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O que se sabe sobre a operação da Polícia Federal contra empresa grega acusada do vazamento de óleo no litoral brasileiro

01/11/2019 10h26

De acordo com a PF, "a embarcação, de bandeira grega, atracou na Venezuela em 15 de julho, permaneceu por três dias, e seguiu rumo a Singapura, pelo oceano Atlântico, vindo a aportar apenas na África do Sul. O derramamento investigado teria ocorrido nesse deslocamento".

O texto foi atualizado às 17h30 de 1º de novembro de 2019.

A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira, 1º de novembro, uma operação contra duas empresas ligadas a uma companhia grega apontada pelos investigadores como possível responsável derramamento de óleo que atinge nove Estados brasileiros desde o fim de agosto.

Na operação Mácula, foram cumpridos dois mandados de busca e apreensão na cidade do Rio de Janeiro contra a Lachmann Agência Marítima e a consultoria para gerenciamento de crises Witt O'Brien's, que teriam ligações com a companhia Delta Tankers, a proprietária do navio de bandeira grega Bouboulina.

Como a Delta Tankers não tem sede no Brasil, a operação foi realizada contra a Witt O'Brien's por ela já ter prestado serviços para essa empresa, e a Lachmann, que representou a companhia no Brasil em maio, junho e setembro deste ano.

A operação tem como objetivo obter informações que ajudem na "identificação das pessoas envolvidas no incidente e a busca por novos elementos de provas", informou o juiz federal Francisco Eduardo Guimarães, da 14ª Vara Federal de Natal, ao ordenar a operação.

A Witt O'Brien's disse por meio de um comunicado que "esse navio ou seu armador jamais foram clientes" da empresa no Brasil, e que o país "não exige que navios tenham contratos pré-estabelecidos para combate a emergências".

"A Witt O'Brien's americana, é uma das grandes provedoras desse tipo de serviço de prontidão para gerenciamento de emergências em navios nos Estados Unidos, porém seus contratos não guardam nenhuma relação com nossa empresa no Brasil", afirmou a empresa, que se colocou à disposição das autoridades para fornecer qualquer informação necessária.

A Lachmann afirmou, em nota, "que não é alvo da investigação da Polícia Federal. A agência foi tão somente solicitada pela Polícia Federal a colaborar com as investigações e segue à disposição das autoridades para quaisquer informações adicionais. A agência marítima é uma prestadora de serviços para as empresas de navegação, não tendo nenhum vínculo ou ingerência sobre a operacionalidade, navegabilidade e propriedade das embarcações".

A Delta pediu por telefone à reportagem que o contato fosse feito por email, mas ainda não respondeu à mensagem.

Em sua decisão, o juiz Francisco Eduardo Guimarães afirma que o Bouboulina teria sido o único "a passar pelo polígono suspeito demarcado como ponto de origem do derramamento", conforme indicado por relatório feito pela empresa Hex Tecnologias Geoespaciais e entregue voluntariamente à PF.

Imagens de satélite coletadas pela Hex apontaram uma mancha de óleo original em 29 de julho, a 733km (395 milhas náuticas) a oeste do Estado da Paraíba, e fragmentos se movendo em direção ao litoral nordestino.

Ainda segundo a decisão judicial, laudos técnicos emitidos pela Petrobras apontaram haver uma "correlação significativa" entre amostras coletadas na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte, e petróleo cru ou um tipo de derivado produzido a partir de petróleo venezuelano.

Estudos da Universidade Federal da Bahia, a partir do óleo retirado de praias de Sergipe e Bahia, confirmaram essa correlação. Análises da Marinha apontaram que ainda o material que chega ao litoral brasileiro não é compatível com o petróleo de origem nacional.

De acordo com a Polícia Federal, o Bouboulina atracou na Venezuela em 15 de julho, permaneceu por três dias, e seguiu rumo a Singapura, pelo Oceano Atlântico, vindo a aportar apenas na África do Sul. O derramamento investigado teria ocorrido nesse deslocamento.

A Interpol também realiza diligências no exterior contra os acusados de crimes ambientais.

