'

Finalmente, em 6 de setembro de 1522, o Victoria atracou no porto de Sanlúcar, com apenas 18 tripulantes dos 250 que partiram - completando assim a primeira circunavegação no mundo da qual existem evidências.

Além de Elcano e Pigafetta, os outros marinheiros que retornaram foram: Juan de Acurio, Juan de Arratia, Juan de Zubileta, Juan de Santander, Diego Carmena, Vasco Gómez Gallego, Hernando de Bustamante, Miguel de Rodas, Hans, Antón Hernández Colmenero, Juan Rodríguez, Francisco Rodríguez, Martín de Yudícibus, Francisco Albo, Nicolás el Griego e Miguel Sánchez.

"Todos chegaram em condições absolutamente penosas", diz o arquivista do Arquivo Geral das Índias.

Carlos 1º recebeu alguns dos sobreviventes e concedeu a Elcano uma renda anual e um brasão de armas com um globo e a legenda: Primus circumdedisti me ("O primeiro que me circunavegou").

Mais tarde, o capitão retornou para outra expedição ao Pacífico, onde morreu em 1526.

As consequências da expedição de Magalhães e Elcano

A expedição de Magalhães para chegar às Ilhas das Especiarias por outra rota mudou o curso da história, mas teve um enorme custo humano: mais de 200 tripulantes morreram, muitos em terríveis circunstâncias.

Para Vázquez, o mundo muda principalmente por dois motivos.

"Primeiro, o tamanho do mundo, isto é, o Pacífico, que a partir de então tem seu tamanho descoberto, e as viagens seguintes o levarão muito em consideração."

"E, por outro lado, eles percebem que não existem, como foi dito nas crônicas medievais, seres monstruosos ou mitológicos. Em todas as partes encontramos a mesma coisa: todos são seres humanos."

Além disso, a Europa passa a ter ciência "da complexidade e das diferenças culturais do mundo".

Por outro lado, no nível geopolítico, a viagem de Magalhães exacerbou as tensões políticas e comerciais entre Espanha e Portugal durante alguns anos.

Mas as consequências da jornada empreendida pelo explorador português devem ser vistas a longo prazo, avalia Brotton.

E faz uma referência ao "florescimento das rotas comerciais na segunda metade do século 16, já que os vínculos que Magalhães ajudaram a estabelecer entre a Europa e o sudeste da Ásia permitiram a circulação de pessoas e bens pela América do Sul".

"A mentalidade de Magalhães, sua imaginação e sua determinação em usar globos terrestres, em vez de mapas planos para entender o mundo, abriu uma profusão de novas oportunidades de negócios", diz ele.

"É possível dizer que sua grande viagem deu o tiro inicial na corrida à globalização, com todos os riscos e oportunidades que isso nos apresenta hoje."


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