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'Pesadelo' ou única chance de vencer Donald Trump? O avanço de Bernie Sanders nas primárias

Bernie Sanders conseguiu apertada vitória nas primárias democratas de New Hampshire - Getty Images
Bernie Sanders conseguiu apertada vitória nas primárias democratas de New Hampshire Imagem: Getty Images

Alessandra Corrêa - De Winston-Salem (EUA) para a BBC News Brasil

12/02/2020 06h50

Críticos temem que Sanders afaste moderados insatisfeitos com Trump, mas apoiadores veem suas propostas antissistema como trunfo contra presidente republicano.

A vitória de Bernie Sanders nas primárias de New Hampshire, nesta terça-feira, foi recebida com empolgação e apreensão por alas opostas do Partido Democrata, em um momento em que a legenda enfrenta uma profunda divisão interna sobre que tipo de candidato teria mais chances de derrotar o presidente Donald Trump na eleição presidencial americana de 3 de novembro.

Depois do segundo lugar na conturbada votação da semana passada em Iowa, quando terminou praticamente empatado com Pete Buttigieg, ex-prefeito de South Bend, Sanders conquistou a liderança em New Hampshire, com 25,7% dos votos. Foi seguido por Buttigieg, com 24,4%, e pela senadora Amy Klobuchar, de Minnesota, com 19,8%.

Apesar de o processo de escolha do candidato do Partido Democrata ainda estar no início e do alto número de pré-candidatos, com nove democratas ainda na corrida, a vitória em New Hampshire dá impulso à campanha de Sanders para as próximas votações, que ocorrem em Nevada e Carolina do Sul neste mês e em 14 Estados na chamada Super Terça, em 3 de março.

O nome do candidato democrata que vai enfrentar Trump na eleição geral só deve ser confirmado oficialmente na convenção nacional do partido, programada para julho.

Para muitos representantes da ala mais moderada do partido, uma eventual escolha de Sanders é vista como um "pesadelo". Eles dizem que as propostas do senador independente pelo Estado de Vermont, que se define como socialista democrático, o colocam muito mais à esquerda do que a maioria dos americanos.

Esses críticos temem que, se Sanders for o candidato oficial, poderá aumentar as chances de Trump ser reeleito, ao alienar os eleitores insatisfeitos com o governo do presidente republicano que estariam dispostos a votar em um candidato democrata mais moderado.

Mas para muitos na ala progressista do partido, Sanders é não apenas o candidato ideal, mas o único democrata nesta disputa que teria chances de derrotar Trump nas urnas.

Semelhanças com Trump

Apesar de Sanders e Trump estarem em campos ideológicos opostos, vários analistas ressaltam semelhanças entre os dois. Alguns chegam a classificar ambos como populistas - Trump à direita, Sanders à esquerda.

Assim como Trump, Sanders conta com uma base fiel de apoiadores, que defendem seu candidato apaixonadamente e muitas vezes são criticados por atacar opositores de forma agressiva.

Nas eleições de 2016, quando Sanders obteve grande apoio mas acabou perdendo a indicação do partido para Hillary Clinton, tanto ele quanto Trump se apresentavam como "outsiders" que rejeitavam políticos convencionais e criticavam as elites, inclusive nos próprios partidos pelos quais buscavam a nomeação - apesar de votar com os democratas e concorrer à indicação do partido, Sanders é independente.

"Sanders ainda é o mesmo tipo de candidato", diz à BBC News Brasil o cientista político Robert Shapiro, professor da Columbia University, em Nova York.

"A única diferença é que está competindo com mais candidatos do que em 2016, quando concorria apenas com Hillary Clinton, o que tornava mais fácil para ele ressaltar o contraste (entre sua candidatura e a dela)", observa.

O cientista político ressalta que, ao contrário de 2016, na atual campanha há outros candidatos com propostas semelhantes às de Sanders e que também atraem eleitores da ala progressista do partido, como a senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts.

Segundo Shapiro, outra indicação da semelhança entre Trump e Sanders é o fato de que, após os democratas terem escolhido Clinton como candidata naquela eleição presidencial, muitos eleitores do senador acabaram votando no republicano na eleição geral. Na época, eleitores decepcionados com políticos convencionais escolheram o candidato que se apresentava como "outsider".

"A grande questão é se haverá algo do tipo desta vez", ressalta Shapiro. O analista salienta que Trump agora é um candidato diferente. Depois de quatro anos na Casa Branca, o presidente não é mais um "outsider". "Trump (agora) parece um candidato republicano muito conservador", afirma Shapiro.