Os investigadores afirmaram, com base em informações da Marinha, que "não há indicação de outro navio que poderia ter vazado ou despejado óleo, proveniente da Venezuela". A embarcação ficou detida nos Estados Unidos por quatro dias, "devido a incorreções de procedimentos operacionais no sistema de separação de água e óleo para descarga no mar".

De acordo com os procuradores da República Cibele Benevides e Victor Maris, "há fortes indícios de que a empresa, o comandante e a tripulação do navio deixaram de comunicar às autoridades competentes sobre vazamento/lançamento de petróleo cru no Oceano Atlântico".

Para o Ministério Público Federal, o impacto do derramamento de óleo tem "proporções imensuráveis". Desde o fim de agosto, já foram atingidas 286 praias em 98 municípios foram atingidas pelo óleo segundo o Ibama. O relatório mais recente do órgão aponta a morte de 81 animais em decorrência do vazamento.

A apuração sobre quando e onde começou o incidente passou principalmente pela combinação de cinco elementos: densidade do óleo, datas de avistamento nas praias, correntes marinhas do oceano Atlântico, direção e intensidade dos ventos e rotas das embarcações.

Dados de tráfego marítimo, por exemplo, indicavam inicialmente mais de mil embarcações trafegando na região onde possivelmente teria ocorrido o vazamento. Mas a investigação afunilou essa soma para 30 navios-tanque.

Além da Polícia Federal, as investigações envolveram também Marinha, Ministério Público, Ibama, Agência Nacional do Petróleo, a Universidade Federal da Bahia, Universidade de Brasília e Universidade Estadual do Ceará.

Responsabilização judicial

Existem duas esferas de responsabilização neste caso: civil e criminal. No caso da responsabilização civil, o objetivo do Brasil será buscar indenização para cobrir todos os danos econômicos e ambientais, de curto e longo prazo, provocados pelo vazamento.

Já no âmbito criminal, será preciso identificar se houve dolo ou culpa, ou seja, se as pessoas envolvidas tiveram a intenção de cometer aquele crime ou assumiram o risco de que esses danos ocorressem.

Segundo a professora de Direito Marítimo Ingrid Zanella, da Universidade Federal de Pernambuco, o responsável principal costuma ser o dono da embarcação responsável pelo incidente.

O capitão do navio também pode ser punido, especialmente criminalmente, já que era o responsável pela embarcação.

Mas todas as empresas e até países envolvidos na operação, como a companhia que receberia a mercadoria e o país que vendeu o produto, podem eventualmente ser processados e obrigados a pagar indenizações pelos danos econômicos e ambientais provocados.

Os responsáveis pelos danos responderão nas esfera cível, com pagamento de multa e indenização, e penal, segundo a Lei de Crimes Ambientais, de 1998.

Esta legislação prevê pena de um a cinco anos de reclusão para quem "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora", quando o crime "tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana, causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população, causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade, dificultar ou impedir o uso público das praias, e ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos".

A mesma lei ainda prevê pena de detenção de um a três anos e multa a quem "tem o dever legal ou contratual de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental e deixar de fazê-lo".

Danos ambientais

Segundo Flávio Lima, coordenador-geral do Projeto Cetáceos da Costa Branca, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, do ponto de vista ambiental, o dano causado por esse vazamento é um dos maiores já registrados no Nordeste.

Para minimizar os danos, instituições se uniram para ajudar no cuidado com fauna marinha, como "retirar o excesso de óleo das mucosas (olhos, narinas, bico e cloaca) e oferecer antitóxico (carvão ativado por via oral), sondas com protetores gástricos, renais e hepáticos e por fim, a lavagem", explica ele.

O petróleo causa impacto ao meio ambiente e seres humanos. Segundo a bióloga Waltyane Bomfim, do Instituto Biota, o óleo prejudica inicialmente as algas e outros microrganismos, os quais servem de alimento para organismos maiores (peixes, aves, mamíferos, tartarugas). Luciana também concorda com o professor Flávio: o dano é um dos mais graves que o Nordeste já enfrentou.

Por conta dos riscos, o Ibama produziu uma cartilha para que as prefeituras manejem o material que vem sendo encontrado. Entre as recomendações está a de que, "em hipótese alguma, o óleo pode ser enterrado ou misturado com outros tipos de resíduos".


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