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Bahia vive apreensão com chegada de petróleo a costa

Barraqueiro mostra pelota de óleo que retirou da areia da praia do Flamengo - Victor Uchoa - BBC
Barraqueiro mostra pelota de óleo que retirou da areia da praia do Flamengo Imagem: Victor Uchoa - BBC

Victor Uchôa

De Salvador para a BBC News Brasil

12/10/2019 12h04

Pelotas de óleo foram encontradas em praias do Estado, gerando receio sobre quanto desastre ambiental pode ganhar em dimensão; substância já foi registrada em 156 locais de 71 municípios nordestinos.

O oceanógrafo Carlos Valério vive em Praia do Forte, um dos principais destinos turísticos do litoral norte da Bahia. Desde 30 de agosto, quando as primeiras manchas de óleo começaram a ser detectadas na costa do Nordeste, seus dias correram sob o temor de que a sujeira chegasse à praia onde vive e trabalha monitorando recifes de coral.

Durante esta semana, Valério se deparou com pequenas pelotas de óleo nas areias. Imaginando que o dano não seria tão grande, chegou a sentir até um certo alívio.

Mas a sensação não durou muito tempo.

"Quando a maré baixou sexta (11) de manhã cedo, o que vimos foi um terror. O recife tomado por uma massa de óleo, algumas manchas com mais de 2 metros de diâmetro. Em uma manhã, tiramos mais de 2 toneladas de óleo da praia. E só não foi mais porque a maré começou a subir, aí tivemos que parar", conta Valério, que é fundador da Oceanauta - Consultoria Ambiental.

Salvador está 70 quilômetros ao sul de Praia do Forte. Na capital da Bahia, as primeiras pelotas foram detectadas em pelo menos quatro praias também nesta sexta-feira. Elas são disformes e do tamanho de moedas. De longe, mais parecem pequenas pedras soltas na areia. Se tocadas, apresentam uma textura emborrachada. Então, quando partidas, revelam-se completamente: é puro óleo.

Ainda em baixo volume e fragmentado em pequenos pedaços, o óleo não chegou a atrapalhar banhistas, pescadores e barraqueiros. Ao longo do dia, cerca de 20 quilos de pelotas foram recolhidos nas praias da capital baiana. O que ninguém sabe, entretanto, é quanto este desastre ambiental ainda pode ganhar em dimensão.

"A verdade é que está todo mundo batendo cabeça, trabalhando com informações desencontradas. Não dá para saber se essas pequenas pelotas encontradas em Salvador são sinal de que o volume está diminuindo, simplesmente porque ninguém sabe quanto de óleo foi derramado no mar, nem o local exato do derramamento. Hoje é uma pelota, mas a qualquer momento podem surgir enormes manchas", diz o professor Francisco Barros, pesquisador na área de Oceanografia e membro do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

O que os pesquisadores estão fazendo agora, explica Barros, é, através de modelos que simulam a movimentação das manchas, tentar traçar o caminho inverso para, ao menos, terem uma estimativa de onde o óleo foi lançado - o que ajudaria na contenção de outras manchas que eventualmente estejam a caminho do litoral brasileiro.

Reação tardia

Na Bahia, as primeiras manchas foram detectadas no dia 4 de outubro, nas praias do município de Jandaíra, que faz divisa com Sergipe. Nesta sexta-feira, uma semana depois, foi realizada uma reunião que resultou na criação do "Comando Unificado de Incidentes".

O grupo é composto por representantes do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) - órgão da secretaria estadual do Meio Ambiente -, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Superintendência de Proteção e Defesa Civil do Estado (Sudec), da Bahia Pesca, dos Ministérios Públicos Estadual e Federal, dos Institutos de Biologia e de Geociências da Bahia (UFBA), e das prefeituras de Salvador, Camaçari, Conde, Jandaíra, Entre Rios, Mata de São João, Lauro de Freitas e Cairu, todas cidades litorâneas.

De acordo com o Inema, a partir deste sábado (12), o Comando vai se reunir diariamente para monitorar informações sobre o desastre e articular ações conjuntas que possam reduzir seus danos.

O diretor de Fiscalização do Inema, Marcos Machado, reconhece, no entanto, que o tempo da resposta "não foi adequado" e que falta estrutura para enfrentar uma contaminação de "impacto tão expressivo".

"O que estamos enfrentando é inédito no país. Nunca houve um derramamento com essa extensão, então realmente não estávamos preparados pra algo desse tamanho. Agora estamos pensando em ações conjuntas, envolvendo órgãos de todas as esferas para conter o avanço dessas manchas".

