Berço dos 'kids pretos', Goiânia vira epicentro da articulação do golpe
Goiânia tem acumulado diversos títulos nos últimos anos por seu clima ameno, e em meio ao crescimento industrial e do agronegócio na região. Mas desde o dia 8 de janeiro de 2023, ela entrou com força na crônica política nacional como epicentro da articulação golpista de generais.
É lá a sede do COpEsp (Comando de Operações Especiais), que forma os agentes das forças especiais do Exército, os chamados "kids pretos". Considerados a elite do Exército, o grupo se viu sob os holofotes nos últimos dias. A notícia de que integrantes desse seleto time teriam papel central no plano para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes veio à tona na última terça-feira (19). Foi nesse dia que a Polícia Federal deflagrou uma operação que prendeu quatro militares e um policial federal por participarem da articulação de um golpe de Estado.
Na mesma terça, o jornal local O Popular destacava que Goiânia havia sido citada 39 vezes na apuração da PF sobre o plano golpista desenhado em 2022. Em outras palavras, a tentativa de golpe de Estado que colocou Jair Bolsonaro e seus aliados na berlinda, passou pela capital de Goiás.
A formação desses militares, considerada uma das mais exaustivas e eficazes do país, inclui táticas de guerrilha urbana, operações de sabotagem e inteligência avançada —habilidades que, segundo a investigação, foram utilizadas para planejar o golpe. Segundo um deputado goiano que pediu para não ser identificado, o acesso ao COpEsp é disputado. "São cem inscritos, mas apenas dois formados. Os caras se formam bem fisicamente, em paraquedismo, em mergulho, em estratégia, em guerrilha, em tiro e em luta. São ninjas", diz ele.
O tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo é um dos 'kids pretos' detidos na terça, quando estava a caminho do Rio. Azevedo vive com a família na vila militar, no Setor Marista em Goiânia, de onde se avistam carros de luxo e casas imponentes. O tenente-coronel Rafael "Joe" Martins de Oliveira, outro agente especial preso na terça-feira, também vivia ali até dois anos atrás. Ambos são apontados pela PF como figuras centrais do plano golpista, especialmente do evento Copa 2022, que seria realizado no dia 15 de dezembro. Essa era a data em que Moraes esteve na mira dos agentes especiais, segundo a investigação.
Azevedo teria arquitetado a prisão de Moraes, enquanto Joe ajudou a comprar os equipamentos necessários para a execução do plano, além de garantir o financiamento dos atos que culminariam na tentativa de golpe em Brasília. Os dois tenentes, à época ocupando o posto de major na hierarquia militar, viabilizaram a aquisição de telefones "frios" (aparelhos e chips ativados em nome de terceiros clandestinamente) em Goiânia para dificultar a identificação dos envolvidos no planejamento.
Um outro 'kid preto' preso na operação de terça, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, também esteve em Goiânia algumas vezes. Numa delas, em 21 de novembro de 2022, chegou de avião para voltar a Brasília no mesmo dia num carro alugado por Joe. A ideia era se camuflar para dar início ao monitoramento de Moraes.
Queimando pneus na frente do quartel
Um dia após a operação da PF, durante o feriado da Consciência Negra, o clima em uma das vilas militares da cidade era de tranquilidade. Situada no Setor Marista, um dos bairros mais ricos de Goiânia, está a cerca de 10 km da sede do COpEsp. Os moradores dessa vila vivem a um quarteirão de um shopping luxuoso e rodeados de escolas particulares de alto padrão. Estão às margens da avenida 85, uma das principais vias da região central.
Um militar que fazia a ronda no único quarteirão da área nesse dia confirmou o que parece óbvio: ali só vivem os militares de patentes mais altas. Ele evita estender a conversa com a reportagem. A ordem ali é manter o silêncio.
A mesma sede do COpEsp foi pano de fundo para protestos golpistas barulhentos em 2022. Ali, manifestantes de verde e amarelo se juntavam para queimar pneus e até orações para a Polícia Militar. Paravam o trânsito, seguindo um acordo com a polícia militar —de cinco em cinco minutos podiam tomar as vias. Foram praticamente 60 dias diante da sede do COpEsp, a partir do dia 31 de outubro de 2022, com direito até mesmo a ceia de Natal no local. O coro coincidia com o anseio dos 'kids pretos': a destituição de ministros do STF, a prisão de Lula e a retomada de poder de Bolsonaro.
Bolsonaro teria sido eleito em 2022 se dependesse só dos votos da população de Goiânia. Enquanto Lula chegou perto dos 40% dos votos, ele somou 63,95%. Em 2022, o então presidente visitou Goiânia diversas vezes para agendas diversificadas: de motociata, e convenção do PL a encontros com líderes políticos e religiosos. Três anos antes, na mesma cidade, durante agenda oficial da Presidência no COpEsp, Bolsonaro conheceu o general da reserva Mário Fernandes —preso na última terça por suposta atuação na tentativa de golpe.
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Quero receberSegundo a imprensa local, Goiânia também foi palco de articulações golpistas em 1964. As forças especiais haviam sido criadas pouco antes, em 1957. Seus fundamentos de formação em espionagem teriam sido a base para a criação do Serviço Nacional de Informação (SNI) . O UOL tentou contato com o Exército e com a sede do Comando sem sucesso.
Em 2018, como mostra uma reportagem da revista piauí, os 'kids pretos' já discutiam a possibilidade de saírem favorecidos com uma eleição de Bolsonaro. Em um jantar com outros militares brasileiros, o general Luiz Eduardo Ramos telefonou para o então deputado Bolsonaro e, após curta conversa, disse aos outros militares: "Estão vendo? Esse cara está nas nossas mãos. Se ele for eleito, a gente vai governar por ele." Algum tempo depois, outro 'kid preto' chegaria ao comando do Exército: o general Freire Gomes, que comandou o 1° Batalhão de de Ações de Comando em Goiânia. Foi ele um dos militares que se opôs à promoção do golpe de seus colegas.
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