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'Terremoto no Vaticano': o escândalo de corrupção que levou à 'renúncia' de um dos cardeais mais poderosos da Igreja Católica

Cardeal Giovanni Angelo Becciu, uma das figuras de maior escalão dentro do Vaticano, renunciou inesperadamente ao seu cargo e título, anunciou a Santa Sé - Reuters
Cardeal Giovanni Angelo Becciu, uma das figuras de maior escalão dentro do Vaticano, renunciou inesperadamente ao seu cargo e título, anunciou a Santa Sé Imagem: Reuters

26/09/2020 10h11

Um novo escândalo abala o coração da Igreja Católica. O cardeal Giovanni Angelo Becciu, uma das figuras de maior importância dentro do Vaticano, renunciou inesperadamente ao seu cargo e título, anunciou a Santa Sé na quinta-feira (24/09).

"O Santo Padre aceitou a renúncia do cargo de Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos e dos Direitos do Cardeal, apresentada por Sua Eminência o Cardeal Giovanni Angelo Becciu", afirmou o lacônico comunicado.

Mas em um movimento inesperado, o cardeal revelou à imprensa italiana que sua renúncia não havia sido voluntária, mas ocorreu a pedido do Papa Francisco, pelas denúncias de corrupção que pesam contra ele.

Becciu disse que foi pressionado pela Santa Sé sob a suspeita de que "ele havia dado dinheiro da Igreja a seus irmãos", algo que negou categoricamente .

"Não roubei um euro. Não estou sob investigação, mas se me mandarem a julgamento, vou me defender", disse ele.

Em uma coletiva de imprensa na sexta-feira (25/09), Becciu disse que seu impeachment veio "como um raio vindo do nada" e que o papa "estava sofrendo" quando deu a notícia.

"Tudo é surreal. Até ontem me sentia um amigo do Papa, o fiel executor do Papa", disse ele.

"Então o Papa me disse que não tinha mais fé em mim porque recebeu um relatório dos magistrados de que cometi um ato de apropriação indébita", acrescentou.

Renúncias deste nível do Vaticano são extremamente raras e a Santa Sé fez poucos esclarecimentos em sua declaração divulgada na noite de quinta-feira.

Quem é o cardeal Becciu?

O cardeal Becciu era um colaborador próximo de Francisco e anteriormente havia ocupado um cargo importante na Secretaria de Estado do Vaticano.

No entanto, seu processo de "fritura" começou depois que foi revelado que ele esteve envolvido na compra de um prédio de luxo em Londres com fundos da Igreja.

Desde então, essa transação tem sido objeto de uma investigação financeira.

Becciu foi durante anos um "diplomata de carreira" do Vaticano: de 2011 a 2018 exerceu o poderoso papel de substituto para Assuntos Gerais da Secretaria de Estado, aproximando-se do Papa, com quem tinha encontros quase que diários.

Foi Francisco quem o nomeou cardeal em 2018, quando Becciu assumiu um novo cargo à frente do departamento que se encarrega de nomear os novos santos e beatos da Igreja.

Outro escândalo no Vaticano

Análise por Mark Lowen, correspondente da BBC em Roma

"Eu disse ao Papa: por que você está fazendo isso comigo na frente de todo o mundo?"

As palavras angustiadas são de um dos cardeais mais importantes da Igreja Católica, agora demitido e destituído de seu direito de eleger o próximo papa.

Giovanni Angelo Becciu serviu como subsecretário de Estado, uma função com acesso ilimitado ao Papa Francisco, e mais tarde foi chefe do departamento que escolhe futuros santos.

Mas na noite de quinta-feira, ele foi chamado para uma reunião supostamente tensa com seu chefe.

O cardeal Becciu havia dado o sinal verde para uma controversa compra de um imóvel em Londres por $ 232 milhões com fundos da Igreja, incluindo dinheiro de esmolas.

Outros relatos alegam que ele sustentava um hospital romano em ruínas que empregava sua sobrinha.

"O Santo Padre explicou que dei favores a meus irmãos e seus negócios com dinheiro da Igreja ... mas tenho certeza de que não pratiquei nenhum crime", disse ele ao jornal italiano Domani.

Mas suas palavras não foram suficientes. O que aconteceu foi chamado de "um terremoto no Vaticano".

Sua demissão pode parecer dissimulada, mas é um lembrete de que o escândalo e a corrupção que assolam governos em todo o mundo também atingem os mais altos escalões da Santa Sé.

E o negócio imobiliário em Londres?

Foi durante seu tempo como substituto para assuntos gerais que o religioso esteve envolvido em um negócio de uma propriedade de luxo em uma área rica de Londres.

A compra de um edifício residencial na Sloane Avenue foi feita com dinheiro da Igreja, por meio de fundos offshore e de empresas, segundo documentos oficiais.

Cinco funcionários do Vaticano foram suspensos no ano passado após uma operação e policiais apreenderam documentos e computadores.

Então, em junho, o empresário italiano Gianluigi Torzi foi preso pela polícia do Vaticano sob suspeita de extorsão e peculato.

No início deste ano, o cardeal Becciu defendeu a compra.

"Foi feito um investimento em um prédio. Foi uma ocasião boa e oportuna, que hoje muita gente nos inveja", disse em fevereiro.

Ele também negou que o dinheiro arrecadado para os pobres tenha sido usado no negócio.

Porque só agora?

A imprensa italiana considera que a saída repentina do cardeal pode estar relacionada não apenas à propriedade de Londres.

Em sua entrevista na sexta-feira, o cardeal disse que o papa também o confrontou sobre o dinheiro da Igreja que ele deu para negócios administrados por seus irmãos.

Uma cooperativa na Sardenha, comandada pelo irmão de Becciu, Tonino, prestou ajuda a migrantes e o cardeal disse que todo o dinheiro foi contabilizado.

Outros fundos foram usados para renovar o edifício da Santa Sé em Cuba.

Reportagens da imprensa italiana também sugerem que o Papa estava descontente com o uso dos fundos dos pobres para outros investimentos.

No ano passado, o semanário italiano L'Espresso publicou uma reportagem da autoridade anticorrupção do Vaticano sobre investimentos especulativos no valor de US$ 725 milhões.

O cardeal Becciu manterá seu título, apesar de sua renúncia da congregação. No entanto, ele perde seu direito de escolher o próximo papa.

Atualmente, dos 219 cardeais da Igreja Católica, 121 são votantes.

O último cardeal a renunciar seu direito de voto foi o escocês Keith O'Brien, que renunciou em 2013 em meio a um escândalo sexual. Ele morreu cinco anos depois.