Propostas

Nascido no Brooklyn, em Nova York, há 78 anos, Sanders tem uma longa carreira política. Ele foi prefeito de Burlington, em Vermont, de 1981 a 1989. Em 1990, foi eleito para a Câmara dos Representantes (equivalente à câmara dos deputado federais), e em 2006 entrou para o Senado.

Ao longo de sua carreira, ficou conhecido por atacar bilionários, defender trabalhadores e denunciar a desigualdade de renda nos Estados Unidos. Sanders é o mais velho entre os candidatos, mas tem grande apoio entre eleitores jovens. Desde o início da campanha, já arrecadou mais de US$ 121 milhões (cerca de R$ 525 milhões), a maior parte de pessoas que doaram somas pequenas.

Se na eleição de 2016 muitas de suas propostas eram consideradas "extremas", hoje são também defendidas por outros pré-candidatos democratas. Ele propõe aumento do salário mínimo federal para US$ 15 (cerca de R$ 65) por hora, um sistema de saúde universal e universidade gratuita. Mas, para seus críticos, algumas ideias defendidas pelo senador, como acabar com planos de saúde privados ou oferecer cobertura de saúde gratuita para imigrantes ilegais, são polêmicas e podem afastar eleitores mais moderados.

Muitos apoiadores de Sanders dizem que a melhor maneira de derrotar Trump é com uma agenda econômica radical. Um dos argumentos é o de que o mesmo sentimento de rejeição a políticos tradicionais que levou Trump à Casa Branca em 2016 poderia favorecer um candidato pouco convencional que se posiciona contra o sistema, como Sanders.

Mas seus opositores costumam ressaltar que, nas eleições legislativas de 2018, que devolveram a liderança da Câmara dos Representantes para os democratas, o bom desempenho do partido foi puxado por candidatos mais moderados. Lembram ainda que a moderada Clinton, apesar de ter perdido a Presidência (que é decidida pelo colégio eleitoral), foi a vencedora do voto popular, com 3 milhões de votos a mais que Trump em 2016.

Eleição geral

Entre os que temem a escolha de Sanders, há também o argumento de que o senador seria um alvo fácil para Trump na eleição geral. Trump e seus apoiadores já vêm rotulando Sanders como um socialista de extrema esquerda, que seria perigoso para o país. Em seu discurso sobre o Estado da União, na semana passada, Trump incluiu um alerta sobre os riscos do socialismo.

Mas, segundo comentaristas políticos, também há na campanha de Trump aqueles que temem uma disputa contra Sanders e que acreditam que o senador está sendo subestimado. Há quem compare a situação com a eleição de 2016, quando Trump também era rejeitado pela maioria dos republicanos tradicionais durante as primárias e muitos acreditavam que ele não teria chances contra Clinton em uma eleição geral.

O choque da vitória de Trump em 2016 faz com que nesta eleição a prioridade para os democratas seja derrotar o presidente. A votação de Iowa, que abriu o calendário eleitoral para a escolha do candidato democrata e foi marcada por problemas tecnológicos na apuração dos votos, aumentou a apreensão dentro do partido.

O comparecimento menor do que o esperado em Iowa - 170 mil pessoas participaram da votação - faz com que alguns questionem o nível de mobilização dos eleitores democratas. Além disso, há o temor de que uma longa temporada de primárias, sem a consolidação de um candidato como o favorito, prolongue as divisões internas no partido, em um momento em que é necessária união para vencer Trump na eleição geral.

Sanders lidera a preferência da ala mais progressista do partido, seguido por Elizabeth Warren, que terminou em terceiro lugar em Iowa e em quarto em New Hampshire. O ex-vice-presidente Joe Biden até recentemente vinha liderando o apoio da ala moderada, mas seu fraco desempenho em Iowa (onde ficou em quarto lugar) e New Hampshire (em quinto) coloca em dúvida a força de sua candidatura.

Com os resultados das duas primeiras votações, Buttigieg ganha destaque entre os candidatos moderados. Klobuchar também disputa a preferência desses eleitores. Há ainda o bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, que entrou na disputa depois dos outros, mas poderá ter um bom desempenho na Super Terça, segundo analistas.

Seja quem for o escolhido, o candidato democrata irá enfrentar Trump em um momento em que a aprovação do presidente chega a 49% segundo pesquisa Gallup, a mais alta desde o início de seu governo. Trump entra na briga pela reeleição embalado pelo bom desempenho da economia americana e após ter sido absolvido pelo Senado no processo de impeachment.

Para Shapiro, o futuro dos democratas em novembro depende de o partido se unir em torno do candidato escolhido, seja quem for.

"Se os democratas se unirem em torno de Sanders, ele terá boas chances de vencer a eleição (geral). Mas eu poderia dizer o mesmo sobre quase todos os outros democratas (que disputam a nomeação)", ressalta.