Crise na Venezuela: por que governo de Nicolás Maduro indultou agora dezenas de deputados da oposição
O anúncio surpreendeu muita gente.
Ontem, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decretou um indulto para dezenas de deputados opositores de seu regime.
A medida, anunciada pelo ministro da Comunicação e da Informação, Jorge Rodríguez, foi aprovada por meio de um decreto presidencial e afeta dirigentes de partidos políticos e atores políticos antes acusados de diversos crimes.
Foram beneficiados pela decisão tanto políticos opositores que estavam presos quanto aqueles que estavam no exílio ou na clandestinidade porque suas imunidades haviam sido cassadas.
Um dos políticos afetados pelo indulto é Roberto Marrero, ex-chefe de gabinete do líder opositor Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional e considerado presidente interino da Venezuela por mais de 50 países.
A medida de Maduro, no entanto, surge num momento de enorme distanciamento, pelo menos publicamente, entre governo e a maioria da oposição na Venezuela.
O que levou então à medida?
Lista extensa
O indulto foi anunciado a poucos dias do fim do prazo de inscrição de candidaturas para as próximas eleições legislativas, em 6 de dezembro.
A maioria da oposição venezuelana faz questionamentos públicos a esse pleito por não considerarem que ele seja livre e justo.
O ministro Jorge Rodríguez afirmou que todos os beneficiados pelo indulto podem participar das eleições, sem qualquer pré-condição.
A lista de quem recebeu o indulto passa de uma centena.
A decisão inclui proeminentes dirigentes de diversos partidos de oposição, como Juan Pablo Guanipa, primeiro-vice-presidente da Assembleia Nacional, e Henry Ramos Allup, que presidiu o Parlamento em 2016.
A medida beneficia também o deputado Freddy Guevara, que era uma das vozes mais ativas do Vontade Popular, partido de Guaidó, até o fim de 2017, quando se exilou na embaixada chilena em Caracas.
Outro que recebeu o indulto foi o cientista político Nícmer Evans, que se afastou do partido governista e se juntou à oposição após a morte de Hugo Chávez e foi detido pela Direção-Geral de Contraespionagem Militar.
Medida controversa
Segundo o governo Maduro, o indulto visa impulsionar a "reconciliação nacional".
A medida, entretanto, é considerada controversa por diversas razões.
Em primeiro lugar, porque muitos dos beneficiados não reconhecem as acusações imputadas nem a legitimidade de Maduro na Presidência venezuelana.
Um dos citados na decisão, o deputado Américo de Grazia, rejeitou taxativamente o indulto.
"#IndultoOuInsulto Maduro nem é presidente, e eu não sou delinquente. Se ele quer contribuir para a paz da Venezuela, indulte o país da usurpação de poder, renuncie à ocupação da tragédia a que submete nosso povo e quem sabe assim tenhamos algo a lhe agradecer", escreveu o parlamentar em seu perfil no Twitter.
Outro ponto controverso da medida, que afeta especificamente deputados opositores, é que a imunidade parlamentar deles havia sido violada pela Assembleia Nacional Constituinte (ANC), um órgão cujo eleição não era reconhecida nem pela oposição venezuelana, nem pela comunidade internacional, incluindo a União Europeia.
Um terceiro fator de divergência em relação ao indulto é que a medida não beneficia dois dos principais líderes da oposição: o fundador do Vontade Popular, Leopoldo López, que está exilado na embaixada da Espanha, e o ex-candidato-presidencial Henrique Capriles Radonski, que atualmente encontra-se impedido de participar de qualquer processo eleitoral.
Por que Maduro tomou essa medida agora?
A onda de indultos surge num momento em que o governo Maduro promove eleições parlamentares com as quais busca retomar o controle da Assembleia Nacional, único poder na Venezuela ainda controlado pela oposição.
A Casa é fundamental para aprovar acordos internacionais por meio dos quais o governo pode receber fundos e créditos internacionais.
Muitos analistas consideram esse um ponto determinante para que até governos aliados de Maduro, como a Rússia e a China, retivessem apoio financeiro ao mandatário nos últimos anos.
Mas para que a retomada da Assembleia Nacional seja considerada efetiva, o pleito precisa ser reconhecido pela comunidade internacional. Do contrário, o regime correria o risco de despertar reações negativas como ocorreu na eleição da Assembleia Nacional Constituinte em 2017 e a reeleição em 2018 de Maduro, cuja legitimidade não é reconhecida por mais de 50 países.
Esses dois processos eleitorais foram realizados sob condições que muitos opositores venezuelanos e autoridades estrangeiras consideram inaceitáveis do ponto de vista democrático.
A mesma situação voltou a rondar o país com a aproximação das eleições legislativas.
No começo de agosto, um grupo de 27 partidos oposicionistas, incluindo todos aqueles com representantes no Parlamento, anunciaram um acordo para não participar das eleições de 6 de dezembro, consideradas fraudulentas por eles.
"O regime de Nicolás Maduro, usando o controle que exerce sobre todos os poderes públicos na Venezuela, acabou com a possibilidade de ter qualquer tipo de eleição livre e competitiva", disseram.
Além do indulto para dezenas de lideranças da oposição, houve recentemente uma série de decisões do Supremo Tribunal de Justiça que acabaram tirando o controle dos principais partidos da oposição de seus líderes tradicionais, deixando-os sem capacidade efetiva de apontar seus candidatos.
Os questionamentos de opositores e da comunidade internacional permanecem.
Em meados de agosto, o alto representante para política internacional da União Europeia, Josep Borrell, anunciou que o bloco não iria acompanhar as eleições legislativas venezuelanas e afirmou que o país, neste momento, "não reúne as condições para um processo eleitoral transparente, inclusivo, livre e justo".
O diplomata europeu disse ainda que, para que a União Europeia possa enviar uma missão de observação eleitoral à Venezuela, "será necessária uma resposta clara e amplamente positiva às condições mínimas propostas pela oposição".
O indulto anunciado em 31/8 pelo governo Maduro pode ser um passo nessa direção.
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