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Por que o Paraguai é estratégico para o PCC?

20/01/2020 12h16

Forças de segurança do Paraguai entraram em alerta máximo depois que se descobriu neste domingo que 75 presos fugiram da Penitenciária de Pedro Juan Caballero, a maioria suspeita de pertencer à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

As forças de segurança do Paraguai entraram em alerta máximo depois que se descobriu neste domingo (19) que 75 presos fugiram da penitenciária de Pedro Juan Caballero, a maioria suspeita de pertencer à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

Agentes da polícia e das Forças Armadas foram enviados para reforçar a segurança em outros presídios do país. Dos 75 fugitivos, 40 são brasileiros e 35, paraguaios.

Um túnel de 20 metros, que partia de um dos banheiros até uma rua nos arredores da unidade prisional, foi descoberto. Apesar disso, o ministro do Interior, Euclides Acevedo, diz acreditar que não houve uma fuga, e sim uma "libertação de presos", grande parte de "alta periculosidade".

"Encontramos um túnel e acreditamos que esse túnel foi uma cortina de fumaça para maquiar a liberação dos presos. Há cúmplices dentro da prisão e esse é um fenômeno que acontece em todas as penitenciárias", afirmou Acevedo.

Segundo ele, investigadores afirmam que alguns dos fugitivos deixaram o local ao longo da semana passada pela porta da unidade prisional, que fica a menos de 10 km da fronteira com a cidade brasileira de Ponta Porã (MS).

"Estamos trabalhando junto com as forças estaduais para impedir a reentrada no Brasil dos criminosos que fugiram de prisão do Paraguai. Se voltarem ao Brasil, ganham passagem só de ida para presídio federal", escreveu no Twitter o ministro brasileiro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

A atuação do PCC no país vizinho ocorre há mais de uma década, mas se intensificou nos últimos anos em meio à internacionalização da facção criminosa surgida em presídios paulistas nos anos 1990.

Estima-se que o Paraguai seja um dos países da América Latina com maior presença de membros do PCC fora do Brasil, com mais de 500 pessoas.

Mas por que o Paraguai é tão estratégico para as operações de tráfico de drogas e armas do PCC, que já atua em todos os Estados brasileiros?

Expansão sul-americana

Para Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e autora de dois livros sobre o PCC, desde o fim dos anos 1990 várias organizações criminosas brasileiras migraram para países vizinhos, em especial o Paraguai, não só por uma estratégia comercial, mas também por acreditarem que eram lugares seguros para suas atividades.

"Juntou a fome com a vontade de comer", afirmou a professora à BBC News Brasil em 2018, dizendo que essa migração se intensificou a partir dos anos 2000 e somente em 2016 o Paraguai passou a reagir expulsando brasileiros associados ao PCC presos naquele país.

Vizinha de Ponta Porã, Pedro Juan Caballero é uma das cidades estratégicas da fronteira que estão inseridas na principal rota de narcotráfico que envolve o Brasil.

Essa rota, que se vale de aviões, carros e caminhões, permite a grupos criminosos comprarem cocaína produzida em países produtores, como Bolívia e Peru, e a levarem para São Paulo e Rio de Janeiro. Parte da droga depois é enviada à África e à Europa por meio de associações com outras quadrilhas internacionais.

Segundo a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o Mato Grosso do Sul ganhou força como "corredor de drogas" por causa da ampla fronteira seca com o Paraguai, que facilita o transporte rodoviário em grande escala para lugares estratégicos como o porto de Santos, e da implantação de duas estratégias de segurança: os sistemas de monitoramento por satélite na região amazônica e a chamada Lei do Abate, que passou a permitir a derrubada de aviões não identificados desde 1998.

Até meados desta década, toda essa região paraguaia era controlada por famílias tradicionais e ricas, que administravam estabelecimentos comerciais e também lidavam com comércio de produtos ilícitos e entorpecentes.

O PCC enfrentava obstáculos para dominar a região e passou a se associar a criminosos locais para eliminar concorrentes e principalmente intermediários no Paraguai, na Bolívia e na Colômbia.

Mirava maiores margens de lucro e controle das operações de tráfico de drogas e armas ? segundo a Polícia Federal brasileira, boa parte do armamento ilegal apreendido no Brasil nos últimos anos era oriunda de contrabando do Paraguai.

Em 2016, esse processo de expansão chegou ao ápice: um atentado ousado executado por criminosos brasileiros matou Jorge Rafaat Toumani, empresário apontado como chefe da maior quadrilha de Pedro Juan Caballero.

O assassinato acentuou a disputa tripla entre seguidores de Rafaat e membros de dois grupos brasileiros, o PCC e o Comando Vermelho, criada no Rio de Janeiro.

A facção fluminense, que também explorava essa rota, passou a depender de outras, como a rota norte, que vem do Peru e é mais cara, e acabou entrando num confronto mais amplo com o PCC ? este, aliás, é um dos motivos da explosão da violência na região Norte do Brasil.

A caminho de se tornar máfia

Após ter consolidado o acesso aos canais de produção em países vizinhos e a distribuição no Brasil, o PCC passou a mirar uma expansão no lucrativo mercado consumidor europeu.

Segundo investigadores, o quilo de cocaína é vendido nos países produtores por quase US$ 2.000 e chega ao Brasil custando o triplo. Depois de atravessar o Atlântico, é vendido na Europa por valores entre US$ 35 mil e US$ 40 mil.

Operações policiais já identificaram ligações do PCC com máfias italianas, a exemplo da 'Ndrangheta, além de um grupo criminoso da Sérvia.

Em entrevista à BBC News Brasil no ano passado, o promotor Lincoln Gakiya, principal responsável por investigar o PCC, afirmou que o PCC está num estágio pré-máfia. "Se se tornar uma organização com lavagem de dinheiro eficiente, com uso de doleiros e de outros negócios para desviar o foco da droga, vai se transformar um problema muito maior."

Segundo Wálter Maierovitch, desembargador aposentado e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, o PCC ainda tem uma atuação econômica pouco sofisticada e proporcionalmente pequena se comparada ao peso do narcotráfico na economia da Colômbia ou do Marrocos e lhe falta ganhar força econômica investindo o dinheiro lavado do crime em outras atividades.

Os cartéis mexicanos, por exemplo, se envolvem com o controle da produção, do processamento, do transporte e da venda das drogas. Mas estes estão voltados para o maior mercado consumidor de drogas do mundo, os Estados Unidos.

"O PCC não consegue montar uma rede própria para expandir serviços fora do Brasil e fazer com que outras organizações se unam a ele. Pelo contrário, ele tende a se 'plugar' a redes internacionais já existentes", afirmou à BBC News Brasil em 2018.

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