'Diaristas não existem para o governo', diz ONG sobre falta de proteção na crise do coronavírus
Para Mario Avelino, pacote de Paulo Guedes desconsidera as 2,5 milhões de diaristas do Brasil; empregadores devem dispensar e pagar funcionárias
Profissionais autônomos como as diaristas "não têm proteção alguma do governo porque não existem para o governo", avalia o presidente ONG Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino.
Com a pandemia do novo coronavírus e o começo do distanciamento social e autoisolamento no Brasil para conter seu avanço, brasileiros estão dispensando o serviço de trabalhadores informais. Estes, por sua vez, deixarão de ganhar dinheiro e estão preocupados sobre como pagarão suas contas.
Nesta quarta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que o governo oferecerá um auxílio mensal de R$ 200 a profissionais autônomos durante a crise.
Avelino diz que o pacote de R$ 147 bilhões anunciado anteriormente pelo ministro "protege quem já está protegido, quem já está na formalidade", excluindo os cerca de 40 milhões de trabalhadores na informalidade, como as 2,5 milhões de diaristas (as mulheres são maioria entre os trabalhadores domésticos).
"As pessoas estão todas descobertas, expostas."
Nas redes sociais, em posts no Twitter e no Instagram, usuários têm compartilhado o pedido para que as pessoas dispensem suas faxineiras ou empregadas domésticas, mas continuem pagando.
A BBC News Brasil falou com diversas trabalhadoras que estão passando pelo contrário: foram dispensadas sem remuneração ou a perspectiva de remuneração.
Diaristas entram na categoria dos trabalhadores autônomos, sem compromisso, portanto não é ilegal demiti-las sem compensação. Já no sistema de mensalista, quem é demitido tem direito a verbas indenizatórias.
Empregado e empregador
Para Avelino, apesar de os empregadores não serem obrigados legalmente a fazê-lo, podem ter "bom senso e o respeito ao ser humano".
"Tem que pensar que está protegendo a sua funcionária, a família dela, a sua família e as pessoas do entorno. Qualquer pessoa pode contrair o vírus, e até saber que contraiu, pode estar disseminado", afirma.
"Se o empregador puder liberar, faça isso. Agora, sem prejudicar a renda daquela trabalhadora."
Ele defende que todas as empregadas com mais de 60 anos, grupo de risco para o novo coronavírus, sejam dispensadas.
"Tem que liberá-la independentemente de qualquer coisa porque está em grupo de alto risco. No Brasil tem muito empregado nessa faixa etária, entre 15% a 20% de 60 anos ou mais. Dispense pelo menos nesses primeiros 15 dias até ver o que acontece, porque o risco, se ela contrair, é muito alto."
No caso das mensalistas, sejam registradas ou não, o empregador pode tomar diferentes decisões que não prejudiquem o salário das empregadas ou que minimize sua exposição: licença remunerada, antecipação de férias, afastamento com compensação posterior, redução de horário de trabalho ou pagamento de transporte particular, por exemplo.
"O empregador está com a faca e o queijo na mão e tem várias alternativas, só não pode deixar o trabalhador desamparado sem remuneração."
O caso das diaristas é diferente porque são trabalhadoras autônomas. "Você não pode obrigar o contratante a pagá-las legalmente, porque são profissionais sem vínculo. Mas nada impede que haja uma conversa entre as partes, é uma relação de um para um", diz ele, que defende que os empregadores dispensem e paguem as diaristas.
"A maioria das diaristas do Brasil têm uma ou duas diárias por semana e olhe lá. Vão sobreviver de que forma?"
Avelino defende que uma solução possível é que essas diaristas se cadastrem como MEIs (microempreendedoras individuais), contribuindo para o INSS e garantindo proteção da Previdência Social e em casos de doença. Contudo, existe uma carência de no mínimo 12 meses de contribuição para ter o auxílio-doença. Para Avelino, a solução é que o governo derrube a carência para os contribuintes que forem contagiados com o vírus.
No entanto, com a pandemia e a paralisação de diversos serviços, não é garantido que esses pedidos e cadastros sejam processados com a velocidade necessária para essas pessoas. A mesma coisa vale para o Bolsa-Família, que deve ser reforçado pelo pacote do governo federal.
"Vamos pedir ao governo que também proteja o desprotegido. Está protegendo o vulnerável, o aposentado. Mas e o desassistido, que está totalmente excluído? Vamos incluir o excluído que, aliás, produz."
Vírus
Avelino considera alguns cenários: e se alguém da família do empregador estiver infectado com o vírus?
De novo, diz ele, impera o bom senso. A família deveria dispensar a funcionária. Se decidir mantê-la trabalhando, deve tomar todos os cuidados para não propagar a doença.
Mas pode ser que a funcionária, diz ele, se recuse a trabalhar, para não se expor. O empregador deveria levar isso em conta e liberá-la.
Também, "legalmente falando, ela pode ser demitida, mas não por justa causa". "E se for demitida tem que receber todos os direitos que a lei determina", diz ele. E se o contratante quiser forçar a funcionária a pedir demissão, Avelino está certo de que a empregada ganharia um processo na Justiça. "Qualquer juiz daria ganho de causa para ela."
Se for o contrário, e a empregada contrair o vírus? "O médico vai dar afastamento e quem pagará o salário é a Previdência", afirma. Mas ele ressalta que o INSS no Brasil está com uma fila enorme de pessoas para receber seus benefícios.
"É provável que ela receba daqui a 2, 3 meses. Aconselho, então, que o empregador antecipe o salário para posterior desconto, quando ela receber no INSS."
Se for um empregado sem carteira assinada e um empregador informal, a Previdência não vai pagar, diz. "A recomendação é que o empregador, já que é informal, pague o salário no período e não desconte nada. A recomendação inicial, na verdade, é 'assine a carteira'. Mas, se não assina, pague."
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