Segundo Machado, todos os órgãos vinculados ao Comando Unificado buscarão recursos emergenciais para custear equipamentos e mão-de-obra em cada localidade que seja atingida pelo óleo. Não há definição, porém, do volume dessa verba nem de onde ela sairá. "Como ainda não sabemos a extensão do desastre, isso é algo que será atualizado todos os dias".

A ideia é que os recursos sejam destinados às seguintes ações: limpeza das praias; fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e ferramentas; instalação de barreiras de proteção para contenção do óleo, evitando seu avanço principalmente em áreas de manguezais e estuários; e orientação técnica especializada para limpeza dos corais.

O superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Alves, explicou que o formato de comando unificado foi utilizado nos estados do Maranhão e Sergipe, e que essa experiência servirá de exemplo. "A partir deste grupo de trabalho unificado poderemos centralizar esforços e recursos, com reuniões diárias e um relatório de atuação único de todas as ações tomadas pelo governo, o que facilitará também a comunicação com a sociedade".

Para a pesquisadora Olívia de Oliveira, do Instituto de Geociências (Igeo) da UFBA, levou-se muito tempo discutindo a origem do óleo, sem a devida atenção às ações de defesa do Meio Ambiente.

"Só ficamos esperando, sem saber de onde veio a mancha, para onde vai, nem o que fazer. Aí, quando chega na areia, tira. E a verdade é que não temos boias de contenção gigantes para algo dessa dimensão", lamenta.

Na quinta-feira (10), Olívia divulgou o resultado de uma análise feita por pesquisadores do Igeo, apontando que o óleo que já manchou mais de uma centena de praias nordestinas foi produzido numa bacia venezuelana, mesma conclusão de outra análise, feita pela Petrobras. "Não dá pra saber como ele chegou, mas que saiu de lá, não temos dúvida". O Governo da Venezuela nega que tenha sido responsável pelo derramamento.

Alheio às discussões técnicas, o barraqueiro Valdir Carvalho, que há oito anos mantém seu ponto na Praia do Flamengo, em Salvador, arrisca-se pegando as pelotas de óleo sem qualquer proteção.

Alertado pela reportagem, mostra-se resignado: "Eu vou fazer o quê? Eu tenho é que limpar minha praia. Final de semana tá aí. Aqui é onde ganho meu pão".

Viagem submersa

Um dos fatores que tem dificultado o monitoramento do avanço do óleo é a sua densidade. Trata-se de um material pesado, que viaja a "meia-água", ou seja, não está nem na superfície nem no sedimento do fundo.

Isso impossibilita, por exemplo, que as manchas sejam detectadas em vôos sobre o oceano. Dessa maneira, só são avistadas quando estão muito perto da praia ou já tocaram a areia, pedras ou bancadas de coral.

Também nesta sexta-feira, o professor Pablo Santos, outro integrante do Igeo/UFBA, divulgou ter detectado, às 7h55 (horário de Brasília), duas manchas de óleo cru a aproximadamente 100 quilômetros da costa brasileira. Elas estão na altura do Norte da Bahia e tem 21,5 km² e 3,3 km².

As manchas foram notadas em imagens geradas pelo satélite Sentinel 1, pertencente à União Europeia e cujo material produzido é de domínio público. Segundo Santos, esse tipo de radar é o melhor instrumento para detectar manchas de óleo na água.

"O óleo muda a textura da superfície da água, por isso a imagem fica mais escura onde ele se concentra. Mas, mesmo com esse radar, só conseguimos detectar o que está na superfície. Então é possível que a mancha seja muito maior, mas tem uma parte submersa que não conseguimos mapear", explica Santos, que é especialista em Sensoriamento Remoto.

Segundo o pesquisador, a capacidade orbital do Sentinel 1 só permite monitorar o perímetro da plataforma continental em que está o Brasil. Como ele vinha escaneando a plataforma desde o surgimento das primeiras manchas de óleo, sem nada detectar, é provável que a mancha vista agora tenha vindo de fora desta área, ou seja, de águas internacionais.

Com esta informação, ganha força a hipótese de que o óleo que tem manchado a costa nordestina tenha sido derramado a mais de 200 quilômetros de distância.

Agora, os dados levantados por Santos estão com outro pesquisador da UFBA, Guilherme Lessa, e com Carlos Teixeira, da Universidade Federal do Ceará. Ambos colocaram as informações em modelagens que simulam a movimentação das manchas de acordo com as correntes marítimas e os ventos.

Nos próximos dias, será possível estimar quando e onde tal mancha tocará o litoral, o que poderia facilitar o trabalho das autoridades.